Conforme está anunciado no resumo desta comunicação, não se trata de uma contribuição inédita. Tentarei rememorar resultados de pesquisas já publicadas sobre aspectos políticos das regiões de colonização no Rio Grande do Sul, com ênfase especial para as regiões de colonização alemã – mas estou convicto de que várias das minhas observações e descobertas se aplicam, também, às regiões de colonização italiana, polonesa e de outra origem.

 


Conforme está anunciado no resumo desta comunicação, não se trata de uma contribuição inédita. Tentarei rememorar resultados de pesquisas já publicadas sobre aspectos políticos das regiões de colonização no Rio Grande do Sul, com ênfase especial para as regiões de colonização alemã – mas estou convicto de que várias das minhas observações e descobertas se aplicam, também, às regiões de colonização italiana, polonesa e de outra origem.[1]

Uma das primeiras constatações que se pode fazer ao rever a historiografia mais tradicional – isto é, aquela que vai até a década de 1980 – sobre imigração e colonização é que ela pode ser dividida em duas grandes correntes: uma que se dedica a aspectos socioeconômicos e demográficos desse processo, a outra que centra sua atenção em aspectos político-culturais. Ainda que essas duas tendências apresentem significativas variantes internas, pode-se dizer, cum grano salis, que a primeira orientação historiográfica costuma ser mais consistente em termos de fundamentação factual dos seus argumentos, e mais condescendente com o processo de imigração e colonização – quando não louvadora. A segunda, em geral, se apresenta sob uma forma que se poderia chamar de ensaística, isto é, através de textos que denotam certa lógica argumentativa, cuja consistência efetiva, porém, não está fundamentada em dados passíveis de uma discussão inter-subjetiva. E a avaliação – expressa ou subentendida – do processo de colonização presente nesta linha historiográfica é, quase sem exceção, muito crítica, quando não claramente hostil.

Poderia dizer-se também que as intenções – confessas ou não – da primeira linha consistem em apontar para as vantagens que a imigração e a colonização trouxeram para o país no campo econômico, social e demográfico. A segunda linha costuma lamentar os problemas que esse mesmo processo trouxe para a formação da nacionalidade, com grupos de cultura e de religião diferentes daquelas consideradas tipicamente brasileiras, gerando crises de convivência interna entre as populações e até problemas de segurança nacional, em virtude da manutenção de vínculos, por parte dos imigrantes e de seus descendentes, com a tradição cultural e a própria política dos países de origem – podendo resultar em cabeça-de-ponte para invasões estrangeiras, sobretudo em períodos de crise internacional.

Diretamente derivada desta visão – com suas imagens sobre “quistos étnicos” não integrados à realidade brasileira, e, portanto, dificultadores da consolidação da Nação brasileira, sobre “quinta-colunas” (traidores) que poderiam “apunhalar” o Brasil “pelas costas” –, está a amplamente difundida idéia do total abstencionismo político e do completo desinteresse pelo Estado e pela coisa pública brasileiros por parte das populações em questão. Em momentos de crise – como as duas guerras mundiais –, essa avaliação levou à implementação de projetos de “nacionalização”, pois se imaginava que essas populações deveriam ser “abrasileiradas” à força, se necessário, para deixar de constituir perigo. E essa “nacionalização” foi justificada exatamente com esse argumento. O Jornal do Estado, órgão oficial do governo gaúcho nos anos 1930, justificou o desencadeamento da dita campanha com o argumento de que aqui havia “núcleos de população brasileira que de nada sabiam da própria Pátria, e que não podiam compreender os anseios da alma brasileira” (8/4/1938).

Foi justamente neste campo que, desde o início de minha atividade de pesquisa, na década de 1970, centrei minha atenção, para tentar verificar a consistência dessa visão. Ao estudar a difusão do integralismo e a presença do nazismo nas regiões de colonização alemã, nas décadas de 1930 e 1940, bem como o comportamento político mais geral das respectivas populações, ficaram muito claras duas realidades:

1ª) O interesse e a participação políticos nas referidas regiões nunca ficaram a dever absolutamente nada às assim chamadas regiões tradicionais do estado, ao menos sob o ponto de vista quantitativo; assim, a participação eleitoral, por exemplo, no mínimo, se equiparava à média estadual, e, com certa freqüência, a superava.

