Este é um texto tão breve quanto os 15 minutos disponíveis para uma apresentação, num congresso. O clero ocupa posição destacada entre aqueles europeus que produziram relatos sobre a América do Sul. Basta citar os padres jesuítas para indicar de que se está falando. Sobre aqueles países em que houve imigração alemã – caso do Brasil, que está em pauta nesta apresentação –, existem também relatos de pastores, já que uma parte dos imigrantes alemães era composta de luteranos, e estes tiveram atendimento religioso de pastores que os acompanharam desde as primeiras levas, diferentemente dos católicos, que só receberam atendimento religioso de padres estrangeiros que falavam sua língua algumas décadas após a chegada. Pastores estrangeiros continuam presentes até hoje, mas foram muito mais frequentes até a Segunda Guerra Mundial, visto que não havia Faculdade de Teologia local, motivo pelo qual todos eram procedentes do exterior – situação que só mudou, gradativamente, após a guerra. Mesmo entre aqueles que vieram depois do conflito bélico, há alguns que produziram relatos de suma importância, quando, por exemplo, anotaram dados sobre a história de lugares interioranos em que atuaram, e sobre os quais não há outros registros escritos.

 

 

 

            Este é um texto tão breve quanto os 15 minutos disponíveis para uma apresentação, num congresso.* O clero ocupa posição destacada entre aqueles europeus que produziram relatos sobre a América do Sul. Basta citar os padres jesuítas para indicar de que se está falando. Sobre aqueles países em que houve imigração alemã – caso do Brasil, que está em pauta nesta apresentação –, existem também relatos de pastores, já que uma parte dos imigrantes alemães era composta de luteranos, e estes tiveram atendimento religioso de pastores que os acompanharam desde as primeiras levas, diferentemente dos católicos, que só receberam atendimento religioso de padres estrangeiros que falavam sua língua algumas décadas após a chegada. Pastores estrangeiros continuam presentes até hoje, mas foram muito mais frequentes até a Segunda Guerra Mundial, visto que não havia Faculdade de Teologia local, motivo pelo qual todos eram procedentes do exterior – situação que só mudou, gradativamente, após a guerra. Mesmo entre aqueles que vieram depois do conflito bélico, há alguns que produziram relatos de suma importância, quando, por exemplo, anotaram dados sobre a história de lugares interioranos em que atuaram, e sobre os quais não há outros registros escritos.[1]

            Um desses pastores de uma geração mais antiga foi o alemão Alfred Funke. Apesar da importância de seus escritos, ele, aparentemente, ainda não foi tema de nenhuma biografia mais elaborada. Apesar de ter investido algum tempo na busca, os dados encontrados sobre sua vida são muito escassos. Há referências breves em dicionários e enciclopédias sobre suas obras, inclusive classificações de seus escritos, mas as informações biográficas são ralas. Entre elas, estão as de que nasceu em 1869, na Alemanha, onde também morreu, em 1941. Estudou teologia luterana, foi diretor de escola por algum tempo, e, depois de ordenado pastor, veio, em 1896, para o Rio Grande do Sul, inicialmente para o interior de Santa Cruz do Sul.[2] No final dessa sua primeira estada no Brasil, teria atuado também numa comunidade em Rio Grande. Ainda que não tenha sido possível averiguar se ele manteve sua condição de pastor nos anos seguintes, após sua volta à Alemanha, é possível que tenha deixado de sê-lo, pois nos períodos posteriores não há mais referências a essa sua condição.

            Os indícios de que tenha abandonado o pastorado são reforçados por informações de que se meteu em algumas polêmicas enquanto atuava por aqui, já que “teria tido ideias bastante particulares quanto à ressurreição dos mortos. Por causa delas, desacreditou-se perante muitos membros na comunidade. Outros tornaram-se seus seguidores”.[3] De qualquer forma, em 1901, retornou à Alemanha, onde, mais tarde, se doutorou com uma tese sobre “a colonização do leste da América do Sul, com atenção especial para os alemães”. A seguir, dedicou-se, principalmente, ao estudo de temas ligados à colonização no Brasil e ao colonialismo na África, atividade da qual resultaram contos, romances, relatos de viagens, biografias e outros escritos, cujos temas costumam ser classificados pela pesquisa literária alemã como “literatura colonial”.[4] Nessa qualidade, exerceu papel relevante no relacionamento entre a Alemanha e o Brasil, tendo sido apontado, inclusive, como possível ideólogo de manifestações suspeitas naquilo que tange aos interesses alemães em relação ao nosso país, em meio a uma intensa campanha sobre o “perigo alemão”, no início do século XX.[5]

