Adriana Abreu Magalhães Dias é endeusada, glorificada, pela imprensa, como a maior pesquisadora e conhecedora de "neonazismo" no Brasil. De minha parte, tenho sérias restrições a essa senhora, naquilo que tange a este tema, pelos motivos que seguem. Meu primeiro embate com ela aconteceu durante o primeiro semestre de 2008. Em 2007, ela havia defendido uma dissertação de mestrado em Antropologia, na Universidade de Campinas, intitulada Os anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na Internet, mas o texto só ficou disponível online lá por maio do ano seguinte.

Como eu tinha algum conhecimento sobre nazismo no Brasil, as pessoas cobravam de mim opiniões e informações sobre sua versão “neo”, motivo pelo qual vi-me obrigado a ler com atenção este trabalho acadêmico. Mas o fiz com olhos críticos, coisa que já havia sido obrigado a fazer com trabalhos sobre o fenômeno original, lá dos anos 1930/40. Entre vários outros aspectos, chamou minha atenção o fato de em duas passagens aparecerem frases praticamente iguais: “as estatísticas dos movimentos antirracistas apontam para o fato de que pelo menos noventa mil pessoas estejam diretamente envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disto apenas no Estado de Santa Catarina” (p. 35) e “no Brasil, os dados fornecidos pelos movimentos antirracistas indicam cerca de pelo menos noventa mil pessoas diretamente envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disto apenas no Estado de Santa Catarina” (p. 106).

Como conheço há muito tempo aquilo que se diz, no senso comum, sobre os “alemães” de Santa Catarina (e também do Rio Grande do Sul), considerei perigosa esta passagem da dissertação. Ainda que a autora não diga, expressis verbis, que os “alemães” sejam os responsáveis pela alegada presença maciça de “neonazistas” em Santa Catarina, há, nas páginas 106 e 107, frases que não admitem outra interpretação. Vejamos: “Nos fóruns disponibilizados denominado A Voz de Odin e nas comunidades do Orkut em que internautas se identificam com o programa de ódio do Valhalla88, a maior parte dos participantes se identifica como de ‘sangue alemão’, substancializando, portanto a origem nacional: são 60% deles” (p. 106); “Aluízio Batista de Amorim (2000), jurista, em seu livro, Nazismo em Santa Catarina, oferece um levantamento de dados, que segundo ele emolduraram as condições históricas circunstanciais que favoreceram o aparecimento e o desenvolvimento do nazismo no estado. Em primeiro lugar, o autor aponta para o fato de que, após 1829, quando aconteceu a chegada do primeiro grupo de imigrantes de origem alemã em Santa Catarina, surgiram muitas iniciativas, particulares, de empreendimentos escolares, hospitalares e recreativos na região. Demarcados pelo uso da língua alemã, esses empreendimentos teriam fortalecido laços culturais e sociais, elemento que também baliza a imprensa local” (p. 107); “um estudo antropológico, também aponta nestas instituições sociais (escolas, imprensa, hospitais e outros) e seu vínculo com a preservação do idioma alemão como um elemento importante para permitir a estabilização do nazismo em Santa Catarina, na década de 30” (p. 107).

Aqui está reproduzido o senso comum, que, apenas poucos anos depois, em 2010, levaria um procurador do Ministério Público Federal em Lajeado (RS) a desencadear uma “desneonazificação” de todo o vale do rio Taquari, porque, em sua opinião de senso comum, populações originárias de “colonização germânica” possuem uma “tendência” ao “neonazismo” (para ver de que estou falando, clicar aqui e aqui].

De uma dissertação defendida não numa universidade distrital de Cacimbinhas ou de Cafundó, mas na Universidade Estadual de Campinas - a famosa UNICAMP! - deveria pressupor-se algo que fosse um pouco além do senso comum. Por esse motivo, resolvi escrever uma apreciação crítica sobre a dissertação de Adriana Dias. Afeito ao debate aberto, transparente de ideias e de concepções, tomei a liberdade de mandá-la à autora, antes de sua publicação. Como não conseguisse encontrar seu endereço de e-mail, enviei-a para sua professora-orientadora, Suely Kofes, com o pedido de que a repassasse à sua orientanda. Isso aconteceu na metade de uma manhã – lá por maio de 2008. À noite, estava em minha casa, quando tocou o telefone. Atendi, e a voz na outra ponta perguntou se era eu. Quando confirmei, desabou uma saraivada de impropérios sobre mim. Eu não conseguia entender de que se tratava, mas estava claro que a pessoa não se enganara, que o objeto do bombardeio era eu mesmo. Foi terrível. A principal acusação contra mim foi a de que em nenhum momento da dissertação ela acusara os “alemães” de Santa Catarina pelo “neonazismo”, que esta era uma “leitura” errada de minha parte, uma acusação infundada contra ela, antropóloga. Infelizmente, meu telefone não possuía gravador – seria muito interessante transcrever aquilo que esta senhora me disse naquela noite.