2ª) Ainda que não se pudesse negar que parte não desprezível da população se mantivesse à margem do processo político, indiferente à participação – como acontece com parte substancial da população de qualquer lugar do mundo ou do restante do Brasil –, os fenômenos políticos por mim estudados (nazismo e integralismo) nada tinham a ver com essa população “marginal” ou “enquistada”.[2] Nazistas e, sobretudo, integralistas eram justamente pessoas que vinham participando e se envolvendo no processo político local e regional, na luta política cotidiana dessas regiões. Nesse sentido, pode-se dizer – ao menos a posteriori – que os governantes brasileiros que desencadearam a “nacionalização”, em última instância, atingiram, de forma politicamente incorreta, populações que nada tinham a ver com os males que se visava a combater, e – caso a “nacionalização” tenha sido eficaz na sua intenção de integrar, de trazer essas pessoas para a arena política brasileira – podem ter causado um efeito oposto ao desejado, dando origem a mais integralistas.[3]

Estudos sobre períodos cronologicamente anteriores e posteriores indicaram para uma realidade muito parecida, seja no entorno temporal da Revolução Federalista, no início da década de 1890, seja no contesto das décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial.[4] Especialmente evidente foi um processo que se verificou na década de 1920, depois que o Pacto de Pedras Altas pôs fim à revolução de 1923. Entre outras determinações, esse acordo definiu que tanto Borges de Medeiros quanto os intendentes – os prefeitos – não poderiam mais reeleger-se, como, em muitos casos, vinha acontecendo havia mais de 25 anos. Isso abriu novas perspectivas de participação política e, assim, as eleições municipais de 1924, mas, sobretudo, as de 1928 resultaram numa mobilização política nunca vista nas regiões de colonização alemã e italiana. Inclusive, no período que antecedeu as eleições desta última data se desenvolveram, de forma intensa, práticas que, em linguagem mais recente, se chamariam “prévias eleitorais”, com grandes reuniões em praça pública para escolher os candidatos que deveriam concorrer.[5]

Pesquisas posteriores feitas por outras pessoas mostraram como a participação política de alemães e descendentes, desde o início do processo de colonização, sempre foi intensa e muito “normal”, tanto naquilo que tange à quantidade quanto naquilo que tange à qualidade, incluindo aspectos menos edificantes – este último aspecto inclui casos de corrupção e de fraude eleitoral.[6] Hoje em dia, dentro de uma historiografia séria e atualizada, não faz mais sentido tentar analisar e entender a realidade política das referidas regiões – mesmo do passado mais longínquo – com variáveis como “não-assimilação”, “marginalidade”, “enquistamento étnico”, “abstencionismo político” etc. Por tudo isso, meus trabalhos mais antigos tenderam – ao contrário das vozes então correntes – a destacar que a política nas regiões de colonização alemã, para ser compreendida, deveria ser vista como muito parecida e pouco diferenciada em relação à política no estado e no Brasil em geral. Em outras palavras: eu defendi a opinião de que não se entenderia essa política quando, nas análises, se destacava em demasia o caráter “alemão” das populações, e que, em contrapartida, se deveria abstrair da variável étnica para compreender adequadamente a política local e regional, recorrendo exclusivamente a variáveis universais.[7]

Essa pretendeu ser minha contribuição inédita para a pesquisa histórica sobre aspectos políticos da imigração e da colonização no Rio Grande do Sul. Eu continuo acreditando nisso – e várias pessoas têm feito pesquisas inspiradas nesta perspectiva. Mas nosso pensamento sobre um tema pode mudar – aliás, deve mudar –, no decorrer do tempo, pois esta é uma condição para o avanço da Ciência. E assim, sem renegar minha insistência no caráter “normal”, universal da história política nas regiões de colonização, estou tentando dar destaque, mais recentemente, a uma perspectiva na qual ganham importância justamente algumas nuanças diferenciadoras.

Como na minha apreciação dessas nuanças diferenciadoras os leitores podem, eventualmente, enxergar uma avaliação com alguma tonalidade positiva, otimista, devo antecipar que isso não deriva de uma postura “germanista”, de uma postura que busca eventuais pontos de vista mais positivos no “sangue”, na “raça”, na “cultura” alemães.[8] Minha posição pessoal justamente é a de que os erros da historiografia tradicional sempre decorreram do recurso a variáveis explicativas étnicas e culturais, e eu, de forma alguma, poderia querer recuperá-las, para, eventualmente, dar-lhes, agora, uma conotação positiva. Minha avaliação mais positiva do processo deriva, muito mais, da valorização do projeto colonizador, implicando desde as expectativas dos imigrantes europeus em criar aqui um mundo que não existia na Europa, até a estrutura da propriedade e da família dentro das colônias.

