Algum tempo atrás, a juíza Claudia Maria Dadico, da 7ª vara federal, em Santa Catarina, declarou, em público, que o hino “Deutschland, Deutschland über Alles...”, “Alemanha, Alemanha acima de tudo...”, é nazista. Mandei-lhe dois e-mails, mas, até agora, não obtive resposta. Minha preocupação é bem pessoal, pois imaginei que eu poderia estar caminhando em via pública cantarolando o hino. Alguém me denunciaria à juíza, e ela me condenaria a uma pesada pena por estar divulgando um símbolo (imaterial) nazista.

Em publicação de 12/11/2022 da Folha de São Paulo, é atribuída à doutora em História pela USP Ana Maria Dietrich a seguinte afirmação: “A máquina de propaganda a favor do Bolsonaro usa símbolos muito semelhantes à Alemanha nazista, como ‘Brasil acima de tudo’ [que emula o brado nazista ‘Deutschland über Alles’, ou seja, ‘Alemanha acima de tudo’], entre outros” https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/11/nazismo-em-escolas-reflete-naturalizacao-de-praticas-autoritarias-dizem-especialistas.shtml (acessado em 18/11/2022).

Participei da banca de avaliação da tese de doutorado de Ana Maria Dietrich, e lamentei, várias vezes, declarações um tanto exóticas dela em relação a nazismo no Brasil. Agora, porém, estamos diante de um caso com possíveis consequências diplomáticas – a terceira estrofe deste hino é o hino oficial de um país bastante amigo do Brasil, a Alemanha reunificada em 1990. Mais vergonhoso ainda é o fato de que o Brasil foi colocado sob estado de exceção – implantação de censura –, para combater supostas ou efetivas fake news, e um jornal da importância da Folha de São Paulo vomita uma asneira destas sobre a opinião pública brasileira. E não se emenda, mesmo quando alguém comunica a “barriga”.

A situação pode sugerir ao povo alemão que, em ao menos uma das três mais destacadas universidades públicas do Brasil, se ensina que eles, alemães, adotaram como hino nacional contemporâneo um trecho do "hino nazista".

A fim de dar uma pequena contribuição para a desbestificação da opinião pública brasileira, algumas informações básicas sobre o “hino nazista”. A música é de Haydn, e o texto foi escrito por um professor universitário chamado Hoffmann von Fallersleben, em 1841 (lembrando que Hitler nasceu em 1889, 48 anos depois). Naquele tempo, havia cerca de 20 Estados alemães, entre ducados, impérios, principados, reinados, repúblicas. E Fallersleben queria que todos eles fossem unificados sob uma mesma Alemanha – que, em vez de ducado disso, principado daquilo, só houvesse “Alemanha, Alemanha acima de tudo”.

A seguir, reproduzo o texto original e a tradução. Qualquer pessoa mentalmente sadia vê que ali não há nada de nazista. O máximo que se pode imaginar é que um ou uma feminista desvairado(a), de nosso tempo, critique que o autor tivesse nivelado as mulheres alemãs à lealdade, à cantoria e ao vinho alemães. Mas, de nazismo...?

Mesmo que doutores em História não façam nenhum juramento específico, fica subentendido que sua obrigação ética é a de seguir a recomendação do criador da História como disciplina acadêmica – Leopold von Ranke –, esforçando-se ao máximo para pesquisar e divulgar aquilo que “realmente aconteceu”. Devaneios subjetivos devem ser deixados para literatos e outros ficcionistas – que o fazem muito melhor que historiadores.

 

O texto do hino:

 

Deutschland, Deutschland über alles,

Über alles in der Welt,

Wenn es stets zu Schutz und Trutze

Brüderlich zusammenhält.

Von der Maas bis an die Memel,

Von der Etsch bis an den Belt,

Deutschland, Deutschland über alles,

Über alles in der Welt!

 

Alemanha, Alemanha acima de tudo,

acima de tudo neste mundo,

quando, para defesa e resistência,

se mantém irmanadamente unida,

do [rio] Maas ao [rio] Memel,

do Etsch até o Belt,

Alemanha, Alemanha acima de tudo,

acima de tudo neste mundo.

 

Deutsche Frauen, deutsche Treue,

Deutscher Wein und deutscher Sang

Sollen in der Welt behalten

Ihren alten schönen Klang,

Uns zu edler Tat begeistern,

Unser ganzes Leben lang,

Deutsche Frauen, deutsche Treue,

Deutscher Wein und deutscher Sang!

 

Que mulheres alemãs, lealdade alemã,

vinho alemão e cantoria alemã

continuem a manter neste mundo

sua antiga [e] bela sonoridade [harmonia?],

incentivando-nos a agir com nobreza,

por toda a nossa vida,

mulheres alemãs, lealdade alemã,

vinho alemão, cantoria alemã.

 

Einigkeit und Recht und Freiheit

Für das deutsche Vaterland!

Danach lasst uns alle streben

Brüderlich mit Herz und Hand!

Einigkeit und Recht und Freiheit

Sind des Glückes Unterpfand

Blüh' im Glanze dieses Glückes,

Blühe, deutsches Vaterland!

 

Unidade, direito e liberdade,

para a pátria alemã!

Todos nos empenhemos a favor disso,

irmanados de coração e braço!

Unidade, direito e liberdade

são as garantias de felicidade.

Floresça sob o brilho desta felicidade,

floresça, pátria alemã!

 

[Para evitar a acusação de interferência no conteúdo, a tradução é bastante literal]. [18/11/2022]