            Entre os títulos de sua autoria arrolados pela Biblioteca Nacional Alemã de Frankfurt, em obras de referência e outras bases de dados, no mínimo, os seguintes tratam do Brasil: Aus Deutsch-Brasilien: Bilder aus dem Leben der Deutschen im Staate Rio Grande do Sul [O Brasil alemão: imagens da vida dos alemães no estado do Rio Grande do Sul] (1902); Deutsche Siedlung im Übersee: ein Abriß ihrer Geschichte und ihr Gedeihen in Rio Grande do Sul [Colonização no além-mar: um esboço de sua história e de seu desenvolvimento no Rio Grande do Sul] (1902); Die Besiedlung des östlichen Südamerika, unter besonderer Berücksichtigung des Deutschtums [A colonização do oeste da América do Sul, com ênfase especial sobre os alemães] (1903), que é a publicação da tese de doutorado; Unter den Coroados: eine Geschichte von deutschen Bauern und brasilianischen Indianern [Entre os coroados: uma história de colonos alemães e índios brasileiros] (1905); Stürmische Tage in Deutsch-Brasilien [Dias tormentosos no Brasil-alemão] (1913), sobre a revolução federalista de 1893-95; Der Gringo: Roman eines deutschen Mannes auf brasilianischer Erde [O gringo: romance de um alemão em terras brasileiras] (1913); Der Lasso: brasilianischer Roman [O laço: romance brasileiro] (1922); Der deutsche Kolonist in Brasilien [O colono alemão no Brasil] (1924); Brasilien im 20. Jahrhundert [O Brasil no século XX] (1927); Paradies im Urwald [Paraíso na floresta] (1935). Em 1923, editou, em língua portuguesa, um grosso volume intitulado O Brasil e a Alemanha, 1822-1922 (Berlim: Editora Internacional, 1923), em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. E ainda que não tivesse sido possível verificar o conteúdo, é possível que também trate de temas brasileiros, ao menos em parte, o livro Vom Douro und Rio Grande: allerlei Fahrten [Do Douro e do Rio Grande: uma série viagens] (1906).

            O fato de Funke aparecer como tema de discussão entre aqueles que se ocupavam com as relações entre o Brasil e a Alemanha, e ainda o fato de que Borges de Medeiros, o governador do Rio Grande do Sul, o recebia em audiência, durante suas visitas ao estado, mostram sua influência sobre a formulação de políticas e sobre a própria opinião pública.[6] Há indícios de que seus livros também eram lidos por intelectuais brasileiros, na busca por informações que não se referissem a política ou a relações internacionais.[7] Assim, encontramos no Manual de danças gaúchas, de Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, uma referência ao Guia do folclore gaúcho, de Augusto Meyer, quando este se refere a uma comparação feita por Funke entre a dança dos gaúchos e a dos colonos de origem alemã.[8] Por tudo isso, uma tentativa de referenciá-lo num congresso que trata de relatos de viajantes europeus na América do Sul parece justo, pois suas obras, inclusive, cobrem todo o espectro temático deste encontro: “história, literatura, mito”, já que seus relatos de viagem trazem dados históricos, vividos por ele ou apresentados como ouvidos de outros protagonistas, e seus livros de ficção são, ao mesmo tempo, literatura e mitologia.

