Com data de 23-24 de outubro de 2021, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, publicou uma matéria sugerindo que atos nazistas/neonazistas são corriqueiros no Rio Grande do Sul. Por motivos óbvios, entrei em contato com o autor, jornalista Carlos Rollsing, para manifestar dúvidas a respeito de algumas passagens do texto. Entre elas, está a referência a uma juíza da 7ª Vara Federal de Santa Catarina que teria defendido uma tese de doutorado na PUCRS em que utilizaria dados da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias sobre nazismo/neonazismo.
Curioso para confirmar esta afirmação, não consegui localizar a tese, nem na Universidade nem no repositório de teses e dissertações da CAPES, motivo pelo qual enviei correspondência ao Programa de Pós-Graduação da PUCRS em que ela foi defendida. A resposta diz que “não encontramos [a tese] em nosso ‘repositório’, de todo modo, pode ser que a autora tenha solicitado confidencialidade de seu trabalho. Solicito que entre em contato diretamente com a autora da dissertação [sic] para solicitar acesso à mesma” (para isso, foi fornecido um endereço de e-mail vinculado à PUCRS).
Não há dúvida de que uma eventual opinião arrasadora da juíza sobre a cerveja Eisenbahn, fora do contexto “ex cathedra”, isto é, fora dos “autos”, é perfeitamente aceitável, não pode sofrer QUALQUER restrição (para evitar mal-entendidos, destaco, com toda ênfase, que o exemplo é totalmente hipotético, pois desconheço a opinião da juíza a respeito, e eu mesmo nunca tomei uma cerveja desta marca). Mas – COMO LEIGO! – estou em dúvida sobre a conveniência de afirmações públicas – mesmo com indicação da fonte – como: “Santa Catarina experimentou um aumento de 162% no crescimento das movimentações e no crescimento das células nazistas e neonazistas”, desde o início do governo Bolsonaro, quando há, no mínimo, indícios, em outras fontes, que justificam cuidados com estes números. Independente disso, a afirmação, muito provavelmente, será vista, por grande parte da opinião pública, como manifestação sobre o conjunto do povo catarinense. E será difícil negar que, nesta opinião pública, haverá um entendimento fortemente enraizado de que a PROCEDÊNCIA NACIONAL de parte significativa da população seja a culpada pela suposta ou efetiva situação.
(Entre parênteses: é interessante observar que municípios catarinenses satanizados porque, supostamente, tomados por nazismo/neonazismo estão sendo premiados por boa administração pública. E a premiação não vem de Bolsonaro! Estranho! Exempli gratia, Timbó – em 1928, foi criado ali o primeiro núcleo nazista no Brasil; em 2021, foi descoberta uma fábrica de objetos nazistas. A premiação, porém, sugere que talvez não seja verdade que o episódio de 93 anos atrás tenha dado origem a uma “cultura nazista”, que se enraizou e perpetuou, e que, inclusive, teria contaminado o solo e os lençóis de água da localidade; quanto à fábrica, é bem possível que também não seja verdade que 100% da população sejam acionistas dela).
A responsabilidade científica (numa tese de doutorado, por exemplo) e cidadã, diante de um tema tão melindroso, requer que indícios que apontem em direção diferente sejam, ao menos, referidos. Em função de tudo isso, enviei, em 29/10/2021, o primeiro e-mail abaixo, ao endereço da 7ª Vara da Justiça Federal de Florianópolis (que consta no site oficial do Poder Judiciário). Não tendo recebido nenhum retorno até 19/11/2021, enviei o segundo e-mail abaixo transcrito (para um endereço eletrônico privado, divulgado num vídeo disponível no Youtube). Até este momento (10/12/2021), não recebi nenhum retorno. Este é o motivo que me leva a publicizar as duas correspondências. A justificativa é a mesma utilizada em relação à delegada responsável pela Delegacia de Combate à Intolerância, em Porto Alegre. [10/12/2021]
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[E-mail enviado dia 29/10/2021]:
Dra. Claudia Maria Dadico, seu nome “atravessou meu caminho” durante uma troca de ideias com o jornalista Carlos Rollsing, do jornal Zero Hora, sobre uma publicação dele a respeito de nazismo/neonazismo no Rio Grande do Sul. Ele se referiu à sua tese de doutorado, e me passou o seguinte link:
Informou que dados sobre neonazismo e congêneres em Santa Catarina que a Sra., suposta ou efetivamente, cita, na tese, teriam sido buscados em textos de Adriana Abreu Magalhães Dias. Infelizmente, não consegui ter acesso à tese, nem na PUCRS nem no repositório de teses e dissertações da CAPES.
