Confere, no link abaixo, entrevista minha sobre “neonazismo”:


http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520006-neonazismo-no-rs-que-ha-de-verdade-ou-mentira-em-tudo-isso-entrevista-especial-com-rene-gertz

           

A entrevista continha, em sua versão original, mais uma pergunta/resposta, que é importante para a compreensão das circunstâncias que a haviam motivado, mas minhas palavras foram censuradas na publicação constante no link acima [por isso, depois da leitura da entrevista em sua versão publicada, volta e confere - no "leia mais" abaixo - a resposta censurada].

 

 

 

 

 

            Em 23 de abril de 2013, o portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) reproduziu, em sua seção “Notícias”, matéria de Zero Hora, de Porto Alegre, segundo a qual “RS é o segundo que mais baixa material neonazista”. Tratava-se de um texto que dizia que Santa Catarina seria o estado brasileiro a partir do qual mais se acessariam sites “neonazistas”, no Brasil, ficando o Rio Grande do Sul em segundo lugar:

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519499-rs-e-o-segundo-que-mais-baixa-material-neonazista

            Apesar de a pesquisadora que divulgou esses dados ser uma personagem muito controvertida, não há qualquer dúvida de que a massa da opinião pública brasileira que tomou conhecimento dessa notícia ligou a suposta ou efetiva densidade de “navegação neonazista” na Internet nos dois estados à presença significativa de população de origem alemã. Visitando o portal do IHU em 29 de abril, constatei que a divulgação ajudara a reforçar em no mínimo um leitor exatamente esses preconceitos, pois alguém que se identificou como Geraldo postara um comentário nos seguintes termos: “sintomática a incidência da maior presença do neonazismo no sul do Brasil, onde a imigração europeia, inclusive, a alemã, se deu de maneira mais acentuada”.

            Diante desse fato, postei o seguinte comentário, no mesmo site: “Lamentável que um instituto ligado à universidade em que me formei, na qual continuo tendo muitos amigos e a cujos órgãos de divulgação já dei entrevistas publique uma notícia dessa gravidade de forma totalmente acrítica. Lamentável”. Poucos dias depois, a jornalista Patrícia Fachin, do IHU, fez contato comigo perguntando se, diante da minha observação, eu estava disposto a conceder uma entrevista a respeito do assunto. Aceitei.

            Mas na publicação da entrevista foi omitida a última pergunta/resposta. Como os leitores poderão ver, é possível compreender o constrangimento em publicar essa parte das minhas considerações, pelas restrições que faço ao comportamento de Jair Krischke. Mesmo numa busca sem qualquer pretensão de completa, constata-se que esse indivíduo foi entrevistado, no mínimo, 15 vezes pelo IHU, nos últimos cinco anos – evidenciando a importância que ali se atribui às suas opiniões. Teria constituído atitude plenamente democrática se tivesse sido dada a oportunidade a ele para responder às críticas que lhe formulo, publicando sua eventual resposta junto com minha crítica. Mas o IHU, posteriormente, informou que “não faz parte da nossa política encaminhar as entrevistas a outras pessoas”. Correto. No entanto, se a política fosse outra, esse senhor, certamente, teria se encontrado numa “saia justa”, pois não pode negar suas declarações – já que publicadas até pelo próprio IHU –, é absolutamente improvável que tenha dados objetivos para justificá-las, e certamente não está disposto a reconhecer um eventual erro. Minha suspeita de constrangimento foi confirmada pelo próprio IHU, em mail do dia 11 de junho de 2013, nos seguintes termos: “A direção do Instituto Humanitas Unisinos optou por não publicar a última pergunta e resposta para evitar constrangimentos com pesquisadores, acadêmicos e leitores que acompanham o site do IHU”.

            Na resposta não publicada, porém, estava justamente a questão central da minha intervenção, isto é, a altíssima probabilidade de que a massa dos leitores da notícia sobre a suposta ou efetiva densidade da navegação em sites “neonazistas” a partir de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul foi levada a atribuir a existência de “neonazismo” à maldade inata dos “alemães” – como foi mostrado, isso efetivamente aconteceu no comentário de um dos leitores da notícia, no site do IHU. Por essa razão, tomo a liberdade de publicar aqui a última pergunta/resposta, tal como enviada em 8 de maio.

            Agradeço ao IHU pelo interesse demonstrado por minha intervenção, e pelo esmero com que as demais respostas foram editadas.


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IHU – Percebe algum tipo de preconceito em relação à comunidade alemã no estado? Há uma tentativa de associar essas comunidades a grupos neonazistas?


René Gertz – Agradeço por esta última pergunta, pois ela permite que fale daquilo que justamente constitui o cerne das minhas pesquisas. Pode-se compreender que para o senso comum mais rasteiro uma coisa que se denomina “neonazismo” tenha, necessariamente, a ver com “nazismo”. Além disso, constitui fato histórico que o nazismo foi um fenômeno ligado à Alemanha e aos alemães. Por consequência, é compreensível que, na cabeça das pessoas de senso comum, quando se fala em “neonazismo” no Rio Grande do Sul, se estabeleça um link com os “alemães” do estado. Espero ter mostrado com meu citado livro que o estabelecimento desse link é totalmente equivocado – obviamente, é difícil erradicar essa visão do senso comum.