            Trata-se aqui, efetivamente, de uma simples lembrança de seu nome e de sua obra, pois não será feita nenhuma análise mais aprofundada. Pela afinidade temática com a história da imigração e da colonização alemã, serão apresentados alguns pouquíssimos dados sobre duas obras publicadas numa distância cronológica de 25 anos entre si: O Brasil alemão: imagens da vida dos alemães no estado do Rio Grande do Sul, de 1902, e O Brasil no século XX, de 1927.[9] A primeira reflete a estada profissional de Funke no Rio Grande do Sul, como pastor, na segunda metade da década de 1890, a segunda resultou de sua viagem ao Brasil em 1925, e de seus estudos a respeito do país durante o quarto de século que antecedeu o livro. Por essa razão, esta última obra é mais ampla, tanto naquilo que tange ao seu espectro temático quanto ao tamanho físico. Ela começa com descrições sobre o Nordeste e a Amazônia, passa pela Bahia, por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, para dedicar os últimos quatro capítulos, mais uma vez, ao Rio Grande do Sul.[10]

            O primeiro livro – dedicado exclusivamente ao Rio Grande do Sul – possui mais de 280 páginas; o segundo possui mais de 430 páginas, mas os capítulos dedicados ao Rio Grande do Sul perfazem apenas 120 páginas, neste último, portanto menos da metade que no volume anterior. Comecemos com algumas observações sobre o livro dedicado exclusivamente ao Rio Grande do Sul e à presença de alemães e descendentes – é verdade que há algumas páginas dedicadas a algumas regiões de colonização alemã em Santa Catarina.

            Quanto ao estilo, o relato é apresentado na forma de diálogos do autor com personagens reais e fictícios. Isso significa que o texto, certamente, apresenta situações com que realmente se defrontou em seus contatos pelo estado afora. O livro começa com uma descrição do deslocamento a Porto Alegre, desde a parada do navio no porto de Rio Grande. Segue um passeio pela Capital, com uma série de informações sobre a situação na virada do século XIX para o XX: o Mercado Público, por exemplo, é elogiado, na comparação com similares em outras partes do país, o aspecto geral de Porto Alegre recebe uma avaliação positiva, situação atribuída ao intendente José Montaury. Como o livro pretende traçar um quadro da colonização alemã, há uma descrição mais ou menos pormenorizada de São Leopoldo, com detalhes econômicos e culturais, mas também religiosos, pois, apesar de pastor luterano, fez uma visita ao colégio dos jesuítas, a qual motiva uma série de comentários sobre a atuação dessa ordem. Um capítulo inteiro é dedicado aos caixeiros viajantes, com importantes considerações sobre a situação política e econômica, mas também sobre o papel desses personagens no estabelecimento e na manutenção de relações humanas, tanto entre alemães e descendentes quanto entre estes e o mundo “exterior”, isto é, a população tradicional do estado, como os próprios fazendeiros.

            Sobre estes últimos, há considerações relativamente simpáticas, com destaque para sua hospitalidade. Um pequeno trecho pode ilustrar essa avaliação: “Num passeio a cavalo, é bom chegar à casa de um criador de gado, o qual sempre recebe o viajante com muita hospitalidade. O estancieiro possui um caráter nobre”. Claro, o visitante precisa possuir algum pedigree, pois “se ele [o fazendeiro] reconhece pela cor da pele do hóspede que se trata de um cavalheiro, ele o recebe como se o estranho frequentasse sua casa há muitos anos – mas ele despreza o homem de cor, e determina que vá se entender com os peões. Característico da nobreza do brasileiro economicamente bem situado é que o hóspede deve ter certos cuidados em admirar um objeto que pertença ao dono. De imediato, o senhor da casa enxerga nas palavras [do hóspede] o desejo de possuir o objeto elogiado, e logo vai dizendo: ‘está às suas ordens!’” (p. 70-71).

            Também são importantes algumas passagens que se poderia chamar de flash backs históricos. Como ele não comenta a origem das suas informações e opiniões, não se sabe se derivam de leituras ou de relatos que ouviu. Mas não se pode descartar de todo a segunda hipótese, e, neste caso, essas observações trariam valiosos insights sobre aquilo que era voz corrente entre a população a respeito de seu passado, ou, ao menos, sobre alguns episódios do passado. Nesse sentido, há extensos trechos sobre a conflituosa convivência de alemães e descendentes com os índios, nos primeiros anos da colonização, sobre o movimento religioso dos Mucker e sobre a influência dos Brummer, aqueles mercenários alemães vindos, no início da década de 1850, para serem empregados nas guerras do Prata, e que, depois, se espalharam pelas “colônias”, exercendo importante papel de liderança em meio a uma população cuja origem predominante, até então, era agrária.

