Porto Alegre, 9 de dezembro de 2015.

 

 

            Ilmo. Sr.

            Hindemburgo Chateaubriand Filho

            Subprocurador-Geral da República

            SGAS 604, Lote 23

            Avenida L2 Sul

            Brasília

            70200-640

 

 

            Ilustríssimo Senhor Subprocurador:

 

           

          Como esta é uma carta-aberta – que, portanto, não quer atingir apenas seu destinatário, mas também eventuais outros leitores –, faz-se necessário contextualizar o assunto de que se tratará aqui.

 

            Desde, no mínimo, 2003, registram-se manifestações e atos classificados como “neonazistas” no Rio Grande do Sul (claro, isso aconteceu em vários outros lugares do país, mas, por razões históricas, esse estado é especialmente visado pela opinião pública, motivo pelo qual a imprensa dá muito destaque a qualquer evento que sugere “neonazismo”). No senso comum, as manifestações tidas como “neonazistas” sempre foram consideradas como produto óbvio da “colônia alemã”, só que até 2009 eles se restringiram à região metropolitana de Porto Alegre, e – mais próximo desta data – incluíram Caxias do Sul, de forma que não havia como imputar essa maldade à “colônia”. Neste último ano, porém, foi presa uma pessoa em Teutônia – uma típica “colônia alemã” –, sob a acusação de ter participado do assassinato de um casal de “neonazistas”, na região de Curitiba, como suposta ou efetiva decorrência de uma disputa interna no grupo. A partir desse momento, a “colônia” entrou definitivamente na mira da opinião pública como suposta responsável óbvia pela existência desse mal no estado – a “colônia alemã” foi a mais visada, mas a “italiana” e até a “polonesa” também foram atingidas.

 

            No entanto, em relação aos acontecimentos de maio de 2009 em Teutônia, autoridades policiais fizeram declarações enfáticas de que no município não acontecera absolutamente nada mais que a prisão do paranaense, que residia no RS havia cerca de 18 meses – ou seja, não havia grupos “neonazistas” por lá. Pouco mais de um ano depois, na noite de 20 de agosto de 2010, placas de trânsito ao longo da rodovia que atravessa o município foram pichadas com suásticas e dizeres racistas. Mais uma vez, a opinião pública e a imprensa se alvorotaram, mas mais uma vez as principais autoridades policiais com conhecimento de causa foram enfáticas em dizer, publicamente, que as pichações não haviam sido feitas por malfeitores locais, reiterando que não havia grupos “neonazistas” no município ou na região.

 

            Só que desta vez o então procurador da República em Lajeado, cuja jurisdição inclui Teutônia, entrou em ação, instaurando um procedimento administrativo para investigar o caso, procedimento que foi transformado em inquérito civil público a 1º de março de 2011. E é em torno desse fato que gira a presente querela.

 

            Minha primeira manifestação sobre a ação do então procurador em Lajeado ocorreu em 20 de novembro de 2011, em texto publicado em meu site pessoal, sob o título “A coisa está ficando cada vez mais esquisita...”. Baseado em estudos que vinham desde 2008, sobre os brutais erros cometidos pela imprensa, por autoridades e por cidadãos com capacidade de influenciar a opinião pública, quando, de forma insistente, atribuíam a origem daquilo que era chamado de “neonazismo” aos “alemães”, manifestei minha preocupação com essa nova investida de outro agente de Estado, o então procurador da República em Lajeado. Eu tinha motivos preliminares para a preocupação, pois era patente que havia registros de manifestações e atos classificados como “neonazistas”, desde 2003, na região metropolitana de Porto Alegre, incluindo, mais recentemente, notícias, em tese, muito mais graves de assassinatos em Caxias do Sul. Mas NUNCA, NUNCA havia visto qualquer notícia de que o MPF havia tomado medidas. Eu tinha razões para perguntar por que em relação ao episódio de Teutônia – CATEGORICAMENTE desmentido pela até então mais destacada autoridade policial de monitoramento e combate ao “neonazismo” no estado, o delegado Paulo César Jardim, pelo delegado local, Mauro José Barcellos Mallmann (que, naquele momento, era titular da delegacia de polícia local há 10 anos, e praticamente conhecia todos os moradores individualmente), episódio que, adicionalmente, apresentava indícios muito fortes de ter sido um atentado não DO POVO de Teutônia, mas, sim, CONTRA O POVO de Teutônia – o MPF, de repente, mostrasse tanto zelo em investigar. Em 25 de novembro de 2011, publiquei, no meu site, uma nota intitulada “Ellos amoitaran”, um texto que ironiza a “caçada a neonazistas” por parte da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, e do próprio então procurador em Lajeado.

 

            Como o ato de instauração do inquérito civil público previa sua conclusão para 1º de março de 2012, dirigi, no dia 5 desse mês e ano, e-mail ao então procurador-chefe do MPF-RS, Antônio Carlos Welter, no qual arrolei as razões de minhas preocupações em relação ao mesmo (baseadas nas informações a que tivera acesso até então), perguntando se havia relatório a respeito. No final, escrevi: “obviamente, estou à disposição para quaisquer outros esclarecimentos”. Até hoje, não tive qualquer retorno a esse e-mail, mas em 14 de março de 2012 recebi um relatório sobre o tema, assinado pelo então procurador em Lajeado. Vi que minhas preocupações anteriores tinham razão de ser – destaco, por enquanto, que elas derivaram de várias passagens do relatório, entre elas, sobretudo, dos termos dos pequenos trechos do parecer da técnica pericial em Antropologia, ali transcritos (voltarei a esse tema).

