Em setembro de 2010, o procurador da República em Lajeado, Nilo Marcelo de Almeida Camargo, instaurou um procedimento administrativo cível para investigar a possível ocorrência de [novos?] atos “neonazistas” no município de Teutônia, Rio Grande do Sul, no mês anterior. Em 1º de março de 2011, esse procedimento foi transformado em inquérito civil público. Sem data especificada, mas posterior a 6 de março de 2012, o procurador apresentou um relatório, que passo a comentar, nos itens que seguem. Para quem não está familiarizado com o tema, informo que aqui se tratará unicamente do assim chamado “retorno do neonazismo” a Teutônia, pois houve um primeiro episódio, em maio de 2009, com a prisão de Jairo Maciel Fischer, episódio que está amplamente descrito em textos deste site, e não será retomado.

1) Num relatório sobre a investigação de um assunto tão grave [seja para que lado tenderem os resultados: a) para a constatação de que realmente aconteceram manifestações “neonazistas” praticadas pela população de Teutônia; ou b) para a constatação de que foram feitas acusações infundadas, difamatórias, contra toda uma comunidade, e que o acontecimento em questão foi, na verdade, um atentado terrorista contra o povo de Teutônia], imaginava-se que, depois de cerca de 18 meses de investigação, fossem apresentadas provas múltiplas, profundas, consistentes, com consequentes conclusões irrefutáveis, ou, no mínimo, muito plausíveis, a respeito. A frustração é a mais absoluta possível!

O procurador relata que tomou conhecimento do caso em programa televisivo irradiado no dia 21 de agosto de 2010, de Porto Alegre, e em matérias de jornais. No relatório, não aparece NENHUM comentário, NENHUMA avaliação sobre a consistência dessas fontes jornalísticas. Em contrapartida, não há, também, QUALQUER preocupação com indícios de que as pichações ocorridas em Teutônia, em agosto de 2010, não tenham resultado de ato “neonazista”.

Passo a enumerar alguns indícios que, no mínimo, sugerem que pessoas responsáveis (como se  presume seja um procurador da República) deveriam ser cautelosas em apresentar as pichações como efetivamente feitas pelo povo de Teutônia: a) o próprio procurador cita o delegado Mauro José Barcellos Mallmann – que, naquele momento, já atuava havia mais de 12 anos naquela comunidade, e conhece todo o “clima” local e as próprias pessoas –, o qual, após diligências, classificou as pichações como “molecagem”, cinco dias depois de acontecidas; b) no mesmo dia, o delegado Paulo Cesar Jardim, que, há cerca de 10 anos, vem sendo indicado como a autoridade policial mais importante no monitoramento e no combate a “neonazistas”, em todo o estado, afirmou, de forma categórica, que as pichações não foram feitas por “neonazistas”, que não há grupos “neonazistas” em Teutônia, que esse tipo de ato pode causar pânico entre a população, e que, na verdade, tudo foi uma “invenção” [não vou indicar as fontes das afirmações, porque elas se encontram em vários dos textos publicados nesta página]; c) as pichações ocorreram EXCLUSIVAMENTE ao longo da rodovia que atravessa o município – não há qualquer referência a pichações dentro dos núcleos urbanos ou na zona rural, sugerindo que foram feitas por pessoas que vieram de fora do município, locomovendo-se em carros ou motos; d) parte das suásticas estava “virada” (desenhadas erradas) – e é muito pouco provável que nazistas ou “neonazistas” fossem desenhar errado o símbolo “sagrado” da ideologia ou dos princípios que defendem; e) é estranho que o ou os denunciantes não procuraram o delegado de polícia local, Mauro Mallmann, mas sim a imprensa de Lajeado – será que o ou os denunciantes desconfiaram que o delegado não fosse idôneo para receber a denúncia (é “neonazista” também?), ou imaginaram que uma denúncia na delegacia de polícia não teria a repercussão que queriam?; f) por tudo isso, não é absurda a hipótese de que o ou os denunciantes sejam potenciais responsáveis pelas pichações, e visavam a prejudicar, de forma concreta, talvez não toda a população de Teutônia – como acabou acontecendo –, mas uma pessoa determinada, efetivamente denunciada, que a maioria da população de Teutônia conhece, e que, dentro do direito assegurado pela Constituição Brasileira, pensa que as formas mais corriqueiras em que a história da Segunda Guerra Mundial é relatada não são as únicas possíveis ou “verdadeiras”, mantendo, por isso, em sua casa alguns livros com interpretações alternativas, mas não proibidos. Todos esses fatores permitem ao menos levantar a hipótese de que ali aconteceu um ato de provocação – se não premeditado para atingir toda a população, então ao menos essa uma pessoa citada. De fato, obviamente, esse possível ato de provocação atingiu o conjunto da população.