Meu comentário, portanto, parte do pressuposto de que os dados efetivamente derivam da ciência praticada pela referida senhora Adriana Dias. Em primeiro lugar, considero temerária a utilização de quaisquer dados divulgados sobre o tema nazismo/neonazismo no Brasil. Veja a Sra. o link abaixo, em matéria publicada por O Globo. Nesta matéria, os números são atribuídos a ninguém menos que à Polícia Federal, mas atente-se para o seguinte fato: o senso comum absoluto sobre a, supostamente, acachapante presença deste mal em Santa Catarina não se confirma:
https://www.renegertz.com/noticias/9-notas/168-nazismo-no-brasil
Encontrei dados supostamente fornecidos por administradores do Direito nos estados, e ali aparece Santa Catarina com um índice alto de “injúria racial”, mas um índice baixo de “racismo”, enquanto no Rio Grande do Sul se daria o inverso (ou vice-versa). Este fato, por si só, recomenda cautela com os dados, sempre. Não vou aprofundar isto, aqui, mas é um fato – dados a respeito deste tema devem ser vistos com cautela. No meu site, apresento vários casos que tiveram repercussão planetária, para, depois, serem categoricamente desmentidos por autoridades competentes – desmentidos quase sempre ignorados pela mesma imprensa que os havia difundido como verdadeiros, com grande estardalhaço. Isto não significa negar a existência de nazismo/neonazismo, e, MUITO MENOS, negar a necessidade de combatê-lo, com todo rigor!
Mas aí chego ao caso específico desta senhora chamada Adriana Abreu Magalhães Dias. Para que a Sra. tenha uma ideia de quem estou falando, recomendo ler os textos dos dois links a seguir:
https://www.renegertz.com/noticias/9-notas/161-adriana-dias-rides-again
https://www.renegertz.com/noticias/9-notas/169-fake-news-do-bem
Esta senhora tem uma capacidade muito grande de se “infiltrar” na imprensa, onde, inclusive, costuma ser qualificada como “da UNICAMP” (assim acontecido na própria matéria de Zero Hora), mas eu consultei várias fontes, e em NENHUM lugar ela aparece como sendo “da UNICAMP” – ela fez mestrado e doutorado na instituição, mas, até o momento, minhas intensas procuras por provas de que ela seja “da” instituição foram infrutíferas. Aliás, várias tentativas de encontrar um Currículo Lattes desta senhora, nos últimos dias, foram em vão – o “escavador” informa que os dados reproduzidos por ele são de 2020, no Lattes. Há, portanto, fortes motivos para que a UNICAMP não seja invocada como fiadora da confiabilidade dos dados de Adriana Dias sobre nazismo/neonazismo no Brasil. [Sou obrigado a retificar-me: após nova investida, localizei o Currículo Lattes dela, em 1/12/2021. A última atualização ocorreu em 19/2/2019, e o último vínculo funcional registrado terminou em 2014].
Sra. juíza, é aí que reside – até prova em contrário – o enorme perigo em se basear em dados apresentados por esta senhora. NINGUÉM que tenha bom senso mínimo racional pode ser contra o combate a nazismo/neonazismo, mas, os dados desta senhora sobre o “sul”, por exemplo, desencadearam ondas de ódio que não ficam a dever nada ao ódio efetivo manifestado por nazistas/neonazistas. Caso nunca o tenha feito, recomendo que entre na internet e acesse uma matéria baseada em dados e falas de Adriana Abreu Magalhães Dias, e observe os comentários deixados pelos leitores.
