Para entender este comentário, os leitores, a rigor, deveriam ler a nota intitulada “Carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho”, datada de 9 de dezembro de 2015, nesta página. Como ela é muito longa, faço uma breve explanação inicial para aqueles leitores que não terão paciência para lê-la.

 

Em 20 de agosto de 2010, ocorreram pichações com suásticas e dizeres racistas numa rodovia que atravessa o município de Teutônia/RS. Autoridades policiais com conhecimento de causa declararam, de forma enfática, que não se tratou de manifestações preconceituosas, racistas promovidas pela população local. Mas o então procurador da República em Lajeado, secundado por uma técnica pericial em Antropologia, mesmo assim, desencadeou uma “desneonazificação”, não só em Teutônia, mas também em outros municípios da região. Publiquei comentários críticos sobre essa ação, um deles intitulado “O retorno ao ‘retorno do neonazismo a Teutônia’”. Como não tivesse percebido nenhuma reação do MPF-RS em relação ao caso, e como manifestações que eu considero preconceituosas contra “alemães” (e também contra “italianos” e “poloneses”) do estado continuassem a ocorrer, sem qualquer ação visível por parte do MPF-RS, enviei carta a respeito à então procuradora-chefe, Fabíola Dörr Calloy, em 19 de junho de 2015. Considerando que mais de 60 dias depois não tivesse recebido qualquer retorno, reiterei-a, em 24 de agosto de 2015. Cerca de um mês depois, recebi o seguinte e-mail, com data de 23 de setembro de 2015:

De ordem da Exma. Sra. Dra. Fabíola Dörr Caloy, Procuradora-Chefe desta Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, informo que a notícia apresentada por V. Sa. perante a Procuradoria da República no Município de Lajeado/RS (PR-RS-00022625/2015) foi registrada sob a NF 1.29.014.000115/2015-66 (Notícia de Fato) e remetida a esta PR-RS, como já informado a V. Sa por meio do Ofício nº 738/2015, do Exmo. Sr. Procurador da República, Dr. Cláudio Terre do Amaral. Após seu ingresso nesta PR-RS, a referida Notícia de Fato foi enviada ao Núcleo Cível Extrajudicial desta Casa, que a distribuiu ao 14º Ofício da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul. Saudações! João Arthur Farias da Cruz. Assessor-Chefe Nível II - Assessoria Jurídica.

 

Quem quiser ler minha carta na íntegra pode clicar aqui. Aquilo que, porém, interessa, no presente contexto, são as quatro perguntas que formulei ao final dela, e que são as seguintes (nos termos exatos em que se encontram no original):

“1) O MPF tomou alguma providência em relação aos atos e às manifestações do então procurador da República em Lajeado e da técnica pericial em Antropologia, no episódio das pichações com suásticas em Teutônia? Caso positivo, para quando se pode esperar uma manifestação sobre os resultados? Caso negativo, por que não foram tomadas providências?

 

2) Por que as denúncias de Luís Milman geraram reação imediata do MPF, enquanto minhas denúncias – até prova em contrário – não geraram ação alguma (não só em relação ao episódio com o procurador e a antropóloga)? Caso eu esteja enganado, que medidas foram tomadas? Caso nenhuma medida tenha sido tomada em relação às minhas denúncias, isso se deve à forma em que foram apresentadas, ou se deve à sua inconsistência em termos de conteúdo?

 

3) Não sou jurista, mas tenho ouvido falar que, em tese, atos e manifestações de preconceitos e discriminação por “etnia e procedência nacional” são imprescritíveis. Caso o MPF, até o momento, não tenha tomado nenhuma iniciativa em relação às minhas denúncias, isso ainda poderá ocorrer? Caso positivo, para quando pode-se esperar uma ação nesse sentido?

 

4) O MPF possui indícios ou provas contra as populações sul-rio-grandenses, sobretudo, de origem alemã, mas também italiana e polonesa? Caso positivo, REQUEIRO acesso a esses indícios e/ou a essas provas, pois o parecer da técnica pericial em Antropologia do MPF sobre Teutônia deixa dúvidas sobre a consistência de suas conclusões e recomendações. Como cientista social (sou mestre e doutor em Ciência Política), reivindico, inclusive, preparo formal para uma análise do material que o MPF eventualmente possui”.

 

Transcorridos mais de seis meses depois do citado e-mail, recebi, com data de 4 de abril de 2016, um resposta a minha carta, assinada pela atual procuradora-chefe do MPF-RS, Patrícia Núñez Weber, anexa à qual está um “despacho” seu, datado de 28 de março de 2016, mais uma “certidão” assinada por outra pessoa, acrescida de um longo anexo. Publico o conjunto dessa correspondência, ao final deste texto. Em relação ao conteúdo, tomo a liberdade de tecer algumas considerações.