Em resumo: o texto do relatório indica que o procurador formulou um juízo sobre tema tão grave quanto o da acusação da ocorrência de atos “neonazistas” em Teutônia a partir de simples referências na imprensa, e não fez nenhum esforço para confirmar ou refutar indícios em contrário. Não sou policial e, muito menos, perito criminal, mas eu teria requerido uma investigação nas câmeras de vídeo que, certamente, existem ao longo da rodovia, para identificar os carros e as motos que por lá passaram na noite das pichações, sobretudo aquele(a)s que levaram um tempo maior que os outros para chegar de uma a outra câmera, teria pedido uma perícia para identificar a origem dos contatos feitos com a imprensa de Lajeado para denunciar as pichações – e, certamente, a técnica pericial teria muitos outros recursos para chegar à identidade dos pichadores. De nada parecido se fala no relatório – e a razão para que nada disso apareça no relatório ficará clara, mais adiante.

2) Ao escrever a “Nota” “A coisa está ficando cada vez mais esquisita” (nesta página), manifestei a preocupação de que o recurso a uma antropóloga por parte do procurador poderia resultar num “parecer em que [se] insista em que – apesar de as autoridades policiais afirmarem não ter encontrado ‘neonazistas’ em Teutônia – toda a população do município é constituída de animais ‘criptoneonazistas’, muitíssimo mais perigosos que os 35 pimpolhos destrambelhados fichados pelo delegado Jardim, basicamente, na região metropolitana de Porto Alegre, motivo pelo qual somente o olho ‘antropológico’ consegue enxergar o terrível perigo que ameaça a humanidade, a partir de Teutônia”.

Eu temia que a antropóloga poderia afirmar que, mesmo não existindo atos concretos de “neonazismo” em Teutônia, um “mergulho antropológico” abaixo da “superfície” aparentemente normal da comunidade local, revelaria uma sociedade absolutamente “neonazificada”. A bem da antropóloga, devo redimir-me da suspeita de que ela poderia ter feito o curso na Universidade Municipal de Jacarezinho. Não é o caso. É doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de forma que, quanto à sua formação, não pode haver nenhuma reserva. Além de tudo, ela teve sorte. Apesar de o relatório transcrever apenas um pequeno trecho do seu parecer, fica a impressão de que não se lhe solicitou nenhuma investigação sobre a ocorrência concreta de atos “neonazistas” nem sobre o grau de “neonazificação” da população teutoniense. O procurador escreve (nas três últimas linhas da primeira página): “foi solicitado à analista pericial em Antropologia da Procuradoria Regional da República da 4ª Região a realização de estudo sobre o tema, a fim de identificar medidas adequadas à prevenção/repressão dos fatos”. Ou seja: não se pediu à antropóloga uma investigação para identificar os responsáveis pelas pichações ao longo da rodovia em Teutônia nem que ela “mergulhasse” no “fundo” da sociedade local, a fim de verificar a “infraestrutura” eventualmente “neonazificada” da mesma, para, então, classificar a comunidade teutoniense de “neonazista” – isso tudo lhe foi apresentado como dado, como líquido e certo, como “fato”, cabendo a ela somente a função relativamente simples de – talvez depois de se inteirar de que forma em outros lugares se lidou com problemas semelhantes – sugerir instrumentos para “desneonazificar” essa sociedade. Ainda que não fique claro no relatório, é possível que a antropóloga nunca tenha estado em Teutônia nem tenha a mínima ideia para que lado fica. E, com isso, chegamos a um terceiro ponto.