 

            Em reação, escrevi, no mesmo dia, novo e-mail ao então procurador-chefe, acusando o recebimento do relatório e agradecendo, manifestando, no entanto, estranheza em relação ao seu conteúdo. Terminei o texto com a frase: “Reafirmo minha disponibilidade para conversar – antes que seja tarde!”. Até hoje, mais uma vez, não recebi resposta direta, pessoal do então procurador-chefe, mas, no dia 15, recebi cópia de um e-mail seu ao então procurador em Lajeado, repassando minha mensagem do dia anterior (a prova de que o então procurador em Lajeado a recebeu e tomou conhecimento dela está no fato de que ela foi anexada ao processo – fl. 180-182). Tendo passado 10 dias da data de envio do e-mail ao procurador-chefe – com a reiteração da proposta de falar-lhe pessoalmente –, sem que tivesse recebido qualquer retorno, considerei-me no direito de tornar pública minha manifestação a respeito. Ela aconteceu através de uma nota, em meu site pessoal, sob o título “Que Deus proteja este nosso Rio Grande de virar uma nova Bósnia!”. Em novo e-mail ao então procurador-chefe, comuniquei a publicação desse texto, indicando o link.

 

            Novo momento importante nessa pendenga ocorreu em fevereiro de 2013, quando foi colocado no mercado meu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul. Como ali retomei os acontecimentos de Lajeado/Teutônia (p. 112-125), enviei um exemplar à então procuradora-chefe do MPF-RS, Fabíola Dörr Caloy, acompanhado de longa carta (a carta está publicada no meu site, no link http://www.renegertz.com/arquivos/REG.Teutonia.pdf, p. 44-51, datada em 14 de fevereiro de 2013). Até o presente momento, não recebi retorno de parte da então procuradora-chefe, mas como, no final da carta, requeri acesso ao processo em pauta, ela foi, aparentemente, encaminhada ao procurador em Lajeado (que não era mais aquele que instaurara o processo), pois, com data de 12 de março de 2013, recebi de lá a informação de que teria acesso ao processo, só que ele fora mandado a Brasília para fins de homologação de seu arquivamento, de forma que só estaria disponível após seu retorno a Lajeado.

 

            O retorno do processo a Lajeado foi demorado, mas em junho de 2014 recebi carta do procurador local confirmando que poderia consultá-lo, à exceção das folhas em que estão as listagens de alunos e professores de escolas de Teutônia, mais uma folha específica (fl. 233), em que haveria referências a uma pessoa que teria sido investigada como suspeita das pichações.

 

            Após a avaliação do conteúdo do processo, convenci-me de que, em termos gerais, não havia qualquer razão para reformular minhas manifestações críticas anteriores sobre o episódio das pichações em Teutônia – pelo contrário, na documentação não havia QUALQUER dado que justificasse suspeitas contra o povo de Teutônia e MUITO MENOS contra a população das demais comunas da região, as quais, mesmo assim, tinham sido importunadas com constrangedoras reuniões envolvendo secretários municipais, diretores de escolas e professores, reuniões nas quais o tema era o cumprimento do Estatuto da Igualdade Racial, fato que atingiu 5 (cinco) municípios do vale do Taquari, em relação aos quais (à exceção de Teutônia) as palavras “nazismo” ou “neonazismo” não eram pronunciadas há, pelo menos, 65 anos!

 

            Com base na convicção de que, em nenhum momento, minhas avaliações sobre os acontecimentos em Lajeado/Teutônia, derivados das pichações ocorridas a 20 de agosto de 2010, haviam sido equivocadas, publiquei, em 31 de julho de 2014, no meu site, a nota “O retorno ao ‘retorno do neonazismo’ a Teutônia”, reforçando minhas críticas à atuação do então procurador em Lajeado, e da técnica pericial em Antropologia que apresentara um parecer sobre o assunto, com sugestões para a ação. No penúltimo parágrafo dessa matéria, escrevi: “... sei que não existe hierarquia entre os procuradores, e que eles agem guiados exclusivamente por sua consciência. Mesmo assim, penso que o MPF, como instituição materialmente sustentada pela sociedade, através dos impostos que nós cidadãos pagamos, deveria fazer uma reflexão sobre o episódio em pauta” (antecipo um desafio – a que retornarei depois –, para que algum hermeneuta me prove que nesta frase esteja explícito ou implícito qualquer pedido ou mesmo só uma insinuação de repreensão ou mesmo punição a quem quer que seja!).

 

            Depois da publicação desse texto e dessa observação, eu imaginava que o MPF-RS, de fato, fizesse uma reflexão sobre a adequação ou não da ação de seus agentes no caso de Lajeado/Teutônia, tendo em vista possíveis situações iguais ou semelhantes no futuro (como cientista social, já recomendara, em carta – formal, com cabeçalho, impressa em papel A4, com assinatura, ainda que sem firma reconhecida, portanto não através da simples indicação de um link de internet! –, de 14 de fevereiro de 2013, à então procuradora-chefe, que o recurso exclusivo ao parecer de um[a] antropólogo[a] em casos semelhantes é desrecomendado, sugerindo o recurso individualizado a, no mínimo, mais dois cientistas sociais de outras áreas). Também tinha motivos para esperar que o MPF-RS, finalmente, tomasse uma posição diante de frequentes insinuações públicas – não só de pessoas físicas, mas até de agentes de Estado! – de que os “alemães” do Rio Grande do Sul são portadores de maldades inatas.

 

            Quanto à realização dessa “reflexão”, obviamente, não tenho como saber se ela foi feita, ou não. Mas insinuações públicas de que “alemães” são portadores de maldades inatas continuaram, sem qualquer sinal de mudança de atitude por parte do MPF-RS, e, em contrapartida, foram noticiadas ações imediatas frente a atos considerados ofensivos a outras “etnias”. Essa situação me levou a enviar nova carta à procuradora-chefe do MPF-RS. Esta carta está publicada em anexo a este texto. Ela está datada de 19 de junho de 2015, e, de acordo com documentação dos Correios em meu poder, foi entregue no seu destino às 17h44min do dia 22 de junho de 2015. Como mais de 60 dias após a entrega comprovada não havia recebido QUALQUER retorno, e, muito menos, resposta a essa carta, reiterei-a, com data 24 de agosto de 2015, em correspondência comprovadamente entregue às 17h02min do dia 25 de agosto de 2015 (antecipo, mais uma vez, que as duas cartas foram entregues impressas em papel, assinadas, em termos claros e respeitosos – e não através da remessa de um link pelo qual a então Senhora procuradora-chefe devesse localizá-las no éter!).