Sra. juíza, lamentei inúmeras vezes não ter estudado Direito, por isso não consigo imaginar como a Sra. poderia lidar com uma demanda de um procurador pedindo a decretação de intervenção federal em Santa Catarina, por exemplo, com base nos números de Adriana Abreu Magalhães Dias, caso eles efetivamente são compartilhados como confiáveis, em sua tese de doutorado. Esta é uma questão processual na qual não posso imiscuir-me, por falta de conhecimento, na área. Mas posso garantir-lhe – e digo isto por acompanhar a trajetória de Adriana Abreu Magalhães Dias, desde 2007 – que constitui temeridade buscar nos textos desta senhora dados confiáveis sobre nazismo/neonazismo no Brasil.
Minha tentativa de alertar para este problema deriva de uma vivência marcante – que não posso narrar, para não me estender, mas que abordei em meu livro de memórias, que posso remeter-lhe –, quando, dez anos atrás, uma doutora em Antropologia, técnica pericial em Antropologia do MPF-RS, emitiu um parecer, afirmando que o “conjunto dos concidadãos” de Teutônia/RS estava “fragilizado” pelo neonazismo, fato que levou o procurador da região a desencadear uma desnazificação de cerca de 350.000 cidadãos brasileiros, imaginando que, pelo fato de parte deles possuir sobrenome alemão, efetivamente eram todos neonazistas. Uma verdadeira barbárie!
Poucos meses atrás, frente a um episódio problemático, alertei a delegada responsável pela Delegacia de Combate à Intolerância, de Porto Alegre, para a necessidade de combater TODOS os tipos de intolerância. Não recebi resposta. Talvez a Sra. tenha acompanhado o episódio recente, em que um professor de música da UFRGS enxergou alusão a ou traços de uma suástica no piso de azulejos, num parque da cidade – possivelmente, para fazer um upgrade de cargo nas próximas eleições da Associação de Docentes, da qual agora é apenas segundo-tesoureiro –, fato contestado por VÁRIOS especialistas. Mesmo assim, este patrimônio público foi vandalizado, no final de semana 23-24/10/2021. Será que a Delegacia de Combate à Intolerância vai, agora, esclarecer e reprimir este tipo de intolerância, tão inadmissível quanto nazismo/neonazismo, no Estado Democrático de Direito, que tanto prezamos? Será que a senhora Adriana Abreu Magalhães Dias, com sua divulgação insistente sobre a existência de intermináveis hordas de neonazistas, no “sul”, não é corresponsável por atentados deste tipo?
Isto sem falar que o recente caso, amplamente explorado, sobre o bolo com uma imagem de Hitler, divulgado por uma estudante da UFPel, possui um background MUITO diferente daquele pressuposto! Posso mandar-lhe um pequeno dossiê que montei sobre o caso, pelo qual a Sra. poderia avaliar o fel destilado contra esta pobre moça, contra seus pais (modestos “colonos”) e a população que possui sobrenome da mesma origem nacional que ela. Mesmo não sendo jurista, tenho certeza de que muitos dos comentários deixados na imprensa são, claramente, enquadráveis no Art. 20 da Lei 7.716/89.
Caso não se colocarem freios ao furor do ódio “antinazista”, não levará muito tempo para pessoas serem trucidadas, na rua, por vestirem, de forma inadvertida, blusa/camisa vermelha, saia/calça preta e meias brancas, as cores da suástica.
Muito obrigado. Peço desculpas por mandar-lhe este e-mail, mas a situação está suficientemente perigosa para que pessoas sensatas dialoguem sobre o tema. Minha única intenção é evitar o pior. Já fiz contato (correspondido) com o MPSC, a respeito do qual a senhora Adriana Dias disse que o está “auxiliando” (que perigo!).
Atenciosamente.
René E. Gertz
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[E-mail enviado no dia 19/11/2021]:
Sra. Dra. Claudia Maria Dadico, em 29 de outubro passado, enviei o texto constante ao final deste escrito [na verdade, aqui, se trata do texto acima], via e-mail, ao endereço . Até este momento, não tive retorno. Por consequência, ocorreu-me que o e-mail pode ter sido descartado por um(a) funcionário(a), em função de seu caráter pessoal, não-profissional.