Sobre a primeira pergunta, o “despacho” da procuradora-chefe informa que o caso “foi encaminhado à Corregedoria do MPF em Brasília”, de onde já recebi resposta, em relação à qual me manifestei na citada “Carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho”. Portanto, não há ressalva quanto à ação do MPF-RS e ao “despacho” da procuradora-chefe naquilo que tange à resposta à minha primeira pergunta.

 

Mas daí para diante, a situação começa a complicar-se. Quanto à segunda pergunta, lê-se no “despacho” da procuradora-chefe, ao final do primeiro parágrafo da segunda lauda, ainda se referindo à minha primeira pergunta: “Diante disso, restam esclarecidos, nos limites desta Chefia, os pontos levantados nos itens 1 e 2”. Como, senhora procuradora-chefe? Eu não sou um escrevinhador primário, que apresentaria uma segunda pergunta com o mesmo conteúdo da primeira. E para deixar isso bem claro, lá está, entre parênteses, a observação cristalina de que estou falando de minhas denúncias “não só em relação ao episódio com o procurador e a antropóloga”. Na sua defesa frente ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, o então procurador em Lajeado me acusa de estar hostilizando “outras autoridades que também atuam em casos relacionados a manifestações neonazistas, com claro propósito de desacreditá-las”; e o próprio Subprocurador-Geral escreveu no item 3 de sua “decisão” que eu estaria apontando “omissão do MPF em apurar atos discriminatórios praticados contra a comunidade alemã do estado do Rio Grande do Sul, a exemplo de declarações de dois professores doutores vinculados a universidades públicas federais, que a rotularam de racista”. Essas manifestações constituem prova cabal de que no MPF se tem pleno conhecimento de denúncias minhas que vão além da atuação do então procurador em Lajeado e da técnica pericial. Senhora procuradora-chefe, onde esta pergunta foi respondida, em seu “despacho”? Mais: nesta minha segunda pergunta estão sublinhadas duas passagens que não exigem mais que uma resposta técnica, objetiva – minhas denúncias contra situações que não envolvem o então procurador em Lajeado e a técnica pericial – até prova em contrário – não surtiram efeito por causa da forma em que foram apresentadas ou por causa do conteúdo? Uma resposta não teria exigido nenhum grande esforço. No mínimo, se a forma tivesse sido apontada como errada, eu faria, agora, nova demanda junto ao MPF-RS, dentro do formato que fosse indicado como obrigatório.

 

Mas o espanto diante do tratamento dado à segunda pergunta vira estupefação diante do tratamento dado às perguntas 3 e 4. No “despacho” lê-se: “No que pertine aos itens 3 e 4, proceda-se certidão acerca de eventuais expedientes acerca do tema ‘neonazismo’, ‘nazismo’ e/ou ‘racismo’ no estado do Rio Grande do Sul, fornecendo-se tais dados ao solicitante”. Diante dessa frase, cabem duas observações: 1º) É compreensível que com a interpretação errônea da minha segunda pergunta – como sendo igual à primeira, supostamente referindo-se também (e exclusivamente) ao então procurador em Lajeado e à técnica pericial – se tenha dado por respondida minha terceira pergunta, já que na resposta à primeira pergunta, efetivamente ficou explicitado aquilo que se fez em relação a esses dois agentes. Mas, de fato, a segunda e a terceira perguntas se referem a outras situações, a outros agentes de Estado e a pessoas físicas por mim apontados como tendo feito manifestações que considero preconceituosas contra “alemães” (e contra “italianos” e “poloneses”). Considerando que – ao menos em tese – esses atos são imprescritíveis, minha pergunta era TOTALMENTE pertinente! Com isso, senhora procuradora-chefe, minha terceira pergunta também ficou sem resposta! 2º) A situação, porém, sugere que se chega aos píncaros do mais absoluto amadorismo em relação a um tema potencialmente tão explosivo quanto o dos preconceitos contra determinados grupos étnicos ou nacionais quando se trata da resposta a minha quarta pergunta. Reproduzo-a mais uma vez: “O MPF POSSUI INDÍCIOS OU PROVAS contra as populações sul-rio-grandenses, sobretudo, de origem alemã, mas também italiana e polonesa? CASO POSITIVO, requeiro acesso a esses indícios e/ou a essas provas, pois o parecer da técnica pericial em Antropologia do MPF sobre Teutônia deixa dúvidas sobre a consistência de suas conclusões e recomendações. Como cientista social (sou mestre e doutor em Ciência Política), reivindico, inclusive, preparo formal para uma análise do material que o MPF eventualmente possui”.