 

            Apesar de a carta estar publicada, na íntegra, em anexo, quero resumir os quatro conjuntos de perguntas que dirigi à então procuradora-chefe do MPF-RS. Trata-se de perguntas claras, objetivas, que ela tinha condições de responder com absoluta facilidade, mesmo para, eventualmente, dizer que não havia sido adotada nenhuma providência: 1º) Foram tomadas providências em relação ao caso Lajeado/Teutônia (ou seja, fez-se uma “reflexão” a respeito)? Caso positivo, os cidadãos comuns (como eu) têm direito a tomar conhecimento do resultado? Caso negativo, ainda poderá vir a ser tomada uma atitude? 2º) Por que as denúncias recentemente anunciadas de um colega ao MPF-RS, por agressão a determinada “etnia”, teriam gerado uma reação imediata do MPF-RS, enquanto minhas denúncias, até prova em contrário, nunca geraram qualquer ação ou explicação para sua ausência, dirigida a mim – isso se deve à forma errada em que minhas denúncias foram apresentadas ou à inconsistência de seu conteúdo? 3º) Considerando que as denúncias por mim apresentadas, em tese, são imprescritíveis, há alguma esperança de que o MPF-RS ainda venha a tomar alguma providência? 4º) Como ocorrem frequentes insinuações públicas de que os “alemães” seriam portadores de maldades inatas, minha quarta pergunta foi se o MPF-RS possui provas a respeito? Caso a resposta fosse positiva, requeri, como cientista social com formação na área e pesquisador do tema, acesso a elas, para avaliá-las.

 

            ATENÇÃO, para que não ocorra nenhum mal-entendido: SOMENTE a primeira dessas quatro perguntas tem algo a ver com os acontecimentos ligados à ação do então procurador em Lajeado e da técnica pericial em Antropologia (NO ENTANTO, NÃO CONTÉM QUALQUER LETRA QUE PEÇA A REABERTURA DO CASO, E MUITO MENOS PUNIÇÃO OU MESMO SÓ REPREENSÃO A QUEM QUER QUE SEJA), MAS, MAS, MAS, como se verá adiante, esta foi a “leitura” exclusiva feita de minha carta, e TODA a alauza desencadeada em torno dela se concentra nessa interpretação equivocada, enquanto as demais 3 (três!) perguntas foram SOLENEMENTE ignoradas!

 

            Como se vê, são perguntas claras, formuladas em termos respeitosos, e em relação às quais a então procuradora-chefe deveria ter condições de apresentar resposta(s). Claro, não tenho como avaliar se a Senhora então procuradora-chefe tomou alguma outra providência, mas há indícios de que “empurrou” o caso para o atual procurador em Lajeado, o qual, com data de 16 de julho de 2015, respondeu através de um “declínio de atribuição”, o qual está anexo. Depois que reiterei minha carta à então procuradora-chefe, em 24 de agosto de 2015, ela, aparentemente, remeteu o caso, mais uma vez, ao procurador em Lajeado, pois este, em correspondência de 10 de setembro de 2015 (efetivamente entregue em minha casa a 22 de setembro), remeteu-me seu “declínio de atribuição” em relação ao pedido da então procuradora-chefe, datado de 16 de julho de 2015. Como reação, enviei-lhe um e-mail, datado de 23 de setembro de 2015, solidarizando-me com seu posicionamento. Ele remeteu cópia deste e-mail à procuradoria em Porto Alegre, e SÓ ENTÃO, com data deste mesmo dia 23 de setembro de 2015, recebi o seguinte e-mail:

 

"De ordem da Exma. Sra. Dra. Fabíola Dörr Caloy, Procuradora-Chefe desta Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, informo que a notícia apresentada por V. Sa. perante a Procuradoria da República no Município de Lajeado/RS (PR-RS-00022625/2015) foi registrada sob a NF 1.29.014.000115/2015-66 (Notícia de Fato) e remetida a esta PR-RS, como já informado a V. Sa por meio do Ofício nº 738/2015, do Exmo. Sr. Procurador da República, Dr. Cláudio Terre do Amaral. Após seu ingresso nesta PR-RS, a referida Notícia de Fato foi enviada ao Núcleo Cível Extrajudicial desta Casa, que a distribuiu ao 14º Ofício da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul. Saudações! João Arthur Farias da Cruz. Assessor-Chefe Nível II - Assessoria Jurídica".

 

 

            Em relação a esse texto, enfatize-se apenas que eu NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM apresentei “notícia” “PERANTE a Procuradoria da República no município de Lajeado” – de fato, eu mandei uma carta endereçada à Senhora então procuradora-chefe do MPF-RS, Fabíola Dörr Caloy, para o endereço do MPF-RS em Porto Alegre! E ela, ELA, em vez de responder às minhas perguntas claras, objetivas, remeteu essa carta ao procurador em Lajeado, o qual não tinha NADA, NADA a ver com o caso, SOBRETUDO EM RELAÇÃO ÀS PERGUNTAS 2, 3 e 4! Esse fato, por si só, até prova em contrário, evidencia que não é possível aplicar o adjetivo “brilhante” à então chefia do MPF-RS!

 

            Por vias que desconheço, o encaminhamento de minha carta anunciado no e-mail recém transcrito acabou nas mãos do Senhor Subprocurador-Geral da República, Corregedor-Geral do Ministério Público Federal, Hindemburgo Chateaubriand Filho. Este emitiu, com data 26 de novembro de 2015, uma “Decisão Nº 73/2015 – HCF” (anexa), na qual determina “o arquivamento deste expediente”. Além de considerações iniciais e de um item 14, em que está o texto da decisão, tomo a liberdade de – a partir deste momento – fazer um breve resumo dos 13 itens anteriores, acrescido de um comentário meu.

 

            1) Eu teria imputado “ao Procurador da República Nilo Marcelo de Almeida Camargo declarações ofensivas a comunidades de colonização germânica localizadas no vale do Taquari”.