Enquanto isso, continuei pesquisando, e localizei dois vídeos que me interessaram. Inicialmente, tomo a liberdade de tecer alguns comentários sobre este aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=yvlTIP8MnuM
Confesso que levei um susto com a apresentação de João Marcos Buch, quando ele afirmou que, em Santa Catarina, “células neonazistas estão pululando por todos os lados”. Eu havia postado um comentário no meu site, em 8/9/2021, portanto exatos dez dias antes da datação do vídeo, sob o título “As lamentáveis fake news ‘do bem’”, em que me refiro a SC:
https://www.renegertz.com/noticias/9-notas/169-fake-news-do-bem
No texto, falo de casos de nazismo/neonazismo neste estado, aos quais vou retornar – aqui só cito o fato para justificar meu susto, pois imaginei que seria fragorosamente refutado por aquilo que viria. Já estava abrindo meu site para despublicar algumas postagens.
Quanto à sua intervenção, neste vídeo, gostaria de fazer três observações.
A) Estranho para um leitor comum é o fato de que a Sra., em determinado momento, quando, inclusive, informou que fora apresentado um vídeo “especificamente” sobre o Brasil, começa a referir-se “especificamente” a SC, mas descamba a falar da visita de uma deputada alemã da AfD a Bolsonaro. Uma das maneiras para aceitar esta observação como lógica, dentro do contexto, isto é, relacionada a SC, dependeria de provas de que as prefeituras de Blumenau, Brusque, Joinville etc. investiram dinheiro público para financiar a vinda desta deputada ao Brasil, ou que tenha sido feita uma “vaquinha” entre o “povo em geral” de SC, ou, ainda, que ela se tenha apresentado a Bolsonaro como representante do povo (“alemão”) de SC. Neste caso, sim, a visita teria algo a ver com o estado. Do contrário, peço desculpas, mas, até prova em contrário, não vejo nenhuma ligação “específica”, nem lógica nem empírica.
B) A precisão histórica obriga a chamar atenção para a afirmação de que a famigerada frase do hino “Deutschland, Deutschland über Alles” seria “nazista” (isto sem referir o fato de que este tema também é abordado no contexto “especificamente” catarinense). Este hino foi escrito (a melodia é de Haydn) em 1841, por um professor universitário chamado Hoffmann von Fallersleben, e refletia a opinião de um cidadão preocupado com a unificação alemã (em vez de “ducado disso”, “principado daquilo”, ele propunha “Alemanha, Alemanha, acima de tudo”). É claro que este hino sofreu ressemantizações, ao longo do tempo, incluindo o período nazista (a Alemanha pós-1989, esqueceu as duas primeiras estrofes, e só canta a terceira, que poderia ser pronunciada por qualquer integrante da Revolução Francesa – “unidade, direito e liberdade para a pátria alemã ...”).
Em muitas oportunidades, quando um(a) aluno(a), em minhas aulas, afirmava que este hino era “nazista”, eu contava que tinha navegado na internet e tinha encontrado um país em que os cidadãos são chamados a cantar “desafia o nosso peito a própria morte, ó PATRIA AMADA IDOLATRADA”. Eu destacava que os alemães cantavam “Alemanha, Alemanha, acima de tudo, NESTE MUNDO” (“in der Welt”), que, desta forma, eles não invocavam ou provocavam os deuses; que, porém, aquele que proclama a pátria “idolatrada” tem dificuldades em viver no mundo ocidental e em sua periferia, marcados pelo monoteísmo das três grandes religiões judaísmo, cristianismo, islamismo; quem canta “pátria ... idolatrada” afronta o deus destas três religiões!
Neste contexto, não é de todo desimportante destacar que os nazistas consideraram as estrofes dois e três do Deutschland-Lied muito “liberais”, e as eliminaram, cantando apenas a primeira; além disso, este não era o hino mais popular e mais cantado pelos militantes – o hino que era entoado a toda hora era o Horst-Wessel-Lied, o hino do partido!