            Para quem se interessa pela história política, o livro apresenta uma série de informações e ponderações úteis. Assim, há um longo diálogo entre o autor e seus interlocutores (reais ou fictícios) a respeito de Júlio de Castilhos, um homem que deixou o governo enquanto o pastor Funke se encontrava em território gaúcho, mas não deixou de exercer influência decisiva na política estadual. Enquanto seus interlocutores tecem considerações francamente elogiosas ou, no mínimo, ponderadas a respeito do famoso político gaúcho, sua própria avaliação não é exatamente favorável. Um trecho pode exemplificar algumas das críticas. À observação de um fictício ou real interlocutor de nome Wiedemann[11], que diz que Júlio de Castilhos como presidente da República representaria uma benção para o Brasil, Funke responde: “Mesmo que não seja mais presidente [governador] do estado, pode-se dizer que este ainda lhe pertence, pois continua sendo chefe do todo-poderoso partido. Depois das terríveis lutas da última revolução [federalista, de 1893-1895], quando, circunstancialmente, teve de recuar diante de um regimento do Dr. Barros Cassal, ele recorreu à força bruta e à opressão total para assumir a dominação sem limites. A ocupação de todos os cargos administrativos é determinada por ele, as eleições ao parlamento não são nada mais que confirmações de sua lista de candidatos, os oposicionistas se restringem a algum xingamento nos jornais, sem qualquer consequência. Alguns gritalhões até aderiram ao partido dominante, num humilhante ato de submissão, a fim de garantir um lugar ao sol” (p. 59). Além disso, Funke denuncia – mesmo que não referido, de forma direta, ao próprio Júlio de Castilhos – que uma das características que a maioria dos seus adeptos possuiria seria a de serem “inimigos mais ou menos públicos dos estrangeiros imigrantes” (p. 60).

            Ainda no campo da história política, um capítulo do livro possui o título “Sobre dias tormentosos”, que trata da citada revolução federalista (p. 232-259). Além de antecedentes mais gerais, o autor relata fatos acontecidos na região de Santa Cruz do Sul. Obviamente, esses relatos devem ser tratados com os usuais cuidados, mas não há dúvida de que são importantes, pois Santa Cruz foi um foco de oposição ao governo republicano castilhista, e, mesmo que a pesquisa histórica ainda precisa confirmá-lo, em definitivo, há indícios de que a primeira intervenção do governo estadual em um município gaúcho – prática que se tornaria corriqueira no restante da Primeira República – aconteceu nesse município, logo depois da revolução. Além disso, Funke se estabeleceu em Santa Cruz, pouco depois do final da revolução, de forma que aquilo que ele apresenta no seu livro, provavelmente, se baseia em relatos que testemunhas oculares contaram para ele – ainda que ele deva tê-los filtrado.[12]

            Para encerrar, algumas palavras sobre o Brasil no século XX. Uma das utilidades desse segundo livro – aqui especificamente a parte que trata do Rio Grande do Sul – é que ela permite comparar dados e observações da visita de 1925 com aquilo que ele relatara a partir de sua estada de 25 anos antes. Ao chegar a Porto Alegre, agora, muitas pessoas teriam manifestado curiosidade pela “missão” que o teria trazido ao estado. Ele não explica a razão dessa desconfiança.[13] Mas insiste em que não vem em missão alguma. O fato de ter sido recebido em audiência por Borges de Medeiros ele explica através de seu empenho permanente em favor do país e do estado, na Europa, destacando que o mínimo que fez pelo Brasil e pelo Rio Grande do Sul foi “ter desmascarado, na opinião pública alemã, algumas mentiras óbvias sobre o Brasil, e, em especial, sobre Castilhos e Borges” (p. 363).

