Apresentar o fato histórico como texto literário tem muitos riscos. Inclusive o de deixar o leitor totalmente confuso.


 

         As duas áreas caminhavam de mãos dadas.[1] O segundo Prêmio Nobel de Literatura (1902) foi para o historiador Theodor Mommsen (1817-1903). Na época, se fazia história à maneira literária, narrada como se fosse um romance. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), essa narrativa histórica cedeu espaço para a argumentação. Em vez de contar, tentava-se explicar estruturas e processos por trás dos fatos, usando conceitos para esclarecer a lógica dos acontecimentos. Os eventos históricos eram, agora, uma aparência que encobria uma essência.

 

 

 

         As duas áreas caminhavam de mãos dadas.[1] O segundo Prêmio Nobel de Literatura (1902) foi para o historiador Theodor Mommsen (1817-1903). Na época, se fazia história à maneira literária, narrada como se fosse um romance. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), essa narrativa histórica cedeu espaço para a argumentação. Em vez de contar, tentava-se explicar estruturas e processos por trás dos fatos, usando conceitos para esclarecer a lógica dos acontecimentos. Os eventos históricos eram, agora, uma aparência que encobria uma essência.


            Essa nova prática foi criticada por afastar a História do leitor comum, perdendo, portanto, sua função social. Certa vez, traduzi do historiador alemão Jürgen Kocka, defensor da História argumentativa, um artigo no qual tentava revelar estruturas e processos via narrativa, tornando a Ciência Histórica novamente atrativa para um público mais amplo.


            Instigado pela sugestão, e entusiasmado com fontes que permitiriam traçar um quadro político, religioso, étnico e cultural do Rio Grande do Sul dos anos 1920, resolvi escrever algo narrativo. E radicalizei: não haveria uma única frase explicativa, nem frase que se referisse a qualquer outra passagem do texto. Tampouco teria introdução ou conclusão. O criativo título indicaria a intenção da leitura – O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos 1920.


            Comecei o texto apresentando as peripécias de dois aviadores italianos que atravessam o Atlântico. A história continuava tratando de um pastor luterano vindo para o Brasil, em 1874, até sua morte, em 1925. Nos capítulos seguintes, são narradas a inserção das regiões de colonização alemã na política republicana e a atuação de D. João Becker (1870-1946) na arquidiocese de Porto Alegre de 1912 a 1928. Referências ao “perigo alemão” na década de 1920 se somam à evolução das três faculdades de Porto Alegre. E a política de São Leopoldo, com destaque para João Correa Ferreira da Silva (1924-1928), é seguida pelas relações do distrito de Novo Hamburgo com o município de São Leopoldo e a luta pela emancipação. Ao fim do livro, é contado o empastelamento de um jornal em São Leopoldo. Enfim, uma salada narrativa – não a meu ver, na época.


            Um resenhista saudou o livro como “o primeiro pós-moderno da historiografia gaúcha”. Nada mais distante do que eu pretendia! O objetivo era, justamente, traçar um quadro das enraizadas estruturas políticas, culturais, étnicas e religiosas que levaram à destruição do jornal. O problema é que eu não disse isso aos leitores. E o resultado foi que nem meia dúzia conseguiu persistir na leitura aparentemente desconexa dos capítulos. Cheio de boas intenções, simplesmente exagerei tentando apresentar uma História narrada.


            Logo depois, certo escritor sugeriu que, numa segunda edição, eu deslocasse o último capítulo para o início. Mas como nunca haveria segunda edição, outro colega aconselhou-me a imprimir uma folha para explicar “como se deve ler este livro”, e colocá-la nos exemplares encalhados na editora. Tenho certeza de que adiantaria pouco.


            E foi assim que estraguei a carreira do livro no qual investi mais trabalho. Agruras de um historiador!

 

[1] [Publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 6, n. 72, setembro de 2011, p. 98].