3) Neste louco mundo pós-moderno, há uma tendência de privilegiar versões em detrimento de fatos, a tal ponto que as primeiras chegam a ser estatuídas em novas “verdades”. Inclusive a Ciência Histórica foi afetada por esse modismo, quando, por exemplo, se afirma que não é possível apreender a realidade histórica em si, mas apenas registrar versões a seu respeito. Criticando um historiador norte-americano defensor dessa tendência, um historiador alemão externou, recentemente, na importante revista de História Geschichte und Gesellschaft, sua preocupação com a seguinte questão: nos Estados Unidos vigora a pena de morte, motivo pelo qual manifestou ao colega sua convicção de que, em sua opinião, ela só deveria ser aplicada diante de um crime hediondo efetivamente praticado, mas, se a “verdade dos fatos” não interessa mais, poderia acontecer, em breve, que alguém fosse executado, na cadeira elétrica, só porque circulou a versão de que ele praticou um crime hediondo.

Mutatis mutandis, é isso que está acontecendo, sob a batuta do procurador da República, no vale do Taquari. O relatório não denota qualquer preocupação em verificar a verdade ou não da origem das pichações de Teutônia nem quem as tenha feito. Como há 180 anos circulam versões de que os “alemãos” são bestas racistas – mais recentemente, “neonazistas” –, parece a muita gente que não há qualquer necessidade de verificar a verdade a respeito das pichações – as simples versões de que elas ocorreram são a “verdade”. Que a concepção do procurador, no mínimo, se aproxima dessa forma de pensar fica evidenciado, também, no fato de que não há absolutamente nenhuma informação de que tenha ocorrido QUALQUER manifestação “neonazista” em QUALQUER outro município do vale do Taquari, afora Teutônia. Mesmo assim, como o procurador, aparentemente, se alimenta do a priori, da versão, de que todos os “alemãos” sempre foram bestas racistas (hoje “neonazistas”), e como as moças do “Jornal do Almoço” ou do “RBS Notícias” difundiram a versão de que em Teutônia aconteceu um ato “neonazista”, e como praticamente todo o vale do Taquari é habitado por “alemãos”, como Teutônia, assume-se, ao natural, a “verdade” de que todo vale do Taquari está “neonazificado”.

Gente, eu não estou delirando, o projeto de “desneonazificação” colocado em execução pelo procurador, a rigor, deveria abranger todos os 36 municípios da jurisdição do MPF de Lajeado, mas por problemas técnicos, ao menos a fase inicial se restringirá aos cinco mais populosos. Está no relatório!!!!!!!! (página 2). Em outros termos: em relação a Estrela, Lajeado, Arroio do Meio e Encantado, o procurador não tem nem o indício ultrafrágil das pichações como indicador de supostas maldades da população desses municípios, pois não há NENHUMA, NENHUMA, NENHUMA notícia sobre atos “neonazistas”, nos últimos 60 anos, mas, mesmo assim, foram incluídos na “campanha de desneonazificação”.

Eu fico imaginando uma situação hipotética com meu povo humilde, pacífico, ordeiro, sensato, patriota, lá de Novo Machado! Noite dessas, uns guris bestas de Alecrim (é apenas um exemplo, em Alecrim não existem guris bestas!) vão para Machado (agora há asfalto), picham suásticas por lá. A RBS de Santa Rosa noticia esse fato, o procurador da República da mesma cidade instaura um inquérito civil público para investigar atividades "neonazistas" praticadas pela população novo-machadense. Pede a uma analista pericial em Antropologia um parecer, e ela opina que "será necessário que no município referido acima [no caso, Novo Machado] as diferentes secretarias, escolas, museus, e outras instituições responsáveis enviem projetos educativos e culturais às instituições competentes ao tema da diversidade sociocultural e direitos humanos...". Nesse contexto, convoca uma reunião, para a qual convida  representantes das comunidades dos perúdios e dos cabúdios, aos quais informa que é necessário desencadear uma luta sem trégua contra as babáries cometidas pelos caxúbios novo-machadenses - ainda que não tenha qualquer prova objetiva contra eles. Meu Deus do céu! Se  nunca alguém viu o inferno na terra, e nunca viu seres humanos virarem bestas apocalípticas, certamente o meu povo daria uma demonstração de que é capaz, quando injustamente provocado nesse nível! Os  extremamente humildes caxúbios-russos, diante de uma humilhação dessas, diriam, com toda razão, uníssonos, "njet!". O consolo que meu querido povo, certamente, teria é que uma aventura dessas não contaria com o apoio de professores da UNIJUI, campus de Santa Rosa.