            Aqui aparece um aspecto importante para o qual o historiador que vá utilizá-lo como fonte deve estar atento. Vimos que no primeiro livro Júlio de Castilhos foi apresentado sob uma perspectiva muito crítica, fato que derivou, entre outros, da visão que se denominava “nativista” sobre ele próprio e seu grupo, visão que perdurou mesmo depois de sua morte, pelo fato de que, efetivamente, existiram manifestações desabonadoras sobre os imigrantes alemães e seus descendentes.[14] Além disso, a situação vivida pelo oposicionista município de Santa Cruz do Sul, no início da República, fizera com que, nessa época, ele não pudesse apresentar uma imagem positiva do líder republicano. Acontece que, sob Borges de Medeiros, as coisas tinham mudado. Mesmo que este também fosse conhecido como “francófilo”, e, portanto, não exatamente como amigo natural dos “alemães”, na prática ele fez vigorar os princípios positivistas para que cada um alcançasse a salvação ao seu jeito, sem interferência do Estado em uma série de âmbitos da vida dos cidadãos das assim chamadas “colônias alemãs”. E essa posição foi festejada pela maioria das lideranças dessas regiões, pois representava uma garantia de autonomia para o sistema escolar e também uma garantia para as confissões religiosas minoritárias, dentro de um país maciçamente católico.

            Por tudo isso, Funke afirmou que Borges – o sucessor e continuador da obra de Júlio de Castilhos – merecia um monumento. Mas deveria ser diferente daquele que homenageia Castilhos, pois sua opinião a respeito deste não poderia ser pior: “Já vi muito mau gosto em termos de monumentos, desde a ‘Mole Sacconiana’ que envergonha Roma, até as figuras de mármore do imperador Frederico e da imperatriz, na entrada do zoológico de Berlim, mas o monumento ao Dr. Júlio de Castilhos, para meu gosto, é simplesmente horrível. O estupendo monstro acocorado na frente, o gaúcho galopante no verso do obelisco, além disso, os símbolos de todo tipo, que ninguém que não seja positivista entende, continuam a me aparecer em pesadelos” (p. 353).[15]

            Essa avaliação, naturalmente, se refere apenas ao monumento, não ao personagem nele homenageado. Em decorrência dessa reavaliação do papel de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros, ganham também relevância as observações de 1927 sobre a revolução federalista e os próprios federalistas. Um herói maragato de sobrenome alemão da região de Estrela, José Altenhofen, festejado como um Michael Kohlhaas brasileiro, é apresentado da seguinte forma por Funke: “Também na grande revolução de 1893-1895, as colônias alemãs viveram dias terríveis. Audaciosos bandos de salteadores saquearam as regiões do Caí e do Taquari, além dos municípios de São Leopoldo e Taquara. Também um chefe alemão de um bando de salteadores, José Altenhofen, tornou-se famoso naquele tempo” (p. 355).[16]

            Os elogios a Borges até nos permitem deduzir algumas informações sobre a sociabilidade em Porto Alegre, na época. Ao elogiar a honestidade de sua administração, afirma que os salões de festa do palácio do governo não teriam recebido móveis porque Borges seria totalmente avesso à promoção de festas e recepções – prática que estaria desagradando profundamente às mulheres elegantes, pois lhes roubaria oportunidades de exibir-se.

            O fato de os livros de Funke serem escritos em alemão talvez dificulte sua utilização como importantes fontes de pesquisa sobre o Rio Grande do Sul e sobre o próprio Brasil. Mas não há dúvida de que são fontes potencialmente relevantes.



* Apresentado, em 16 de setembro de 2011, no “VIII Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos – História, Literatura e Mito: viajantes europeus na América do Sul”, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, Porto Alegre.

[1] Um exemplo é DRESSEL, Heinz F. 15 Jahre Landpfarrer in Rio Grande do Sul – Brasilien. Augsburg: FDL-Verlag, 1998.

[2] Há referências de que teria atuado também em uma escola daqui, informação que não pôde ser confirmada, mas talvez tenha sido naquilo que hoje é o Colégio Mauá, de Santa Cruz do Sul.

[3] WACHHOLZ, Wilhelm. “Atravessem e ajudem-nos”: a atuação da “Sociedade Evangélica de Barmen” e seus obreiros e obreiras enviados ao Rio Grande do Sul (1864-1899). São Leopoldo: IEPG-EST/Sinodal, 2003, p. 316.

[4] KOSCH, Wilhelm; LANG, Carl Ludwig; e FEILCHENFELDT, Konrad. Deutsches Literatur-Lexikon: das 20. Jahrhundert. Zurique/Munique: K. G. Saur Verlag, 2007, p. 314-315.