Como fui pego totalmente desprevenido, levei alguns dias para dar-me conta da gravidade daquilo que acontecera. Comecei a meditar sobre a forma pela qual esta senhora chegara ao número de meu telefone. Consultei as instituições em que trabalhava, e recebi a afirmação categórica de que ali ninguém o fornecera; este número também não constava em nenhum guia de empresas de telefonia, pois sua retirada fora pedida por ocasião da compra da linha, além disso o número está registrado (até hoje) sob o nome de minha esposa quando solteira. Só então me dei conta daquilo que eu havia visto no bina do telefone, quando atendi à ligação. Conclusão: Adriana Dias havia apelado a serviços de informação, isto é, a agentes de Estado, para me localizar, sob o provável argumento de que eu seria um abominável “neonazista”, em quem ela precisava passar uma descompostura! Uma brutal invasão de minha privacidade – em pleno Estado Democrático de Direito (2008). Formulei, de público, esta acusação, na época, e desafiei Adriana a revelar como obteve o número de meu telefone. Isso não aconteceu até hoje, mas também não fui processado por ter formulado uma acusação caluniosa.

Como eu tivesse divulgado uma crítica num outro texto, publicado algum tempo depois, ela fez nova investida contra mim, agora através de seu blog. Ali fui rápido, copiei os termos desta nova catilinária, e a reproduzi em meu livrinho O neonazismo no Rio Grande do Sul (2012). Algum tempo depois, ela retirou este texto de sua página de internet. Dali em diante, restringi-me a dar, oportunamente, alguma estocada nela, como a intitulada “Algumas perguntas a Adriana Abreu Magalhães Dias“, neste site.

Além do problema referente à culpa dos “alemães” pelo “neonazismo” no Brasil, tive motivos, desde o início, para desconfiar dos números como tais. Em uma entrevista concedida ao IHU/UNISINOS, com data de 29 de novembro de 2007, após ter defendido a dissertação que cravou o número total de “neonazistas” em 90.000, ela afirmou: “Eu imagino, pelas estatísticas das sociedades que pesquisam os crimes raciais, que haja cerca de 150 mil neonazistas no Brasil. Desses 150 mil, há o estado de Santa Catarina com cerca 45 mil simpatizantes, seguido de perto pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo”. As dúvidas aqui são duas: 150.000 são 65% (!) a mais que 90.000 – afinal em que dado se deve confiar, naquele que está na dissertação ou naquele que está na entrevista?; interessantemente, aqui na entrevista, Santa Catarina continua com 45.000, mas na dissertação há duas passagens em que se afirma que metade dos “neonazistas” do Brasil estão nesse estado – afinal, valem os dados da dissertação ou da entrevista? Dúvidas desse tipo em relação aos números se acumularam em outras manifestações de Adriana Dias, publicadas na imprensa.

Em 2009, a deputada gaúcha Maria do Rosário Nunes conseguiu formar, na Câmara dos Deputados, uma macabra “comissão externa” para investigar o “neonazismo” no Rio Grande do Sul, a CEXNEONA. Essa lamentável comissão realizou sua primeira reunião pública em 13 de julho do citado ano, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Entre várias outras pessoas, ali falou o delegado Paulo César Jardim, da polícia civil gaúcha, apresentado como maior conhecedor, monitorador e repressor do “neonazismo” em âmbito policial do Brasil. Durante sua fala, foi aparteado pelo deputado Marcelo Itagiba, presidente da CEXNEONA, nos seguintes termos: "Em Santa Catarina, há alguma coisa também, Dr. Jardim?". Resposta do delegado: "Nós temos alguns informes relativos a Santa Catarina, mas não com essa contundência dos outros estados" (para ver a fonte, clicar aqui). Ou seja, nas palavras de um policial especializado, não havia “neonazistas” em Santa Catarina – nas palavras de Adriana Abreu Magalhães Dias, lá estava a metade (!) do todos aqueles que existiam no Brasil.

Ainda encontrei matérias jornalísticas em que os números referidos simplesmente não “fecham”. Em 2018, Adriana Dias terminou o doutorado na UNICAMP, sobre um tema que não trata de “neonazismo” no Brasil, mas a imprensa continua a glorificá-la como maior conhecedora de “neonazismo” neste país. Esta prolongada exposição na mídia parece tê-la encorajado a mostrar-se mais desinibida que antes. Durante muito tempo, circulou a notícia de que não se deixava fotografar, por questões de segurança pessoal. Quando recebi o jornal Extra Classe, editado pelo SINPRO-RS, referente ao mês de junho de 2020, deparei-me, pela primeira vez, com uma foto dela (p. 16).

Mais recentemente, dediquei algum tempo para verificar suas manifestações atuais em órgãos de divulgação, sobre “neonazismo” no Brasil. Fiquei pasmo. Apesar da insistência dramática no crescimento vertiginoso do mesmo, desde o início de suas pesquisas, em especial com o advento da era Bolsonaro, os números agora são os seguintes – PASMEM!: “’Observo um crescimento muito grande desde que comecei a estudar o assunto’, conta ela. Dias identificou 334 células neonazistas em atividade no país. São grupos que reúnem de três a 25 adeptos”. Não precisa pegar a calculadora para saber quantos são, no total, a matéria informa: “Ao todo, essas células reúnem de 4 mil a 5 mil pessoas, segundo a pesquisadora”. Gente, apesar do propalado crescimento astronômico, uma dissertação da UNICAMP afirma que em 2007 havia 95.000 “neonazistas” no Brasil, mas a autora desta afirmação diz que agora são 5.000. Este último número não é 18 (!) vezes maior que o anterior, mas, sim, 18 vezes MENOR. Haja racionalidade ocidental para entender essa matemática!