4) Chegamos a um quarto ponto. O procurador mobilizou pessoas, escolas, universidades (teria muita curiosidade em saber se os colegas da área de Humanas e Jurídicas da UNIVATES têm consciência da “canoa” em que embarcaram!) para promover uma “campanha de desneonazificação” da população do vale do rio Taquari. Não é pouca gente! Só nos cinco municípios em que a campanha será desenvolvida em sua primeira fase vivem mais de 160.000 seres humanos! Temo que o procurador da República não saiba que uma parte mais velha dessa população já passou por uma outra “campanha”, a “campanha de nacionalização”, entre os anos de 1938 e 1945. E esta “campanha” deixou traumas que estão longe de apagados. Muitos pais e avós daqueles que acabam de ser submetidos a essa nova “campanha” foram martirizados. Temos o registro de, no mínimo, duas mortes, na região, uma de Edmundo Brückner, outra de uma pessoa de cujo nome não me recordo, mas que está enterrada no cemitério de Bauereck, lá para os lados de Forquetinha – a lápide relata aquilo que aconteceu.

Os pais de outros foram torturados, humilhados com a ingestão forçada de óleo de rícino ou mesmo óleo queimado, extorquidos (frequentemente, “otoridades” passavam nas casas das pessoas para vender fotos de Getúlio Vargas a preços exorbitantes – e ai de quem se negasse a comprar) – isso para citar apenas alguns dos brutais atentados à dignidade desses seres humanos cometidos, naquele período, por agentes daquela “campanha”. A Profa. Cecília Bergesch, de Lajeado, escreveu uma dissertação de mestrado sobre a “campanha de nacionalização” na região – seria interessante que o procurador procurasse (êpa!) ler esse texto; seria muito recomendável que o procurador, também, entrasse em contato com a Profa. Silvana Rossetti Faleiro, para inteirar-se das hiperimbecilidades cometidas por agentes da “campanha de nacionalização” no Colégio Evangélico Alberto Torres, preservadas não só oralmente como versão, mas efetivamente constatáveis como fatos, registrados em documentos assinados por agentes daquela “campanha”.

Alguém consegue imaginar que se passa ou pode vir a passar nas cabeças dessas pessoas com o desencadeamento dessa nova “campanha” do procurador da República? Podem ocorrer situações de trágico surrealismo! Algum tempo atrás, andei pelo interior de um dos municípios da região, e fui parado por um policial da Brigada Militar para verificação de documentação do carro e carteira de motorista. O rapaz tinha um jeitinho “típico” de “coloninho”, falando, por exemplo, português com sotaque. Fico imaginando se na família dele aconteceu um fato brutalmente traumático com o pai ou o avô, durante a “campanha de nacionalização”, e, de repente, um agente da nova “campanha de desneonazificação” do procurador o aborda para “desneonazificá-lo”. Gente, esse rapaz, que, com justa razão, poderá enxergar nesse ato um ataque brutal à sua dignidade, está portando, de forma legal, uma arma! Nem é bom pensar na reação trágica que pode vir a acontecer! Durante a “campanha de nacionalização”, a maioria dos “alemãos” aceitou, de forma passiva, as humilhações a que foram submetidos. Não tenho certeza de que essa história se repetiria, hoje.

