Uma família brasileira que teve agredido um integrante seu, durante o Estado Novo (1937-1945), por agentes de Estado brasileiros imbuídos do espírito de que pessoas com seu sobrenome mereceriam esse tipo de tratamento, ipso facto, recorreu, num passado mais recente, ao poder judiciário, pedindo indenização por danos materiais e morais. A demanda foi considerada procedente, e o Estado Brasileiro – isto é, todos nós! – foi condenado a pagar uma alta quantia. Não foi possível obter confirmação em documento público sobre o valor final, mas segundo fontes verbais trata-se de uma indenização milionária (milhões [plural!] de reais) [entrementes, há referências a um valor de apenas um quarto daquele originalmente referido - em todo caso, a condenação definitiva da União ao pagamento está confirmada - 29/9/2017].

Em acórdão do Superior Tribunal de Justiça a respeito, leem-se coisas como: “Danos morais. Imprescritibilidade. Tortura, racismo e outros vilipêndios à dignidade da pessoa humana. Possível, no caso, a aplicação da mais conhecida norma sobre a proteção aos direitos da personalidade, qual seja, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que também possibilita sua aplicação a fatos pretéritos, escrita com os bradados dos ideais democráticos e que nunca podem ser esquecidos”. Ou então: “Além da tortura, ocorreu racismo, crime que a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XLII, considera imprescritível. A Lei n. 7.716/89, com a redação dada pela Lei n. 9.459/97 (art. 20), tipifica o crime de racismo como ’induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, etnia, religião ou procedência nacional’".

 

Tendo havido recurso ao Supremo Tribunal Federal (a mais alta corte de justiça do país!), a sacramentação definitiva da sentença do STJ termina da seguinte forma: “Em arremate, convém deixar assentado que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça reconheceu a realidade dos fatos em que [está] fundamentada a presente ação, concedendo, post mortem, a [...] a condição de anistiado político, e concedendo a seus herdeiros a pretendida reparação pecuniária por conta dos fatos disso decorrentes. Ante o exposto, nego provimento ao recurso”. [Um leitor elogiou-me pela precisão com que costumo indicar minhas fontes, e, por isso, estranhou a ausência de um link nestes dois últimos parágrafos. Como há vários links remetendo a esse assunto, sugiro que os interessados coloquem trechos do texto entre aspas no Google, e chegarão lá].

 

Diante dessa situação, só nos resta rezar para que outras das milhares de famílias que sofreram agressões iguais, naquele período de nossa história, não caiam na “bobeira” de seguir o mesmo caminho, e exigir indenizações. Seria uma tragédia para os cofres públicos, e, por consequência, para todos nós!

 

Aquilo que causa estupefação é que em plena segunda década do século XXI (!) continuam a existir cidadãos comuns e agentes de Estado (!) imbuídos do mesmo espírito que norteou a ação dos agentes de mais de 70 anos atrás, isto é, acreditam que cidadãos brasileiros com determinado sobrenome são portadores de maldades inatas. Claro, no atual Estado Democrático de Direito, esse espírito, aparentemente, ainda não gerou violências físicas, mas os atingidos por manifestações preconceituosas desse tipo, certamente também poderão vir a demandar indenizações por danos morais.

 

Aquilo que causa estupefação maior ainda é que existem agentes de Estado muito bem remunerados que têm, entre outras, a atribuição de investigar e denunciar pessoas físicas e outros agentes de Estado cujas ações se norteiam pelo citado espírito, mas, ao invés disso, alguns deles pautam suas próprias ações por esse mesmo espírito.

 

Aquilo que causa estupefação absoluta é que algumas chefias de órgãos a que pertencem esses agentes não tomam providências, ao menos palpáveis e visíveis, mesmo quando expressamente alertadas.

 

Pobre deste país! Amanhã, nós mesmos – ou então nossos filhos e netos – pagaremos altas quantias por danos morais, só porque não se aprendeu nada com os erros cometidos durante os anos de 1937 a 1945. Desde 2009, este site está denunciando a situação, mas, até o momento, sem qualquer resultado concreto! Aceitam-se sugestões sobre ações a desencadear para mudar a situação.

 

Não sou jurista, mas tenho certeza de não estar errado em afirmar que a sentença do STJ, contra a qual o STF negou recurso (confirmando-a, portanto), firmou sólida jurisprudência de que agredir pessoas por causa de seu sobrenome, isto é, de sua “procedência nacional” constitui crime de racismo igual ao de agressões por cor ou por outras características físicas – e, por consequência, deve ser reprimido com o mesmo rigor. Como há muitos hiperracistas sedizentes antirracistas por aí, pergunto, publicamente, aos nossos ministérios públicos (MP-RS e MPF-RS) quando, finalmente, denunciarão essas pessoas ao poder judiciário? Como se pode ver pelo acórdão do STJ, ele invocou uma retroaplicabilidade da legislação (ao referir-se à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e à Lei 7.716/89, e seus desdobramentos) em relação a fatos acontecidos entre 1937 a 1945. Diante dessa situação, qualquer cidadão de posse de suas faculdades mentais perguntará por que os ministérios públicos não aplicam essa mesma legislação contra os hiperracistas sedizentes antirracistas que infestam a nossa sociedade, quando seus atos foram praticados após a entrada em vigor dessa legislação, e alguns deles até a invocam em suas ações supostamente antirracistas? [21/10/2015]