Entre as localidades citadas nas informações policiais divulgadas, nos últimos 10 anos, pela imprensa, em relação a, supostos ou efetivos, atos “neonazistas”, no Rio Grande do Sul, são citadas as seguintes: região metropolitana de Porto Alegre; região de Caxias do Sul; e, mais recentemente, o caso de Teutônia, largamente referido neste site. E é a este caso de Teutônia que eu, infelizmente, preciso voltar.

Como foi mostrado em outro lugar desta página, em 25 de agosto de 2010, o delegado de polícia de Teutônia, Mauro José Barcellos Mallmann, desmentiu que tivesse havido ação “neonazista” no município (http://www.independente.com.br/player.php?cod=7396) [infelizmente, o áudio parece não estar mais na página, mas tenho a gravação, e posso fornecê-la a interessados]. No mesmo dia, no Correio do Povo online, o delegado Paulo Cesar Jardim, festejado como a maior autoridade policial gaúcha de combate ao “neonazismo”, disse, de forma categórica: “Eu afirmo que não existe grupo nazista em Teutônia... Eu tenho excelentes informantes na região, e esse tipo de crime, com certeza, não existe lá” (http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=187452). Com a observação adicional, publicada no mesmo local, de que Jardim classificou os acontecimentos verificados no município (pichações) como uma “invenção”, estava claro que, para as autoridades policiais, o povo de Teutônia não fora agente de atos “neonazistas”, mas, muito antes, vítima de uma provocação. Com isso, o caso estava encerrado, para elas – inclusive, tenho cobrado dessas autoridades policiais esforços para identificar os provocadores.

Mas informações a que só tive acesso mais recentemente obrigam-me a uma nova referência ao caso. Com data de 11 de setembro de 2010, descobri uma notícia de Lajeado a qual informa que “o Ministério Público Federal [de Lajeado] irá instaurar um processo administrativo para analisar esta possível volta do movimento [neonazista] à região” (http://www.independente.com.br/player.php?cod=7773).

Num primeiro momento, até fiquei animado com essa descoberta, pois, há muito tempo, penso que o Ministério Público estadual deveria ter tomado providências em relação à crescente onda de difamação contra a população de origem alemã, quando, por exemplo, até autoridades atribuem – sem qualquer base factual consistente – a origem do “neonazismo” a esse setor da população gaúcha. Afirmações desse tipo afrontam – ao menos em tese – preceito constitucional e legislação ordinária, pois constitui delito discriminar ou difamar seres humanos em função de sua religião, sua nacionalidade, sua origem étnica etc. Por isso, num primeiro momento, imaginei que, talvez, o MPF, finalmente, assumira esse papel. Teria sido a glória, e os responsáveis teriam merecido um monumento de louvor.

Mas minha alegria durou pouco, pois uma leitura mais atenta dos termos da notícia indicou que esse não deve ser o objetivo a que o MPF de Lajeado se propôs. Infelizmente, isso me obriga a partir do pressuposto de que o objetivo do MPF deve consistir, justamente, no inverso, isto é, em aprofundar a investigação, na tentativa de tentar localizar, sim, “neonazistas” entre o povo de Teutônia. E a notícia, aparentemente, foi “quente”, pois um documento público, de 1º de março de 2011, isto é, de quase meio ano depois, assinado pelo procurador federal de Lajeado, disponível na Internet, “resolve converter o presente procedimento administrativo (nº 1.29.014.000164/2010-94) em inquérito civil público” (http://1ccr.pgr.mpf.gov.br/atuacao-no-mpf/portarias/41). Ou seja, o MPF de Lajeado, não só instaurou um processo administrativo, em setembro de 2010, mas, ao seu final, até optou por não encerrar o caso, o que sugere que, no mínimo, trabalha com a hipótese da existência de “neonazistas” à solta em Teutônia. Essa hipótese se torna ainda mais plausível pelo fato de que a primeira notícia dizia que “este processo [do MPF] terá a participação de uma antropóloga”. É que a lógica sugere que, para verificar a hipótese alternativa de que o povo de Teutônia sofreu (ou não) um atentado cometido por provocadores, não haveria necessidade de uma antropóloga (bastaria uma investigação através de peritos criminais). O recurso a uma antropóloga torna, portanto, ainda mais plausível a hipótese de que o MPF de Lajeado considera a possibilidade de que Teutônia pode estar infestado de “neonazistas”.

Partindo, por consequência, da hipótese de que o MPF de Lajeado pensa que se deva insistir na busca de “neonazistas” em Teutônia, impõem-se, no mínimo, duas questões, uma intrigante, a outra preocupante. O que intriga é se o MPF de Lajeado colocou sob suspeita os delegados Mallmann e Jardim, pois a notícia sobre a instauração do processo administrativo ocorreu cerca de duas semanas depois que ambos haviam negado, publicamente, a ocorrência de atos “neonazistas” em Teutônia.

E a situação é preocupante por, no mínimo, duas razões. Primeiro, ao contrário das manifestações e/ou dos atos, suposta ou efetivamente, “neonazistas” na região metropolitana e na Serra, quando o MPF (até prova em contrário) não se imiscuiu, e muito menos recorreu a uma antropóloga – talvez por considerar o caso como exclusivamente policial –, a, suposta ou efetiva, manifestação “neonazista” de Teutônia deve ter sugerido ao MPF que a situação chegara a um novo patamar. Se até então era difícil atribuir as manifestações e/ou os atos, suposta ou efetivamente, “neonazistas”, de forma direta, à maldade dos “alemãos” deste estado, Teutônia poderia ter criado, nesse sentido, um fato novo. Não é absurda, por isso, a interpretação de que, para o MPF, os casos anteriores (região metropolitana e Serra) foram considerados exclusivamente “policiais”, enquanto o de Teutônia passou a ser visto como um caso “antropológico”. Possivelmente, o MPF imaginou que, finalmente, se chegara ao âmago da questão, à origem verdadeira do “neonazismo”, isto é, o povo de Teutônia, talvez encarado como “neonazista” por natureza. Caso contrário, como se pode explicar essa preocupação específica com o caso de Teutônia? Se esta última hipótese for verdadeira, a situação é extremamente preocupante, pois os cidadãos deste país estariam sendo classificados por categoria de periculosidade, quando o preceito constitucional declara, de forma categórica, que TODOS devem ser considerados iguais! Por que, supostas ou efetivas, manifestações “neonazistas” na região metropolitana de Porto Alegre e na Serra não levaram ao recurso a uma antropóloga, e o caso, suposto ou efetivo, de Teutônia requer uma antropóloga? Essa decisão sugere que, neste caso, se considera imprescindível investigar não apenas o fato em si, mas, sim, o meio humano, o contexto “antropológico” em que o, suposto ou efetivo, “neonazismo” se insere, e, eventualmente, floresce. Essa concepção, por si só, é extremamente preocupante. Com certeza, muitos cidadãos gaúchos e brasileiros teriam interesse em conhecer a justificativa para a decisão de recorrer a uma antropóloga!

Segundo, a situação é ainda mais preocupante pelo fato de que existe um precedente lamentabilíssimo, pois está amplamente documentado neste site o caso da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, que, em dissertação de mestrado na UNICAMP – eu disse: na UNICAMP! –, afirma que 45.000 dos 90.000 “neonazistas” que, segundo ela, existem no Brasil encontram-se em Santa Catarina. E quem lê essa afirmação cristalina, na p. 35 da dissertação disponibilizada online pela universidade (http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000419685&;opt=1), e repetida, ad nauseam, em entrevistas publicadas,  obviamente, fica imaginando que só pode ser coisa derivada do caráter bestialogicamente animalesco dos “alemãos” daquele estado. Acontece que, na real, nem pesquisadores locais nem a polícia de Santa Catarina nunca viram esses bandos de “neonazistas” por lá – aliás, é patente a baixa “densidade” de notícias sobre ocorrências “neonazistas” no estado vizinho, considerado o mais “germânico” do Brasil.

Se um ato de tamanha irresponsabilidade foi cometido por uma antropóloga que recebeu um título de mestre em Antropologia da UNICAMP – eu disse: da UNICAMP! –, fico imaginando que pode acontecer se o MPF de Lajeado, eventualmente, requisitou, de forma burocrática, uma antropóloga formada pela Universidade Municipal de Jacarezinho, e ela venha (ou já veio) a produzir um parecer em que insista em que – apesar de as autoridades policiais afirmarem não ter encontrado “neonazistas” em Teutônia – toda a população do município é constituída de animais “criptoneonazistas”, muitíssimo mais perigosos que os 35 pimpolhos destrambelhados fichados pelo delegado Jardim, basicamente, na região metropolitana de Porto Alegre, motivo pelo qual somente o olho “antropológico” consegue enxergar o terrível perigo que ameaça a humanidade, a partir de Teutônia.

Destaco, com toda ênfase, que não tenho qualquer informação sobre a antropóloga a que o MPF de Lajeado, eventualmente, tenha recorrido (absolutamente nada de pessoal contra ela, portanto) – estou falando em tese, mas sob o impacto causado pelo tristíssimo precedente patrocinado pela antropóloga-mestre formada pela UNICAMP – repito: UNICAMP! E o fato de que o MPF de Lajeado, em 1º de março de 2011, “resolve[u] converter o presente procedimento administrativo ... em inquérito civil público” sugere que a antropóloga, em seu eventual veredicto, recomendou que as investigações contra os ánthropoi, os seres humanos, a população de Teutônia, sejam continuadas.

A pergunta que se impõe é por que o MPF não apresentou, em seu documento público de 1º de março de 2011, no qual “resolve[u] converter o presente procedimento administrativo ... em inquérito civil público”, qualquer argumento ou justificativa para essa decisão. Se isso tivesse acontecido, nós cidadãos ao menos saberíamos em que direção as investigações estão indo. Com esse mistério, permanece a suspeita – afinal, o MPF detectou bandos de “neonazistas” em Teutônia, ou, pelo contrário, eles não existem, e o povo local está sendo vítima de preconceitos? Dependendo do veredicto, as “terapias” deverão ser diametralmente opostas: a) um programa de “desneonazificação” do povo de Teutônia, ou b) aplicação do rigor da lei aos difamadores.

A pergunta que fica é se esse véu de mistério ao menos desaparecerá em 28 de fevereiro de 2012, pois na portaria do MPF de 1º de março de 2011 está escrito que “a secretaria deste gabinete acompanhará a tramitação deste feito, fazendo conclusão para eventual prorrogação até 05 (cinco) dias antes do vencimento do prazo de 01 (um) ano”? Espera-se, ansiosamente, que uma resposta pública venha antes dessa data, porque o tema interessa a uma parte muito significativa dos cidadãos gaúchos, por causa da convivência cotidiana. Além disso, temos o direito de saber que está acontecendo, inclusive de fazer uma avaliação crítica das eventuais provas (ou, no mínimo, dos indícios), num ou noutro sentido, pois estamos pagando essa conta através dos pesados impostos que recolhemos todos os dias aos cofres públicos. Qualquer cidadão tem o direito de saber se a convivência com os “alemãos” de Teutônia significa: a) estar em contato com um bando de “neonazistas”; ou b) estar em contato com um povo que é vítima de brutais preconceitos? Considerando que houvesse por bem meter-se nesse assunto, nós cidadãos estamos ansiosos em saber a qual dessas duas alternativas o MPF responde afirmativamente!

Se Jair Krischke não respondeu ao meu desafiou para confirmar ou desmentir suas opiniões publicadas a respeito dos “alemãos” dos estados do sul do Brasil (cf. a nota “Jair Krischke tem as provas...”, nesta página), trata-se de um problema do âmbito privado, de pessoa física – no caso do MPF não se trata de uma questão particular, privada, o MPF é um órgão público, que tem a obrigação de prestar contas de seus atos frente à sociedade que o sustenta materialmente. Ainda mais, diante de um caso de tanto interesse público quanto as gravíssimas suspeitas divulgadas desde, no mínimo, maio de 2009, em relação ao povo de Teutônia. E isso num contexto em que não há notícias sobre medidas do MPF de Lajeado em relação a barbaridades absolutas contra a população de origem alemã que circulam livremente na Internet (cf. a nota "Safadeza...", nesta página). Isso para só citar um único exemplo, entre os vários - escancarados - apresentados neste site. Antes que alguém pergunte - sou radicalíssimamente contrário à censura, mas qualquer Estado Democrático de Direito chama à responsabilidade aqueles que agridem, de forma injusta; e como aqui a agressão é contra uma coletividade, certamente caberia ao Ministério Público acionar o Poder Judiciário para que punisse os agressores! No interesse da convivência pacífica entre os cidadãos deste estado, essa ação, certamente, seria bem mais recomendada do que investir tempo e energia na caça a "neonazistas" em Teutônia! Com a palavra, o Senhor Ministério Público Federal de Lajeado! Os cidadãos-contribuintes deste país aguardam, ansiosamente, por notícias a respeito! [28/10/2011]

 

Atenção: em 31 de julho de 2012, o até então procurador da República em Lajeado deixou o cargo, de forma que o conteúdo desta nota NÃO se refere a quem o tenha assumido após essa data. [1/8/2012]

[Ir para "Safadeza"]