[5] BRUNN, Gerhard. Deutschland und Brasilien (1889-1914). Colônia/Alemanha: Böhlau, 1971, p. 206. Sobre o papel da emigração alemã para o Brasil e sua interferência nas relações Brasil-Alemanha, cf. CUNHA, Jorge Luiz da. Os limites da emigração. A emigração dos limites: o fracasso da legislação do 2º Reich alemão sobre emigração aos países platinos. Revista Jurídica da FADISMA, Santa Maria, vol. 1, n. 1, p. 109-142, 2006.

[6] Referências sobre a visita a Borges, em 20 de junho de 1925, podem ser vistas em Brasilien im 20. Jahrhundert. Berlim: Verlag von Reimar Hobbing, 1927, p. 353, 364.

[7] O próprio Funke relata que, depois da Primeira Guerra, seu empenho teria sido decisivo para que estudantes brasileiros tivessem conseguido estudar na Universidade de Berlim (Brasilien im 20. Jahrhundert, p. 360-361).

[8] CÔRTES, Paixão; e LESSA, Barbosa. Manual de danças gaúchas. São Paulo: Irmãos Vitale, 1997, p. 88.

[9] FUNKE, Alfred. Aus Deutsch-Brasilien: Bilder aus dem Leben der Deutschen im Staate Rio Grande do Sul. Leipzig: Verlag von B. G. Teubner, 1902; FUNKE, Brasilien im 20. Jahrhundert.

[10] As passagens referentes a Porto Alegre estão publicadas, em tradução para o português, em NOAL Filho, Valter Antonio; e COSTA FRANCO, Sérgio da. Os viajantes olham Porto Alegre: 1890-1941. Santa Maria: Anaterra, 2004, p. 81-90 e 199-206, respectivamente.

[11] O autor pode estar se referindo a Alfred Wiedemann, um personagem real, figura de destaque entre os caixeiros viajantes do Rio Grande do Sul, escritor, poeta.

[12] Alguns anos depois, ele publicou uma pequena brochura (32 páginas) sobre o mesmo assunto e com um título semelhante ao capítulo (Stürmische Tage in Deutsch-Brasilien [Dias tormentosos no Brasil-Alemão]. Berlim/Leipzig: Hillger, 1913).

[13] Um palpite é o de que a “colônia alemã” do Rio Grande do Sul viveu, a partir de 1924, certo clima de euforia, com a dissipação, ao menos parcial, do mal-estar causado pelas perseguições durante a Primeira Guerra, os festejos do centenário da imigração, o final da perpetuidade de prefeitos impostos às “colônias”, além de uma ascensão econômica e social, em especial da “colônia” de Porto Alegre. Nesse contexto, a presença de Funke poderia ter sido entendida como a de um emissário da “pátria-mãe” para reforçar os vínculos com os “alemães” do Brasil (cf. a respeito GERTZ, René E. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos 1920. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 64 e segs.).

[14] A título de exemplo, pode-se citar o famigerado relatório do secretário de obras públicas, João José Pereira Parobé, de 1903, em que afirma que seria preferível adiar o progresso material do estado a estabelecer novos colonizadores alemães, os quais se constituiriam em verdadeiros expatriados, que se negam a uma integração na sociedade brasileira (CUNHA, Jorge Luiz da. Rio Grande do Sul und die Deutsche Kolonisation. Santa Cruz do Sul: Gráfica Léo Quatke da UNISC, 1995, p. 240-242).

[15] Trata-se, obviamente, de uma referência ao monumento a Júlio de Castilhos na Praça Marechal Deodoro, a “Praça da Matriz”, em Porto Alegre.

[16] GERTZ, René E. A memória da guerra civil de 1893 nas regiões de colonização alemã. In: RAMBO, Arthur Blásio; e FÉLIX, Loiva Otero (orgs.). A revolução federalista e os teuto-brasileiros. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora UNISINOS/Editora da Universidade-UFRGS, 1995, p. 103. A referência a Altenhofen como o Michael Kohlhaas brasileiro está em PREDIGER, F. Ein brasilianischer Michael Kohlhaas. Koseritz’ Deutscher Volkskalender, Porto Alegre, 1905, p. 105-117.