 

Consultei doutores em Letras, e eles me garantiram que os termos de minha pergunta são cristalinos, que não deixam dúvidas sobre seu conteúdo. E eis que recebo COMO RESPOSTA a ela uma certidão que diz que “foram identificados, no âmbito de atuação da Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, 311 registros de expedientes [...] que apuram situações envolvendo as palavras pesquisadas: ‘nazismo’, ‘racismo’, ‘neonazismo’, ‘suástica’, ‘discriminação racial’ e ‘injúria racial’”, e, em anexo, se me envia uma listagem de 128 registros referentes às rubricas “racismo” (116), “nazismo” (11) e “neonazismo” (1), abrangendo os últimos 15 anos (os registros de números 45 e 69, na rubrica “racismo”, por exemplo, são do ano 2000).

 

Santo e misericordioso Deus! Para o MPF-RS o fato de possuir em seu “sistema” uma lista de 128 entradas referentes a “racismo”, “nazismo” e “neonazismo” constitui INDÍCIO OU PROVA de que essas supostas ou efetivas maldades foram de fato PRATICADAS por “alemães”, “italianos” e “poloneses”? Foi estarrecedor receber uma resposta dessas do MPF-RS! Consultei os casos, e em relação a muitos não há como extrair qualquer informação, pois apenas constam como “procedimento sigiloso”, em relação a outros se vê que se trata de denúncias sem informação se confirmadas ou não. Há entradas que justamente constituem denúncias de supostos ou efetivos preconceitos NÃO PRATICADOS POR “ALEMÃES”, mas, sim, CONTRA “ALEMÃES”, a exemplo dos números 16, na rubrica “racismo”, e 10, na rubrica “nazismo”. Entre os casos em que há informação sobre o local em que os supostos ou efetivos episódios ocorreram, vê-se que, geograficamente, a “região colonial” está claramente subrepresentada.

 

Por um imperativo de lógica, eu sou obrigado a considerar que recebi uma resposta POSITIVA a minha quarta pergunta, que se refere, de forma cristaliníssima, à existência (ou não!) de indícios e provas de que “alemães”, “italianos” e “poloneses” sejam os responsáveis pelas maldades “racistas”, “nazistas” e “neonazistas” registradas neste estado!

 

Se a documentação recebida do MPF-RS estivesse assinada por um(a) funcionário(a) técnico-administrativo(a), eu partiria do pressuposto de que se trata de um engano, e pediria reconsideração, mas ela está assinada por ninguém menos que a procuradora-chefe. E justamente por isso, a situação é E-S-T-A-R-R-E-C-E-D-O-R-A! Caros cidadãos-contribuintes e não-contribuintes deste país, à minha pergunta se o MPF-RS possui indícios ou provas contra os “alemães”, “italianos” e “poloneses” como os responsáveis por “racismo”, “nazismo” e “neonazismo”, neste estado, os termos da documentação recebida não permitem outra interpretação que a de sua confirmação – ainda que ela, de forma alguma, restasse comprovada no material que me foi enviado. É estarrecedor!

 

Em função da gravidade da situação, repito o argumento. Em NENHUM MOMENTO requeri ao MPF-RS o fornecimento de listas de qualquer coisa. Eu perguntei, de forma cristaliníssima, se o MPF-RS “possui indícios ou provas contra as populações sul-rio-grandenses, sobretudo, de origem alemã, mas também italiana e polonesa?”. E, EM CASO POSITIVO, aí sim, solicitei que me fosse permitido o acesso a esses indícios e a essas provas. Como a senhora procuradora-chefe me enviou uma longa lista de ocorrências, não há outra interpretação possível a não ser a de que ela quisesse dizer “aqui estão os indícios e as provas que nós temos contra os ‘alemães, ‘italianos’ e ‘poloneses’”! E esse fato é estarrecedor, porque o conteúdo da listagem não fornece indícios, e, muito menos, apresenta provas. Tudo isso sugere que no MPF-RS, até prova em contrário, vigora o mais rasteiro senso comum de que se há registro de um suposto ou efetivo ato racista, neste estado, ou se aparece uma suástica pichada em algum lugar, os responsáveis são, ipso facto, “alemães”, “italianos” e “poloneses”. É estarrecedor! E a situação é ainda mais preocupante pelo fato de que a resposta deve ter sido muito bem pensada, muito bem elaborada, pois entre a primeira entrega da minha carta no MPF-RS (22/6/2015) e a redação do “despacho” da procuradora-chefe (28/3/2016) transcorreram mais de oito meses, e o caso foi analisado por colegiados do MPF-RS. [11/4/2016]

Os quatro arquivos anexos reproduzem a correspondência recebida do MPF-RS:

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV