Em 2009, a deputada Maria do Rosário Nunes criou uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados "para acompanhar as investigações a respeito da quadrilha de neonazistas desbaratada no estado do Rio Grande do Sul" (CEXNEONA). [A "quadrilha" da senhora Nunes esteve constituída de um paranaense, expulso da casa de sua irmã, acusado de ter cometido um assassinato no Paraná, preso no Rio Grande do Sul]. Essa comissão realizou sua primeira sessão pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 13 de julho daquele ano – obviamente financiada com dinheiro proveniente dos pesados impostos que pagamos. Quando estava escrevendo meu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul, tentei localizar o conteúdo daquilo que ali foi discutido, mas apenas encontrei um documento que apresentava a cronometragem do evento (durou mais de quatro horas). Agora localizei um link com a transcrição das falas, e baixei o arquivo - para ler, clicar aqui.

 

Permito-me fazer algumas poucas observações a respeito:

 

1º) A transcrição mostra que se tratou de um tohuvabohu no qual nem Javé teria conseguido colocar ordem (demagogias, bobagens, banalidades, relatos de fatos sem qualquer nexo entre si etc.). A deputada Maria do Rosário Nunes deitou falação no sentido de que "é condição inerente a cada um [quer dizer: um direito humano UNIVERSAL, senhora que já foi secretária dos Direitos Humanos da Presidência da República!] pertencer a uma etnia, professar um credo...". O deputado Pompeo de Mattos contou a história do sujeito que estraçalhou um trem de brinquedo, numa vitrine, para evitar que o bicho ficasse grande. Só faltou alguém sugerir - de forma explícita! - o extermínio sumário de todos os "alemãos" do Rio Grande do Sul, para que o bicho não ficasse grande. Na transcrição das falas, há indícios de que alguns dos participantes (literalmente) babavam de ódio étnico-racial contra os "alemãos", pois quando aparece algum dos raros sobrenomes denotando descendência alemã ele é s-o-l-e-t-r-a-d-o.

 

2º) Disparadíssimo, a voz mais sensata dessa sessão de circo de horrores foi a da última pessoa a "depor", o representante do Movimento LGBT. Aparentemente impressionado com o horroroso clima que vigorou durante toda a sessão, disse: "O Rio Grande do Sul tem esse histórico de colonização italiana, alemã, MAS eu fiz uma pesquisa nesse material que a deputada tem. (...). Só de analisar os sobrenomes de todos os indiciados dá para ver que não tem nenhuma raça pura" (página 61 do documento). Acertou na mosca! Parabéns! Demonstrou inteligência e objetividade, pois na sua fala transparece a denúncia contra a barbárie que havia presidido a montagem daquele teatro! É lamentável que a "Casa do Povo Gaúcho", a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, tenha servido de palco para esse dantesco espetáculo de racismo explícito em relação a sul-rio-grandenses cujo único pecado é terem um sobrenome alemão ou italiano!

 

3º) Algum tempo atrás, tiveram enorme repercussão as famigeradas notícias "espetaculares" divulgadas por Adriana Abreu Magalhães Dias de que a METADE dos "neonazistas" brasileiros está em Santa Catarina. Na citada sessão, o deputado Marcelo Itagiba, presidente da CEXNEONA da deputada Maria do Rosário Nunes, perguntou ao delegado Paulo César Jardim: "Em Santa Catarina, há alguma coisa também, Dr. Jardim?". Resposta: "Nós temos alguns informes relativos a Santa Catarina, mas não com essa contundência dos outros estados" (página 57 do documento). Caramba! Qualquer cidadão que esteja com os parafusos lá de cima, na sua cabeça, minimamente apertados está obrigado a reconhecer que essa história está mal contada - para dizer o MÍNIMO! Como essa moça localiza a METADE dos "neonazistas" brasileiros nesse estado, e a polícia não consegue encontrar NENHUM? Constitui imperativo de lógica que, no mínimo, um dos dois está mentindo! E a dignidade do povo de Santa Catarina vai sendo espezinhada - por gente que diz estar combatendo preconceituosos! A senhora Nunes respondeu, durante algum tempo, pela Secretaria de Direitos Humanos UNIVERSAIS (!) da Presidência da República! Durma-se com um banzé desses! Considerando que, à época, foram publicados documentos em que todos (!) os convidados para esse macabro convescote tiveram anteposto ao seu nome um "Dr." (doutor), e que os "neonazistas" são relativamente jovens, que, com certeza, não são "doutores", tratou-se de um ato de barbárie promovido pela indústria do "neonazismo" que não fica a dever absolutamente NADA à barbárie dos próprios "neonazistas", em termos de difusão de preconceitos!

 

Nota 1: Tenho procurado em vão por um relatório final da tal de CEXNEONA da deputada Maria do Rosário Nunes (que grassou durante 2009 e 2010, tendo passado tempo mais que suficiente para que o relatório estivesse pronto, e amplamente divulgado para aqueles que pagaram a conta, isto é, nós cidadãos). Se alguém o localizar, ficaria grato por um aviso, pois tenho certeza de que não só eu gostaria de saber que, afinal, foi encontrado por essa espalhafatosa comissão, que consumiu um monte de dinheiro proveniente dos pesados impostos que pagamos! [Entrementes, está confirmado que não existe relatório - confira aqui].

 

Nota 2: Fui questionado sobre a base de minha afirmação de que a polícia não conseguiu encontrar nenhum "neonazista" em Santa Catarina. A base é a insuspeita afirmação do delegado Jardim. Na linguagem policial e militar, "informe" é um indício, um diz-que-diz, uma denúncia anônima, um boato. Instituições policiais e militares responsáveis investigam "informes", para verificar se são verdadeiros ou não. Só após sua confirmação, transformam-se em "informações". Como se vê de forma cristalina na frase do delegado, ele fala em simples  "informes", e mesmo estes seriam raros para Santa Catarina, isto é, sem a "contundência dos outros estados". Se houvesse "neonazistas" fichados naquele estado, o delegado, que em relação ao Rio Grande do Sul, invariavelmente, cita números, o teria feito também em relação a SC. Por isso, causa estupefação o fato de que a Secretaria de Direitos Humanos UNIVERSAIS da Presidência da República, que já foi dirigida pela senhora Nunes, que instituiu a tal de CEXNEONA, ainda não tenha se manifestado em relação a esse possível brutal atentado a um Direito Humano fundamental, a DIGNIDADE (art. 1º da Constituição Federal), contra o povo de SC. [9/7/2013]