Também podemos imaginar situações de surrealismo trágico-cômico, onde não se sabe se é para rir ou para chorar! Imagino um agente “desneonazificador” do procurador produzindo “material didático, entre outros, e que possam bem esclarecer ao conjunto [conclusão lógica: todos são animais 'neonazistas'?] dos concidadãos de Teutônia sobre o valor da convivência social entre diferentes grupos sociais”. Essa é uma das interessantíssimas ações recomendadas pela antropóloga como atividade para “desneonazificar” os teutonienses (página 2, do relatório). Eu imagino os bichos-do-mato de Teutônia, de boca aberta, atônitos, imóveis de pasmo ao ser-lhes apresentada essa novidade nunca ouvida nem imaginada sobre “o valor da convivência entre diferentes grupos sociais”. Eu próprio fiquei tão entusiasmado com essa fantástica proposta que já decidi que nas férias de julho voltarei à minha terra-natal, para igualmente “bem esclarecer” o meu povo – muito mais bicho-do-mato que os teutonienses, pois composto por superexóticos caxúbios, em Novo Machado. Vou aproveitar a viagem para levar essa novidade também a alguns outros municípios da região. Escolhi Boa Vista do Buricá, Horizontina, Independência, Santa Rosa, São José do Inhacorá e Tucunduva, na esperança de que, por um processo de osmose, o "conjunto dos concidadãos" hiper”neonazificados” de alguns municípios limítrofes também seja beneficiado com esse brilhantíssimo ensinamento proveniente das descobertas mais sensacionais, nos maiores centros de estudos antropológicos do planeta.

Mas também podemos imaginar situações de surrealismo exclusivamente cômico. Nesse sentido, fico imaginando meu amigo Prof. Dr. Jorge Luiz da Cunha, ex-pró-reitor da Universidade Federal de Santa Maria, e atual ouvidor geral da mesma universidade, visitando sua terra-natal, Roca Sales, e cair sob o olho vigilante de um agente “desneonazificador” do procurador, que constata que ele possui olhos muito azuis, cabelos muito claros, fala um alemão perfeito, e até é chamado de Georg Ludwig von und zum Keil, por alguns de seus colegas. Imagine-se a cena: Jorge sendo obrigado a ficar esperando enquanto o agente “desneonazificador” do procurador desempacota e prepara seu kit-“desneonazificação”, um gravador de som, para obrigá-lo a ouvir uma palestra “sobre formas adequadas e benéficas de promoção do bem comum mediante ao [sic] uso intercultural das redes eletrônicas” (essa é outra sugestão luminosa de ação “desneonazificadora” da antropóloga!)! Patético!

Também posso imaginar-me pessoalmente envolvido numa outra cena patética. O colega P. e eu conversamos exclusivamente em alemão quando estamos sozinhos. Não é absurda a possibilidade de que, num sábado à tarde, venhamos a caminhar no Parque Prof. Theobaldo Dick, em Lajeado, e um agente “desneonazificador” do procurador detectar nossa presença, interceptar-nos, mandar sentamo-nos num dos bancos do parque para assistir, num tablet (a “campanha” de Getúlio Vargas foi no porrete, a do procurador é com altíssima tecnologia!), a um filme etnográfico (mais uma brilhante sugestão da antropóloga, para “desneonazificar”!) – acontece que....... P. é filho de mãe judia!

A impressão que se tem é que o procurador não tem a mínima consciência de que as comunidades possuem uma história, e que não se pode aplicar, sem mais nem menos, em qualquer lugar e em qualquer circunstância, o vade mecum formal aprendido na universidade, sem levar em conta essa história. Caso tenha sido bom aluno na Faculdade de Direito, terá aprendido que a necessidade de estudar a história também vale no campo aparentemente tão objetivo e a-histórico quanto o Direito. Talvez algum professor até tenha falado de um livro nessa perspectiva, traduzido pelo locutor que vos fala (Fundamentos da sociologia do direito, de Eugen Ehrlich, Editora da UnB). O autor e o livro não devem ser de todo desimportantes, pois ele é citado em acórdãos de tribunais superiores de Brasília, e, por estar esgotado, procuradores da República têm feito consultas para obter cópias – uma sugestão de leitura para o procurador, no feriadão de Páscoa que está se aproximando.

Mas é de temer que o procurador nem pense nisso, de tão preocupado que está em “tocar para frente” essa potencialmente explosiva “campanha de desneonazificação”, que está a pleno vapor, neste exato momento, fato comprovado pelos dois parágrafos finais do relatório (página 3). Vejam que está escrito ali: “Em resposta ao Of. 1140/2011, a Diretora do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas da UNIVATES, em 06/03/2012, esclarece as formas de abordagem do assunto pelo centro universitário (fl. 175)” e “Os autos estão conclusos para análise e agendamento da reunião a ser realizada com os Secretários dos Municípios da região, para abordagem do tema e inclusão dos mecanismos propostos nas escolas municipais”.

Um parêntese: ser submetido a uma “campanha de desneonazificação” representa, obviamente, uma  humilhação absoluta para os mais de 160.000 seres humanos atingidos por ela. Provavelmente, é por isso que o procurador tem utilizado o recurso eufemístico de não pronunciar ou escrever a palavra “desneonazificação”. Mas não sejamos hipócritas, todo esse processo foi desencadeado a partir da pichação de símbolos nazistas, em Teutônia, e há um consenso nunca contestado de que quem faz isso é chamado, hoje em dia, de “neonazista”. Como todo o processo desencadeado visa a eliminar da população do vale do Taquari a maldade expressa neste suposto - ainda que não comprovado, e até contestável - ato, não há outro nome possível para designar essa ação a não ser “desneonazificação”.

5) O procurador escreve, em seu relatório – obviamente como parte das atividades da cruzada de “desneonazificação” da população do Alto Taquari, pois, do contrário, não haveria razão para constar no relatório –, que, em 14 de outubro de 2011, na UNIVATES, participou de uma conferência da ministra da Secretaria dos Direitos Humanos sobre o tema “As diversidades e o Plano Nacional de Direitos Humanos”. Caramba! Em 2009, quando foi preso em Teutônia Jairo Maciel Fischer, por envolvimento num crime cometido no Paraná (não em Teutônia!), a então deputada Maria do Rosário Nunes entrou em ebulição. Com estardalhaço nunca visto, montou uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados para “acompanhar as investigações a respeito da quadrilha de neonazistas desarticulada no Estado do Rio do Grande do Sul” (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=440613). Como Jairo Maciel Fischer é uma única pessoa, a deputada deve ter informado ao plenário da Câmara que, por ser “meio-alemão”, cometera maldades equivalentes a, no mínimo, quatro pessoas, pois, do contrário, seu requerimento para investigar uma “quadrilha” não poderia ter sido aprovado. A alaúza foi tamanha que o próprio delegado Paulo Cesar Jardim ficou apreensivo, e declarou: “Na realidade o que houve em relação à Serra [Teutônia] foi um grande exagero – e não foi da minha parte!” (http://www.leouve.com.br/geral/serra/regiao/ver/regiao_polacia_civil_diz_que_serra_nao_tem_grupos_de-38195.html). Não vou reportar-me a declarações feitas em público por parte da deputada Maria do Rosário Nunes nas quais transparecem, no mínimo, indícios sobre suas concepções a respeito do direito à diversidade. O episódio de 2009 me basta para perguntar se essa pessoa possui autoridade moral para comparecer ao Alto Taquari para falar aos “alemãos” sobre esse tema. Também teria muito interesse em saber se sua viagem foi financiada por empresários da região, engajados na “campanha de desneonazificação”, portanto, pela iniciativa privada, ou se os recursos provieram do “cofrinho” montado com os pesadíssimos impostos que os “coloninhos neonazistas” do Alto Taquari pagam?

6) Chego a um item que me custou muita meditação para decidir sobre a conveniência de escrevê-lo (e, claro, publicá-lo). Mas temo que possa ser cobrado por minhas filhas, no futuro, caso não expressar aqui, de público, minha preocupação com o mesmo. Na página 2 do relatório, consta que, em 16 de maio de 2011, foi realizada, na Procuradoria da República, em Porto Alegre, uma reunião “para discutir medidas que viabilizem a conscientização de alunos e frequentadores das escolas sobre as diversidades culturais e raciais, bem como a necessidade de se respeitar os estatutos correlatos”. No início do parágrafo, está dito que essa reunião foi feita “em atenção ao estudo antropológico” sobre o “neonazismo” em Teutônia. Não se conhecem os termos que justificaram a reunião, mas não se pode imaginar outra alternativa que a seguinte: o procurador relatou aos presentes a ocorrência de uma “neonazificação” generalizada no vale do rio Taquari, motivo pelo qual estava ali para pedir ajuda para lidar com a situação. Mesmo que, eventualmente, ele não o tenha destacado, obviamente todos os presentes sabem que essa região é habitada, predominante, por “alemãos”. Apesar de que o procurador não consegue citar UM  ÚNICO (!!!!!) nome de “neonazista” à solta na região – já que Jairo Maciel Fischer está preso no Paraná –, não pode haver qualquer dúvida de que os presentes estavam conscientes de que se encontravam ali para ajudar a encontrar uma fórmula para acabar com as maldades “neonazistas” cometidas por esses “alemãos”.

Acontece que nessa reunião não estavam apenas “técnicos neutros” – ali estavam representantes de instituições CLARAMENTE identificadas com outras “etnias”. Santo Deus! Não precisa ser sociólogo, psicólogo, ou algo semelhante, para imaginar a tragédia! Os representantes dessas outras “etnias” terão retornado aos seus grupos, e lá – de forma humana, demasiadamente humana – terão relatado que foram informados, por ninguém menos que o procurador da República em Lajeado, que os “alemãos” do Alto Taquari estão cometendo as mais inimagináveis barbáries - ainda que o procurador não tenha utilizado essa palavra, mas a simples referência à existência de "neonazismo" faz com que se estabeleça essa relação com a barbárie. Meu Deus! Mas não é só. Imagine-se que vai acontecer – no outro lado! – quando O Informativo do Vale, de Lajeado, publicar o relatório do procurador. De forma humana, demasiadamente humana, os “alemãos” que lerem o relatório vão dizer: “Mas que barbaridade, vejam só, esse(a)s xxx [aqui cada leitor coloque uma palavra de sua escolha] daquela outra ‘etnia’, foram lá naquela reunião em que nós fomos massacrados, e ainda palpitaram sobre a melhor forma de, mais uma vez, nos impor uma ‘campanha’ para deixarmos de ser animais!”. Nitroglicerina pura para desencadear uma carnificina étnica neste estado! Me pergunto: será que esse procurador da República em Lajeado faz algum esforço mínimo para meditar sobre consequências possíveis de seus atos?

7) Diante do exposto, vejo como única solução para evitar o pior a imediata suspensão da “campanha de desneonazificação” no vale do Taquari, e o lançamento superdiscreto de uma campanha de reconciliação e apaziguamento. Para ela, poderiam ser convidadas algumas personalidades de prestígio e reconhecimento generalizados. Para iniciar, sugiro dois nomes: D. Gílio Felício, bispo (negro) de Bagé, e Flávio Tavares, jornalista. Ambos residem em outras regiões, mas ambos são filhos autodeclarados de Lajeado (o primeiro, do então distrito de Sério), ambos falam alemão, mas tenho certeza de que seu nível de “neonazificação” está dentro de limites absolutamente toleráveis! Flávio Tavares ficou visivelmente preocupado quando lhe foi feito um relato sobre a tragédia que se abateu sobre sua terra-natal. Tenho certeza de que se disporia a colaborar. E o procurador, finalmente, poderia dedicar-se a ações para garantir Direitos Humanos, de forma U N I V E R S A L, instaurando inquéritos civis públicos contra difamadores efetivos, comprovados (seja de que coloração forem!), e não são poucos – paradigmaticamente tenho insistido no vídeo referido na “Nota” “Safadeza”, nesta página, mas são muito, muito mais.

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Nota: o procurador de que trata esta nota abandonou Lajeado em 31/7/2012, de forma que ela NÃO se refere à pessoa que, provavelmente, está ocupando o cargo neste momento (8/11/2012).

[Por razões estéticas, veja o relatório aqui]. [24/3/2012]