 

            Devo começar pedindo desculpas por não poder tecer comentários a respeito desse ponto, pois minha memória não registra essa ação. Poderei comentar essa afirmação só depois que me forem apresentados os termos exatos dessa imputação!

 

            2) Eu teria manifestado “descontentamento com o resultado de procedimento administrativo no âmbito da Procuradoria da República no município de Lajeado para apurar a disseminação de símbolos nazistas na cidade de Teutônia/RS. Critica[do] o parecer da perita em antropologia que serviu de base para a atuação do Representado [o então procurador da República em Lajeado], cujas conclusões [estariam] apoiadas em fonte absolutamente viciada”.

 

            Sim, reafirmo tudo aquilo que escrevi na nota “O retorno ao ‘retorno do neonazismo’ a Teutônia”. Desafio o Senhor Subprocurador, o então procurador em Lajeado e a técnica pericial em Antropologia para um debate público a respeito. Só para, mais uma vez, evitar mal-entendidos: a “fonte absolutamente viciada” foi usada pela técnica pericial em Antropologia em seu parecer, para fundamentar suas sugestões sobre ações que deveriam ser desencadeadas para, aparentemente, tentar catapultar a população de Teutônia da suposta condição de barbárie para o estado de civilização! Trata-se de um livro do chefe de polícia do RS demitido em 1943, em virtude das acusações de que ele e policiais sob seu comando haviam cometido crimes hediondos contra “alemães” e “italianos” – acusação que foi formalizada em 1947, através de denúncia do então procurador-geral do RS, João Bonumá, ao Tribunal de Justiça do RS (caso a que retornarei). Mesmo que as insinuações contidas no livro de Aurélio da Silva Py (a tal “fonte viciada”) de que praticamente todos os “alemães” do estado, naquela época, eram nazistas desvairados fossem verdadeiras, não se consegue entender que isso tem a ver com a avaliação da comunidade de Teutônia, em 2010! Data venia, mesmo que TODOS os teutonienses da época efetivamente tivessem sido nazistas, só o pressuposto da existência de maldades inatas entre os “alemães” justificaria o recurso a essa “fonte viciada”, para avaliar os habitantes atuais, 70 anos depois do final da guerra.

 

            3) Eu estaria apontando omissão do MPF em apurar atos discriminatórios contra “alemães”, citando como exemplo as declarações de dois professores-doutores ligados a universidades públicas federais brasileiras.

 

            Para que o público possa avaliar essa questão, apresento afirmações de cada um deles (sem nominá-los): “Porque estamos falando de colonos alemães que vieram do campesinato reacionário, bávaro, pomerano, e dos camponeses italianos, que eram entusiastas do nazismo e do fascismo na II Guerra. Continuam sendo. O que tem de grupo de extrema-direita no sul do Brasil é muito. O foco da direita fascista, nazista é o Paraná e o Rio Grande do Sul”; “... na repressão ao batuque pela Igreja Católica [no Rio Grande do Sul], cuja cúpula e muitos padres são descendentes de alemães, tidos, no geral, como muito racistas. Outras ordens, de italianos, não ficam muito longe destes”. Senhor Subprocurador da República, o Senhor tem certeza de que essas frases não contêm nada de ofensivo às “etnias” citadas? E se substituíssemos a palavra “alemães” por “negros”, o Senhor continuaria a considerar que essas frases constituem um hino de louvor a eles? Sou um intransigente defensor da liberdade de opinião/expressão, mas me pergunto se neste caso – com acusações tão graves contra coletividades – o mínimo que se poderia esperar do MPF não seria consultar essas pessoas para perguntar se possuem provas, se essas afirmações estão baseadas em pesquisas reconhecidas pela comunidade científica? Tenho certeza de que o Senhor não discordará de mim no sentido de que se essas afirmações são verdadeiras, caberia uma ação para modificar a situação – talvez algo como aquilo que o então procurador em Lajeado tentou fazer para a região do vale do Taquari. MAS, se essas afirmações foram feitas sem base factual objetivamente aceitável, são ofensivas às comunidades atingidas por elas!

 

            4) A partir deste ponto, o Senhor Subprocurador apresenta a defesa que o então procurador em Lajeado fez perante o primeiro, afirmando que instaurou o referido procedimento administrativo sobre as pichações em Teutônia, depois transformado em inquérito civil público, “destinado a prevenir manifestações de inspiração nazista”.

 

            De fato, trata-se de uma simples afirmação. Mesmo assim, cabem alguns comentários. Para instaurar um procedimento, deve haver uma razão, e, nesse sentido, cabe lembrar que a instauração do procedimento está datada de 1º de setembro de 2010 (as pichações haviam ocorrido no dia 20 de agosto). Mesmo que o então procurador em Lajeado não tenha tomado conhecimento do desmentido CATEGÓRICO SOBRE A INEXISTÊNCIA DE NEONAZISTAS EM TEUTÔNIA por parte do delegado Paulo César Jardim mancheteado no Correio do Povo de 26 de agosto, o próprio processo apresenta em sua fl. 3 cópia de notícia de O Informativo do Vale, Lajeado, de 20 de agosto (p. 19), informando: “já o titular da 1ª DP de Porto Alegre – delegacia onde ocorreram os inquéritos que levaram à prisão os integrantes destas gangues pelo estado [no ano anterior!] – descarta qualquer possibilidade de reorganização”. Na fl. 4 do processo, está uma cópia do mesmo O Informativo do Vale, edição de 26 de agosto (p. 23), onde se encontram as seguintes informações: “Conversamos com o delegado Paulo César Jardim (titular da 1ª DP da capital e especializada nesse assunto) e ele também se mostrou cético sobre essa possibilidade” [de haver “neonazistas” em Teutônia]. Mais adiante: “Segundo o delegado [Mauro Mallmann, de Teutônia], as únicas informações obtidas até agora foram passadas por uma pessoa que afirma que um grupo, de pelo menos quatro jovens, estaria se reunindo regularmente em uma oficina”. E ainda: as pichações teriam sido feitas “por uma mesma pessoa, devido ao formato das letras e ao material usado para a impressão. Possivelmente, o fez por molecagem, pois não parece ser conhecedor da causa (desenhou a suástica errada)”. Ou seja, em português claro, já no ato da instauração do procedimento, o então procurador da República em Lajeado tinha informações (e as anexou ao processo!) de que havia motivos muito fortes para duvidar da existência de “neonazistas” em Teutônia. Admitamos que tenha instaurado, mesmo assim, o procedimento para não correr riscos. A pergunta que precisa ser respondida é por que o transformou em inquérito civil público, seis meses depois, a 1º de março de 2011, quando não há nos autos do processo NENHUM, NENHUM, NENHUM dado novo apontando para a existência de “neonazistas” em Teutônia? Mais: por que, diante da ausência de QUALQUER, QUALQUER, QUALQUER alteração em relação a informações sobre “neonazistas” em Teutônia ou na região, esse processo foi, mesmo assim, prorrogado em março de 2012? Isso ocorreu por causa do amor, da admiração que o então procurador nutria pelos “alemães” da região?