            Mas se há pouco a fazer para mudar o senso comum, é triste verificar que pessoas de alto nível cultural, de grande influência sobre os meios de comunicação e a opinião pública tenham sido responsáveis por divulgar essa mesma visão. Um exemplo desse tipo de atitude lamentável tem sido praticado por ninguém menos que Jair Krischke, o conhecido presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, no Rio Grande do Sul. Em 2006, perguntado, numa entrevista para uma página de Internet, sobre a responsabilidade dos “alemães” gaúchos pelo “neonazismo”, disse: “Ainda hoje, a 100 km de Porto Alegre, existe uma comunidade em que não se fala português. O Estado alemão tem uma postura de reconhecimento de sua culpa, mas a comunidade alemã aqui não reflete essa atitude” [http://www.asa.org.br/boletim/96/96_h1.htm – a página parece ter saído do ar, mas tenho cópia impressa, e posso fornecer]. Em 2008, o mesmo indivíduo voltou à carga, numa entrevista ao próprio IHU/UNISINOS:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1658&secao=252

            Como se sabe, o avô desse indivíduo veio ao Brasil como pastor, para pregar a Boa Nova de Jesus Cristo. Entre os ensinamentos de Cristo, está o de que um ser humano comete erros (pecados), mas tem a possibilidade de confessá-los e arrepender-se. Jair Krischke teve uma boa oportunidade para fazer isso, em outubro de 2012, mas sua soberba, aparentemente, o impediu de fazê-lo. Há indícios muito fortes de que ao referir-se ao povo que, “a 100 km de Porto Alegre”, fala alemão (e, por isso, seria responsável pelo “neonazismo”) estivesse pensando nos seres humanos que habitam a região do Morro Reuter, ao norte de Novo Hamburgo. Pois, em outubro de 2012 esse povo elegeu uma das apenas três prefeitas negras de todo (!) o Brasil, na Baumschneis (Dois Irmãos) [http://renegertz.com/noticias/notas/97-tania]. Procurei, em vão, pela convocação de uma coletiva de imprensa para confessar o erro, e pedir desculpas.

            Infelizmente, esse senhor possui uma influência fatal sobre o delegado Paulo César Jardim, de forma que este – desde no mínimo novembro de 2010 – fez três declarações públicas acusando “alemães”, “italianos” e – pasmem! – “poloneses” gaúchos, pela maldade da existência do “neonazismo” no Rio Grande do Sul:

http://www.senado.gov.br/atividade/plenario/sessao/disc/getTexto.asp?s=203.4.53.O&disc=6/1/S

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5070I31-El6594,00-Os+neonazistas+sao+bem+mais+que+meia+duzia+afirma+delegado.html

http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/39o-neonazismo-nunca-acabara39-diz-delegado-que-indiciou-35-no-rs,1250dc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html 

            Dessa forma de pensar, já derivaram outras quase-tragédias, como a de uma autoridade de alto coturno que iniciou uma “desneonazificação” de todo o vale do rio Taquari – felizmente, essa sangria foi estancada! Mas opiniões de que os “alemães” sejam responsáveis pelo “neonazismo” estão tão difundidas que até um leitor da notícia sobre a massacrante presença “neonazista” em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul no IHU/UNISINOS – de nome Geraldo – postou um comentário nos seguintes termos: “sintomática a incidência da maior presença do neonazismo no sul do Brasil, onde a imigração europeia, inclusive, a alemã, se deu de maneira mais acentuada”. Aquilo que se passa na cabeça desse leitor é evidente. E esta foi mais uma das razões por eu ter feito restrições à publicação sem uma avaliação crítica.

            Mas afinal, que há de verdade (ou mentira) em tudo isso? Em primeiro lugar, os atos de “neonazismo” registrados no Rio Grande do Sul aconteceram na Grande Porto Alegre e em Caxias do Sul (por acaso, as duas maiores aglomerações urbanas do estado). O único caso acontecido numa “colônia alemã” foi a prisão, em Teutônia/RS, do citado participante do assassinato no Paraná. Dos 32 neonazistas fichados pela polícia gaúcha, cujos nomes constam no meu livro, um possui apenas um sobrenome, alemão, e mais quatro possuem metade do sobrenome alemão (denotando que são filhos de casamentos interrétnicos, “assimilados”, que não sabem falar alemão) – nos demais 27 sobrenomes não há qualquer vestígio de descendência alemã. Penso que esses dados objetivos são suficientes para justificar a afirmação de que constitui irresponsabilidade inominável espalhar por aí que os “alemães” são responsáveis pela maldade do “neonazismo”.

            Agradeço ao IHU/UNISINOS pela oportunidade para dar essas explicações. [12/6/2013]