Sabe-se, há bastante tempo, que a ciência está sendo vilipendiada no Brasil – lembro muito bem de ataques a e de depredações de laboratórios de pesquisas científicas. Mas a matemática de Adriana Abreu Magalhães Dias sugere, claramente, que esse terraplanismo não é cultivado, de forma exclusiva, nas adjacências de Olavo de Carvalho, como a imprensa costuma noticiar!

Um perigo adicional, mais recente, está no fato de que esta senhora está exerecendo influência sobre a forma de pensar (e de decidir?) de integrantes do Poder Judiciário brasileiro! [2/10/2020]

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Na última semana de outubro (2020), ocorreu o rumoroso caso da governadora Daniela Reinher, de Santa Catarina, que foi questionada sobre os posicionamentos controversos de seu pai, Altair Reinher, em relação a Hitler e ao nazismo. Mais uma vez, matérias jornalísticas a respeito registraram a presença maciça de Adriana Abreu Magalhães Dias palpitando sobre o assunto, e mais uma vez ficaram evidenciados os perigos de disseminação de preconceitos por parte dessa senhora, que é endeusada como combatente de preconceitos. Mesmo em matéria publicada pela prestigiada Folha de São Paulo, os problemas transparecem (primeiro link abaixo). Se é verdade que ali ela teve o cuidado de alertar que é simplista atribuir a situação à presença de “alemães” no estado (“afinal, nem todo neonazista é de origem alemã”), a matéria não destaca que o professor com suástica na piscina não possui sobrenome alemão e que veio de São Paulo; que os dois rapazes acusados de colar cartazes nazistas em Itajaí, em 2014, foram absolvidos pela Justiça, e que o próprio Ministério Público que os havia denunciado não recorreu da sentença, por considerar que a acusação inicial não se sustentava (ou em Santa Catarina até Justiça e MP estão tomados pelo nazismo?); que dos três homens considerados "neonazistas" que em 2016 atacaram uma banda punk, em São Bento do Sul, dois eram do Paraná e um de São Paulo; que o sujeito que, em janeiro de 2020, pendurou uma camiseta com suástica na janela, é um paulista, "autenticamente brasileiro", que veio "curar" uma decepção em Santa Catarina. Em contrapartida, requentou concepções de senso comum do período da Segunda Guerra Mundial sobre “quistos étnicos” (ainda que não utilize esta expressão): “Santa Catarina é bastante rural, com muitas cidades pequenas, que têm tendência de serem homogêneas, com uma só etnia” – quando, na verdade, os “neonazistas” não são coloninhos do meio dos morros interioranos, mas sim gente de classe média, urbanos. E tudo isso desemboca numa manifestação de preconceito explícito, ainda que a frase seja redacional (não está entre aspas): “Soma-se a isso a presença em regiões isoladas do estado de vertentes ultraconservadoras do pensamento luterano”. De uma pessoa que se encontra numa cruzada messiânica para combater preconceitos, se esperava que tivesse destacado que este não é “o” pensamento luterano.

Se na matéria da Folha de São Paulo houve ao menos um pequeno cuidado em difundir preconceitos e, portanto, a instigação ao ódio étnico-racial não está totalmente evidente, outras matérias desandam total (segundo link abaixo): “Para Adriana Dias, que é antropóloga e considerada a maior pesquisadora do neonazismo no país, o fato de Santa Catarina, que contou com forte imigração alemã, não ter sido ‘desnazificada’ fez com que a região carregasse como efeito uma herança do pensamento nazista e que, naturalmente, em algum momento o hitlerismo poderia chegar ao governo do estado”.

Por fim, cabe lembrar que em outras matérias que citam como fonte Adriana Dias a confusão em relação a números mais uma vez mostra que não se pode confiar neles – ela vinha afirmando que, na atualidade, o estado de São Paulo concentra o maior número de “neonazistas” do pais, agora, de repente, passou a ser novamente Santa Catarina. [1/11/2020]

https://saidapeladireita.blogfolha.uol.com.br/2020/10/29/caso-do-pai-da-governadora-e-so-a-face-mais-visivel-do-nazismo-em-sc/

https://revistaforum.com.br/brasil/estado-de-santa-catarina-agora-e-governado-por-filha-de-admirador-de-hitler/

http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594557-e-preciso-soar-alarme-sobre-a-expansao-do-neonazismo-no-brasil-entrevista-com-a-antropologa-adriana-dias

https://www.vice.com/pt/article/j5y73y/esse-governo-com-certeza-incentiva-a-existencia-de-celulas-neonazistas

https://www.dw.com/pt-br/dados-indicam-crescimento-do-neonazismo-no-brasil/a-53985901