 

            5) Neste item, o então procurador justifica a instauração do Inquérito Civil Público: o objetivo teria sido “fomentar ações voltadas à integração racial e cultural da população”.

 

            Como se verá adiante, o então procurador insistiu que não nutre nenhuma prevenção contra os “alemães”. A pergunta que precisa ser respondida é por que o MPF SÓ NESTA REGIÃO promoveu esse tipo de ação, pois não há notícias de que ela tivesse sido levada a cabo em QUALQUER, QUALQUER outra região do país ou do estado. Se o então procurador em Lajeado está convicto de que os “alemães” não são portadores de maldades ou taras inatas, por que esse tratamento especial em relação ao povo de toda a região do vale do Taquari, conhecido como uma típica região de “colonização germânica”, como ele mesmo se expressou?

 

            6) O então procurador em Lajeado reconheceu que deu publicidade ao desencadeamento de suas ações de combate ao “neonazismo” através de declarações a O Informativo do Vale, mas que teria estado preocupado em “distinguir o grupo responsável pelas manifestações em Teutônia do restante da população”.

 

            De fato, em suas declarações ao jornal, no dia 11 de setembro de 2010, p. 26 (fl. 13 do processo), encontramos as seguintes duas frases: “A região não deve carregar essa pecha. Sabemos que é um grupo fechado, um inimigo antigo”. Mas, MAS, estas duas frases são, no mínimo, repito: NO MÍNIMO, relativizadas por algumas outras declarações e medidas, pois nesta própria matéria lemos: “Queremos descobrir o que está levando a isso, entender o porquê de algumas regiões do Vale do Taquari – de colonização germânicaterem esta tendência” [querendo dizer, obviamente, “tendência ao neonazismo”]. Impressionante, ficaria muito grato se o Senhor Subprocurador me pudesse indicar, novamente, um hermeneuta que me convença de que aqui está totalmente excluída a possibilidade de que o então procurador em Lajeado tenha pretendido lançar uma suspeita mais ampla em relação aos seres humanos originários de “colonização germânica” da região, a quem atribui uma TENDÊNCIA ao “neonazismo”. Mais, à fl. 156 do processo, o então procurador em Lajeado escreveu: “o ressurgimento de um movimento neonazista [em Teutônia] revela graves problemas de índole cultural” – novamente, Senhor Subprocurador, se impõe a pergunta se os “graves problemas de índole cultural” se restringem aos quatro meninos que um jornalista de Lajeado apontou como supostos ou efetivos “neonazistas” de Teutônia? De sã consciência, é possível imaginar que essa observação pessimista se referisse exclusivamente a esses supostos ou efetivos pimpolhos? Mais: o então procurador em Lajeado acolheu o parecer da técnica pericial em Antropologia, no qual se encontram pérolas do seguinte teor: “... além das medidas de repressão das referidas ações detectadas isoladamente (como a pichação de símbolos em placas) e que já têm sido tomadas pelos órgãos de segurança pública, é de suma importância não nos descuidarmos da dimensão de prevenção que a situação exige e de modo a não focar unicamente na dimensão INDIVIDUAL dos comportamentos desviantes que fragilizam o CONJUNTO da sociedade” (fl. 117-118 do processo). Em outro lugar, o próprio procurador como que adota as palavras da antropóloga, referendando-as, portanto: “a antropóloga destaca em seu estudo a necessidade de ‘esclarecer AO CONJUNTO dos concidadãos de Teutônia sobre o valor da convivência social entre diferentes grupos sociais, sobre formas adequadas e benéficas de promoção do bem comum mediante ao [sic] uso intercultural das redes eletrônicas’” (fl. 155 do processo). Mais uma vez, recorro ao Senhor Subprocurador para que me indique um hermeneuta que me prove que a Senhora perita estivesse se referindo EXCLUSIVAMENTE aos quatro supostos ou efetivos pimpolhos “neonazistas”, e que sua frase constitui, de fato, um hino de louvor e de consideração para com “O CONJUNTO” da sociedade de Teutônia. Data venia, essas frases todas – e há outras –, no mínimo, eu disse: no mínimo, enfraquecem a importância da frasezinha em que o então procurador em Lajeado efetivamente verbalizou preocupação com a reputação da região. Mas, SOBRETUDO, eu pergunto: por que o então procurador em Lajeado trombeteou pela imprensa a instauração do processo para investigar supostas ou efetivas manifestações “neonazistas”, levando, com certeza, parte significativa da opinião pública a incorporar mais um dado negativo sobre Teutônia e região, em sua memória, e NÃO convocou uma coletiva de imprensa para enfatizar que não encontrara NADA, por ocasião do arquivamento do processo. Senhor Subprocurador da Republica, o Senhor conhece a resposta para esta pergunta?

 

            7) Este item se refere à afirmação do então procurador em Lajeado de que baseou sua atuação em “estudos antropológicos”, e que seria contraditório imaginar que alguém que – como ele – estivesse tentando combater preconceitos, ao mesmo tempo poderia praticá-los.