C) A terceira questão é mais substantiva. Não preciso mais olhar sua tese ou comprar seu livro para ver se, efetivamente, invoca Adriana Abreu Magalhães Dias como fonte para sua avaliação sobre nazismo/neonazismo em SC. É verdade que não a qualifica como sendo “DA” UNICAMP (uma curiosidade que, portanto, permanece). Os adjetivos, as qualificações, claramente expressas, porém, não deixam dúvida sobre sua confiança total naquilo que esta senhora diz. (Entrementes, consultei o livro Crimes de ódio, e constatei que - ao contrário do vídeo - ali não há comentários sobre a pessoa de Adriana Dias, ela apenas é arrolada como fonte).
Interessante, aqui, é o fato de que minha esperada humilhação com uma enxurrada de muitas dezenas, centenas, talvez milhares, de casos não se confirmou. Quem olhar para meu texto, no citado link, publicado dez dias antes da datação do vídeo, verá que incluo mais um episódio (o da fábrica de objetos nazistas, em Timbó). Em contraposição, de forma proposital, omiti o caso dos alunos de Criciúma. Em primeiro lugar, porque alunos da 9ª série devem estar com aproximadamente 15 anos; pela nossa legislação penal, eles não possuem responsabilidade penal, com esta idade – um motivo muito simples para não expô-los à execração pública; em segundo lugar, pergunto se não há motivo para inverter o argumento? Em vez de potenciais criminosos nazistas, já com esta idade, não podem ser vistos como vítimas da brutal campanha de satanização do povo de SC, a ponto de terem incorporado esta maldade? Além disso, cabe enfatizar que há casos anteriores em que alunos de estados com população não satanizada deram exemplo aos de SC:
https://visornoticias.com.br/alunos-fazem-saudacao-nazista-em-escola-e-foto-repercute-na-internet/
Quanto aos demais casos, fiquei muito aliviado ao constatar que a avalanche – que eu esperava – não apareceu. Abstraindo do fato de que, ao menos em parte, se trate de gente vinda de fora do estado, sua lista contém sete ocorrências. Acrescentando o caso referido por mim (o da fábrica de objetos nazistas), chegamos a oito episódios. Mas veja-se que os casos do professor da suástica na piscina e do pai da vice-governadora são MUITO antigos, os demais se espraiam por quase oito anos – de 2014 a 2021. Não se abandona o âmbito do sensato, do objetivo, caso perguntar se os episódios arrolados, de fato, constituem prova para a afirmação de João Marcos Buch de que “células neonazistas estão pululando por todos os lados”, em SC. Veja-se no link do meu site
https://www.renegertz.com/noticias/9-notas/168-nazismo-no-brasil
que, segundo dados da Polícia Federal (!), um estado com população tão insuspeita quanto Pernambuco registrou, só em 2020 (!), nove casos, com uma população total semelhante à de SC (7 milhões de habitantes); o Rio de Janeiro, com uma população pouco maior que o dobro da de SC (16 milhões), registrou quase 3 X 8 (de fato, 23) casos; o DF, com menos da metade da população de SC, registrou ¾ de 8, isto é, 6 casos. Repita-se, estes últimos casos se referem EXCLUSIVAMENTE ao ano de 2020, enquanto os dados referentes a SC ocorreram num espaço temporal de quase UMA DÉCADA! Se há gente que leva a sério os dados de Adriana Abreu Magalhães Dias, por que não se deveria levar a sério os números da Polícia Federal?
Em cima destes dados objetivos, intersubjetivamente discutíveis, não lhe parece que a satanização total, absoluta e completa da população de SC só se explica porque há gente que acredita cegamente nas intermináveis hordas de neonazistas VIRTUAIS propaladas por Adriana Abreu Magalhães Dias?
Tomemos os dados desta senhora para o desenvolvimento de outro raciocínio. Ao contrário daquilo que ela afirmou em 2007, em sua dissertação de mestrado (p. 35 e 106), de que haveria 95.000 neonazistas no Brasil todo, 45.000 deles em SC, ela diz, agora, que são 4 a 5 mil (sic!), em todo o Brasil. Raciocinemos que ela continue afirmando que METADE deles esteja em SC. Para não sermos acusados de fraudadores dos números, tomemos o maior (5.000), cuja metade seriam 2.500. Admitamos que este seja o número de neonazistas em SC. Pelas informações disponíveis, o estado possui mais de 7 milhões de habitantes. Seus 2.500 supostos ou efetivos neonazistas representariam, portanto, 0,03% (repito: zero, vírgula, zero, três por centro) da população. Será que, com este índice, tanto uma ética de convicção quanto uma ética de responsabilidade admitem satanizar a população do estado, como está acontecendo?