 

            Como em NENHUM momento afirmei, em NENHUM momento insinuei que o procurador tivesse agido de má fé, não tenho NENHUM motivo para contestar essa afirmação. O mesmo vale para a técnica pericial em Antropologia, ainda que considere algumas passagens de seu parecer desastradas. Preciso, porém, informar ao procurador que, sim, existem pessoas que se dizem fervorosos antirracistas, mas, na verdade, são verdadeiros hiperracistas. Posso indicar casos concretos de pessoas que se dizem fervorosos combatentes do “neonazismo”, e nessa sua suposta luta apontam para os “alemães” e, no mínimo, sugerem: “os responsáveis são aqueles [animais] ali!” – sem que houvesse QUALQUER base factual para esse tipo de afirmação. Repito: NÃO É O CASO DO ENTÃO PROCURADOR EM LAJEADO NEM DA TÉCNICA PERICIAL EM ANTROPOLOGIA.

 

            8) Em sua defesa, o então procurador em Lajeado ”junta aos autos cópia com entrevista em que o Representante [René Ernaini Gertz] hostiliza outras autoridades que também atuam em casos relacionados a manifestações neonazistas, com claro propósito de desacreditá-las”.

 

            Mais uma vez: IMPRESSIONANTE! Em termos de entrevista, só me lembro de uma, dada ao IHU/UNISINOS, onde, de fato, critico o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, mas creio que o então procurador em Lajeado esteja pensando em minhas referências a um agente de Estado (subordinado ao Poder Executivo do RS) que, de fato, tenho criticado em diversas oportunidades. Mais uma vez, deixo ao Senhor Subprocurador e aos demais leitores formarem sua própria opinião, transcrevendo declarações desses senhores que combatem o “neonazismo”, sem identificá-los, enfatizando, porém, que sempre que transcrevi e comentei essas afirmações indiquei, de forma cristalina, a fonte – informo também que, até a presente data (9/12/2015), não fui contestado publicamente por nenhum dos atingidos, e até esta data não tenho notícias de que qualquer um deles tenha recorrido ao Poder Judiciário para denunciar minha suposta campanha para “desacreditá-los”. Vamos, portanto, a exemplos de frases dadas à publicidade pelos referidos cidadãos (não vou indicar as fontes, mas elas estão em outros lugares de meu site, no meu citado livro, e quando não forem encontradas em nenhum desses dois lugares, peço contactar comigo, que as forneço). Resposta à pergunta se “o crescimento da violência, como a atuação de grupos neonazistas como os skinheads, estaria ligado à colonização alemã no Rio Grande do Sul?”: “O relatório do governo norte-americano a respeito da situação das vítimas no mundo destaca esse episódio. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e parte do Paraná, temos uma situação bem particular. Trata-se de uma região de forte colonização alemã e que, em termos ideológicos, ficou parada no tempo. Ainda hoje, atuam inspirados na Alemanha nazista e apoiam o projeto de Hitler. Outra frase – resposta a uma repórter, em matéria sobre “neonazismo” no Rio Grande do Sul: “A senhora lembra o seguinte: o sul do Brasil é basicamente originário de colonização alemã, italiana, polonesa”. E mais uma pérola especial: “Os maiores crimes [‘neonazistas’] aconteceram lá [no ‘sul’], mas não N-E-C-E-S-S-A-R-I-A-M-E-N-T-E entre descendentes de alemães”. Excelentíssimo Senhor Subprocurador da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, o MPF considera essas afirmações absolutamente normais, sem qualquer ressalva a fazer, e, pelo contrário, considera que persegue “o claro propósito de desacreditar” autores de frases desse tipo aquele que as critica de público (como eu o fiz)? Neste caso, repito a pergunta: se nos lugares em que está a palavra “alemães” estivesse a palavra “negros”, o MPF continuaria a considerar essas frases como absolutamente normais. Senhor Subprocurador, desafio-o a dar uma resposta pública a essas perguntas. Repito observação já feita: sou intransigente defensor da liberdade de opinião/expressão, mas será que, diante da gravidade das acusações feitas, não seria importante verificar junto a seus autores se possuem provas que possam ser reconhecidas de forma inequívoca como tais, intersubjetivamente?

 

            9) O então procurador em Lajeado considerou um “contrassenso” as restrições que fiz a sua atuação no episódio das pichações em Teutônia, porque, além de “possuir amigos de ascendência germânica”, é casado com uma “teuto-brasileira”.

 

            Quanto a esta última informação, eu até desconfiava, pois ao tentar encontrar dados sobre ele, encontrei uma coluna social em que foi noticiado seu casamento na Igreja São José, em Porto Alegre, antigamente cognominada “dos alemães”. Em nenhum momento, eu contestei seu apreço pelos “alemães” ou “teuto-brasileiros”. Não quero aventurar-me a conjeturar sobre o apreço (ou falta dele) que pessoas casadas com “teuto-brasileiro(a)s” possam ter em relação aos mesmos. Quero apenas constatar que o ex-procurador-chefe do MPF-RS Antonio Carlos Welter é “teuto-brasileiro”. Se tivesse grande apreço pelos “alemães” ou “teuto-brasileiros” do vale do Taquari, certamente não teria ignorado as minhas 2 (duas!) ofertas de diálogo, quando lhe comuniquei que havia problemas na região. Da mesma forma, lembro que a ex-procuradora-chefe do MPF-RS Fabíola Dörr Caloy provavelmente também é “teuto-brasileira”. Escrevi a ela 2 (duas!) cartas, pela mesma causa, e aquilo que ela fez com essas cartas foi relatado acima. Também cabe lembrar um dado histórico: dos 52 policiais que o procurador-geral do RS, João Bonumá, denunciou ao Tribunal de Justiça do RS, em 1947, acusados de terem cometido crimes hediondos contra “alemães” e “italianos”, durante a Segunda Guerra Mundial, encontravam-se, nada menos que 14 (repito: quatorze!) sobrenomes claramente alemães. Como o TJ não entrou no mérito da denúncia, e arquivou o processo, que depois se perdeu no incêndio do prédio do tribunal (assim como se perderam os originais da documentação comprobatória, em função do incêndio do Palácio da Polícia), a impunidade, aparentemente, incentivou um desses policiais a prosseguir sua trajetória criminosa, vendendo, de forma fraudulenta, bens de “súditos do Eixo” que ainda se encontravam sob sua administração. Foi o único condenado, em novo processo. Chamava-se Ernani Baumann, filho de um casal imigrado da Alemanha.

 

            10) O Senhor Subprocurador afirma que, a partir dos termos de minha carta à então Senhora procuradora-chefe do MPF-RS, não detectou “nenhuma falta disciplinar” cometida pelo então procurador em Lajeado.

 

            A respeito desse ponto, tenho a declarar: a) em NENHUM momento insinuei e, muito menos, afirmei isso; b) a carta foi escrita para a então procuradora-chefe do MPF-RS, da qual eu tinha o direito de pressupor que estivesse a par dos acontecimentos, liberando-me, por isso, de entrar em detalhes; ELA enviou essa carta para sua (Subprocurador da República) apreciação – sem meu conhecimento; o Senhor, por sua vez, deu chance de defesa ao então procurador em Lajeado, mas não deu chance a mim para precisar minhas restrições às declarações e aos atos dele, no episódio (de forma que aqui as “partes” não tiveram a mesma chance, afetando o princípio da isonomia); c) eu efetivamente utilizei palavras duras em relação a um ato do então procurador em Lajeado; está amplamente documentado em meus comentários, no meu site, e também nesta carta, que o próprio procurador sabia da existência de indícios fortes de que as pichações, portanto as maldades, não haviam sido praticadas por integrantes da comunidade de Teutônia; estávamos, portanto, diante de apenas SUPOSTAS maldades cometidas por indivíduos integrantes da comunidade de Teutônia; em minha modestíssima opinião, em primeiríssimo lugar, deveria ter sido investigada, a fundo, a efetiva autoria da maldade, para, caso confirmada como praticada por integrantes da comunidade de Teutônia, eventualmente convocar técnicos “neutros” para discutir que medidas tomar; MAS, que o então procurador fez?: sem qualquer investigação registrada nos autos sobre a autoria efetiva das pichações, convocou uma reunião para a qual convidou, FORMALMENTE, pessoas declaradamente identificadas com instituições de outras “etnias” – imagine-se a situação: para tentar lidar com SUPOSTOS problemas com os “alemães” do vale do Taquari, convidou outras “etnias” para opinar sobre formas para combater as maldades de que os primeiros estavam sendo acusados; mesmo que essa ação tenha sido desencadeada com as mais nobres intenções, e que ela não caracterize qualquer “falta disciplinar”, foi de uma infelicidade atroz! Gostaria de perguntar que o Senhor então procurador em Lajeado responderia a um cidadão afoito do vale do Taquari que o acusasse de ter convidado algumas “boas etnias” para ajudar-lhe a encontrar soluções para lidar com a “má etnia” predominante no referido vale? E, por favor, não me venha com o argumento de que em nenhum momento dessa reunião foi dito que a região é de “colonização germânica” (como o próprio então procurador se expressou) – lá estava presente, como representante de uma determinada “etnia”, uma doutora em História pela USP, minha colega durante muitos anos no Departamento de História de uma das mais importantes universidades brasileiras, de quem o então procurador em Lajeado, obviamente, não podia esperar que não tivesse a mais pálida noção de quem constitui a “etnia” suposta ou efetivamente predominante em Teutônia; e mesmo analfabetos consideram-na uma típica “colônia alemã”.

 

            11) Neste item, é lembrada afirmação de que as declarações do então procurador em Lajeado são claras em evidenciar que apenas um pequeno grupo seria, SUPOSTAMENTE, “neonazista” em Teutônia, e que havia a preocupação em “evitar a estigmatização do restante da população local”.

 

            Frente a essa reiteração, apenas reitero a pergunta: por que o então procurador não deu a mais ampla publicidade ao arquivamento do processo, que, afinal, representou a confissão de que não havia encontrado “neonazistas” na região? Ele escreveu no despacho de arquivamento: “Assim, no que se refere à investigação policial sobre fatos narrados inicialmente, no tocante à disseminação de símbolos nazistas na cidade de Teutônia/RS, ou mesmo a existência de uma célula neonazista no citado Município, tem-se que o inquérito policial concluiu pela sua INexistência” (fl. 240b do processo), mas essa informação, em vez de ser, agora sim, trombeteada aos quatro ventos, como forma de ao menos tentar recuperar a dignidade do povo de Teutônia, ficou restrita aos arquivos do MPF, e não chegou ao público, permanecendo na memória deste a informação publicamente trombeteada por ocasião da instauração do procedimento.

 

            12) Aqui se afirma que as ações extrajudiciais, isto é, a rigor, a campanha para educar a população do vale do Taquari [não só de Teutônia!], não apresentariam nenhum caráter ilícito, e que teriam visado a combater “ações de intolerância por meio de ações educativas, tal como foi sugerido em parecer técnico [da técnica pericial em Antropologia], que não teria motivos para desconsiderar”.

 

            Começo pelo final: uma leitura atenta do parecer da técnica pericial teria dado motivo a não acatá-lo; e, no geral: por que “combater ações de intolerância” se em todo o processo não há UMA ÚNICA PROVA de que tenham ocorrido casos de intolerância na região?

 

            13) Este item diz que seria falsa minha insinuação ou acusação de que outros procuradores teriam sido omissos em relação a meus contatos, nos quais chamei atenção para os problemas de que estamos tratando aqui.