Além dos casos de satanização amplamente conhecidos, lembro que quando um professor de música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul enxergou – após possíveis 85 anos de existência, sem que ninguém tivesse visto antes – uma “suástica” num piso do Parque Farroupilha, em Porto Alegre, houve leitores dos jornais locais que manifestaram surpresa, declarando que, quando viram a matéria e a foto publicadas, sua certeza inicial foi a de que se tratava de SC. Se um professor-doutor da UFRGS enxerga “coisas” (uma “suástica”) ali onde, nos últimos talvez 85 anos, ninguém a enxergou, não admira que estudantes adolescentes se fantasiem de nazistas. O caso mostra a que ponto chegamos com a popularização do ódio “antinazista”, isto é, do ódio contra brasileiros com sobrenome de determinada procedência nacional!
No final de semana de 13-14/10/2021, Zero Hora publicou entrevista minha sobre o assunto – recebi relatos, alguns acompanhados de prova documental, de agressões (por enquanto, de ordem verbal, através de redes sociais) sofridas por pessoas em função da procedência nacional de seu sobrenome.
Tendo assistido, ontem, ao vídeo de lançamento de seu livro, fiquei profundamente tocado por suas palavras finais, quando – mesmo não fazendo referência expressa à Bíblia – fez uma afirmação equivalente à famosa passagem bíblica (?) de que “só o amor constrói” (a Sra. falou da “arma do amor”). Fiquei pensando nas pessoas que estão sendo agredidas, neste país, por causa de sua raça, cor, etnia, religião, procedência nacional (Art. 20 da Lei 7.716/89).
De fato, a “leitura” das “narrativas” sobre Santa Catarina sugere que ali impera a mais absoluta barbárie nazista/neonazista. Mas será que estas “narrativas” resistem ao confronto com os fatos, com sua frequência, com seus números? Ou as fontes, antes, “vetam” estas “narrativas” (estou pensando na tese sobre o “direito de veto das fontes” de Reinhart Koselleck)?
Tempos atrás, no Rio Grande do Sul, um procurador da República promoveu uma campanha de desnazificação contra uma população de cerca de 350.000 cidadãos brasileiros, porque, em sua opinião, populações originárias de “colonização germânica” possuem uma “tendência” ao neonazismo. A população atingida incluiu milhares de “coloninhos” que, no inverno, levantam cedo para ir, de chinelo de dedo, ao pasto buscar as vacas, por cujo litro de leite ganham alguns centavos, dos quais derivam os impostos que levam ao Erário Nacional, o qual, em 2/8/2012, pagava R$ 22.911,74 como vencimento básico (!) mensal ao procurador. Uma doutora em Antropologia lhe atestou que o “conjunto dos concidadãos de Teutônia” estava “fragilizado” pelo neonazismo (isto está escrito em papel timbrado do MPF-RS, em texto que não possui apenas assinatura final, mas está rubricado em todas as páginas – posso fornecer cópia). Recentemente, outra doutora em Antropologia afirmou, publicamente, referindo-se a SC: "Enquanto não houver um governo que efetivamente discuta essas questões e faça um processo de desnazificação, não vejo saída". Considerando o “clima” reinante, há motivos para entrar em pânico!
Como no último vídeo citado foi revelado seu e-mail pessoal, aproveito para enviar-lhe, agora via e-mail privado, o texto, nos exatos termos de 29 de outubro. O amor à causa daquele(a)s que são agredido(a)s em função de sua procedência nacional justifica minha ousadia. Segue abaixo o texto do e-mail de 29/10/2021 [na verdade, aqui, a sequência dos dois textos está invertida] – em função deste “preâmbulo”, vários trechos se tornaram repetitivos, mesmo assim, o envio em sua versão original completa.
René Gertz