 

            Em relação a esse ponto, peço licença para rememorar o seguinte: a) remeti dois e-mails ao então procurador-chefe apontando problemas, e me oferecendo para detalhá-los pessoalmente, na tentativa de evitar males maiores; ele não me respondeu em ambas as ocasiões; como a imprensa noticiou que Hilary Clinton administrou a política externa dos EUA em parte através de e-mails, creio que o MPF também deve estar aceitando essa forma de comunicação como normal; b) as duas cartas à então procuradora-chefe foram enviadas impressas em papel, estão vasadas em termos respeitosos, possuem cabeçalho, texto claríssimo, endereço postal e e-mail para contato, assinatura, e, MESMO ASSIM, NENHUMA DELAS foi respondida; aliás, na última formulei de forma CRISTALINA uma pergunta sobre a forma que o MPF exige para apreciar uma demanda de um cidadão; mas em vez de a Senhora então procuradora-chefe dar uma resposta direta para mim, enviou essa carta, primeiro, ao atual procurador em Lajeado (que não tem NADA a ver com o caso), depois, ao Senhor Subprocurador, o qual, de alguma maneira, respondeu, mas sobre a FORMA exigida para apreciar uma correspondência não há NENHUMA palavra em sua Decisão nº 73/2015 – HCF (anexa); diante desses fatos todos, posso estar satisfeito com o tratamento recebido por parte das então chefias do MPF-RS?

 

            Caso o Senhor Subprocurador da República se tenha dignado a ler esta minha carta até este ponto, tenho certeza de que se convenceu de que não sou um panfletário “neonazista”, e de que os acontecimentos de Lajeado/Teutônia desencadeados a partir das pichações em agosto de 2010 foram um pouco mais complexos e problemáticos do que ele imaginou a partir de minha carta, e da defesa feita pelo então procurador em Lajeado. Tenho certeza de que se terá convencido, agora, de que a atuação de integrantes do MPF-RS em relação ao caso apresenta, no mínimo, repito: no mínimo, alguns senões. Espero que ele tenha entendido também que minha intenção ao insistir no assunto SEMPRE foi a de motivar o MPF-RS a fazer uma reflexão sobre aquilo que ali ocorreu. Eu NUNCA tive a intenção de exigir a punição de quem quer que seja – esperava apenas que como professor sênior de duas importantes universidades brasileiras (uma delas constando como a mais importante do Brasil, em alguns rankings), como pesquisador do assunto em pauta, como cientista social, recebesse uma atenção mínima por parte da chefia do MPF-RS. Se a partir de algum momento minha linguagem ficou mais incisiva, mais “agressiva”, isso se deveu justamente ao fato de que as direções do MPF-RS não me deram retorno. Obviamente, não espero a reabertura do “processo” arquivado pelo Senhor Subprocurador da República, porque NUNCA pensei em “pedir a cabeça” de quem quer que seja. Como cidadão, vi-me moralmente obrigado a comunicar às chefias do MPF-RS que os atos praticados pelo então procurador em Lajeado poderiam trazer consequências indesejadas.

 

            Recentemente, postei em meu site pessoal uma nota intitulada “Mais um alerta aos navegantes!”, que se refere ao caso de um brasileiro de origem alemã que foi perseguido por agentes de Estado durante o Estado Novo (1937-1945). A família reivindicou – em ação judicial desencadeada alguns anos atrás – indenização. O STJ lhe deu ganho de causa, condenando o Estado Brasileiro. Houve recurso ao STF contra essa decisão, mas ele foi negado, confirmando, portanto, a decisão da instância anterior. Na sentença do STJ lê-se que a vítima sofreu “danos morais. Imprescritibilidade. Tortura, racismo e outros vilipêndios à dignidade da pessoa humana”. Não sou jurista, mas tenho certeza de que essa decisão constitui robusta jurisprudência de que se uma pessoa de pele branca como a neve, de olhos verdes, cabelos ruivos, de origem sueca for agredida (física ou moralmente) por causa dessa sua condição, cabe aplicar ao(s) autor(es) da agressão o Art. 20 da Lei 7.716 (com seus desdobramentos), como em qualquer caso de racismo. E tenho certeza também de que a mesma legislação deveria ser aplicada diante de agressões iguais ou semelhantes contra coletividades.

 

            Em minha primeira carta à então procuradora-chefe do MPF-RS, recomendei que, em casos semelhantes, os procuradores moderassem sua “intempestividade”, pois a ocorrência de pichações com símbolos nazistas não significa que foram feitas por “neonazistas”, e que se deva pressupor, ipso facto, sua existência nos locais em que elas ocorreram. Nesse sentido, remeto a uma postagem recente em meu site, intitulada “É Fantásticoooo!”, onde mostro que o disparadíssimo geográfica e cronologicamente mais amplo episódio de pichações com suásticas, da Segunda Guerra Mundial até hoje, em território gaúcho e brasileiro, teve como autores integrantes da Juventude do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.

 

            Não sou um sanguinário que estivesse insistindo na imprescritibilidade desses atos, mas espero, sinceramente, que o MPF ainda venha a refletir sobre aquilo que aconteceu em Lajeado/Teutônia, e lance, num futuro próximo, uma diretriz – com ampla divulgação na sociedade – informando que, de agora em diante, também serão instaurados procedimentos, e, se for o caso, inquéritos civis públicos, quando houver indícios de agressão a qualquer pessoa ou a qualquer coletividade em relação a um ou mais dos itens previstos no Art. 20 da citada lei (raça, cor, etnia, religião, procedência nacional).

 

            Atenciosamente.

                                                                                  René Ernaini Gertz

 

 

[Em primeiro lugar, penitencio-me pelo erro na grafia do nome do Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, na carta-aberta que lhe foi enviada. Na versão original, após meu nome e minha assinatura, estavam o endereço postal completo, mais e-mail e número de telefone, para contato. De acordo com documentos dos Correios em meu poder, esta correspondência foi entregue no destino às 16h52min do dia 10/12/2015. Como decorreu uma semana completa, desde então, sem que tivesse ocorrido contato – obviamente, eu não espero por resposta a uma carta tão longa em tão curto espaço de tempo –, parto do pressuposto de que o Subprocurador-Geral deu sua anuência tácita à publicação, pois o primeiro parágrafo é claro em dizer que se trata de uma “carta-aberta”]. [17/12/2015]

 

Anexos:

 

- Decisão n. 73/2015 – HCF, do Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho.

 

- Carta à então procuradora-chefe do MPF-RS Fabíola Dörr Caloy.

 

- Declínio de atribuição do procurador da República em Lajeado.