Quanto ao primeiro aspecto, estou pensando em coisas como a afirmação de Flávio Kothe de que Santa Cruz do Sul foi “a utopia que os revolucionários [da revolução liberal de 1848, na Alemanha] não conseguiram efetivar na Europa: a utopia da igualdade social tornou-se concretamente um projeto de colônias do mesmo tamanho...”.[9] Mas também estou pensando numa tese de doutorado de Roberto Radünz sobre a história do luteranismo na mesma região de Santa Cruz do Sul, que leva o significativo título de A terra da liberdade.[10] O título foi inspirado num documento datado de 1899, em Candelária: “Nós não queremos ser comandados nem receber lições [de pastores]. Não é por isso que viemos para o Brasil! Isso se pode ter na Alemanha! Aqui é o país da liberdade! Ninguém precisa dar ouvidos [a um pastor]!”.[11]

Em ambos os casos, teria importância a postura subjetiva dos atores em criar aqui na floresta do sul do Brasil uma utopia, uma sociedade diferente daquela que tinham deixado para trás, lá na Europa. Não há espaço para entrar em detalhes, mas, evidentemente, parte-se do pressuposto de que as práticas no campo religioso – em tese, o mais importante da vida de uma pessoa – se refletem sobre as ações nos outros campos de vida, como o da política. Claro, pouquíssimas pessoas – talvez ninguém – em Santa Cruz do Sul sabem, hoje em dia, quais foram os ideais de 1848, e em Candelária o espírito religioso pode estar morto. Importante é que os posicionamentos e as práticas dos antepassados deram origem a comportamentos internalizados que – sob alguma forma – sobrevivem ou projetam seus efeitos até o presente. Max Weber nos ensinou que pode não haver mais nenhuma pista do tradicional comportamento calvinista na atual sociedade capitalista norte-americana, mas os efeitos que ele desencadeou, a seu tempo, sobrevivem, sob formas peculiares, no capitalismo de nossos dias. Assim, também penso que os comportamentos e as formas de organização das comunidades coloniais – bastante diferentes das comunidades do assim chamado Brasil tradicional – deram origem a uma realidade que, de alguma forma, projeta seus efeitos até a atualidade. E nossa tarefa de historiadores consiste em tentar rastreá-los.

Quanto ao segundo aspecto – as estruturas familiares e de propriedade nas regiões de colonização –, penso que aqui elementos objetivos e subjetivos se conjugam, para, também, dar origem a efeitos de longa duração. Ainda que ninguém possa ignorar que as comunidades em pauta sofreram um processo de diferenciação social, não há dúvida de que as assimetrias sociais, durante um longo período de sua história, não foram tão gritantes quanto no assim chamado Brasil tradicional. Da mesma forma, a estrutura de pequena propriedade obrigou a um envolvimento diferenciado da família na estrutura de produção e de poder. Em resumo: tanto a estrutura de propriedade quanto a estrutura familiar desenvolveram-se de forma mais democrática.

A partir dessas conjecturações, tenho apontado para alguns novos enfoques que precisam ser levados em consideração quando se quer escrever uma história política das regiões de colonização. Essas considerações estão dispersas em vários textos dos últimos anos, e, daqui para frente, vou indicar apenas alguns poucos exemplos.[12] Vou restringir-me a três aspectos.

O primeiro aspecto é o da presença feminina na política. Sem ter feito um levantamento sistemático, há fortes indícios de que essa presença caracteriza os três grandes grupos imigrantistas do estado: alemães, italianos e poloneses. Não há qualquer dúvida de que naquilo que tange aos cargos de prefeitas e vereadoras os sobrenomes alemães possuem uma representação acima do percentual de sobrenomes no conjunto da população.[13] E nas eleições municipais de 2004, chegaram a apresentar-se em Ivoti só mulheres para concorrer ao cargo de prefeita. Neste caso, a diferença com o assim chamado Brasil tradicional fica patente, chegando a pôr em evidência o caráter arcaico deste último, ainda quando se trata da supostamente iluminista e cosmopolita Capital. Nesse sentido, em Porto Alegre, apesar de intensa luta por parte de feministas e outros grupos, na mesma eleição, só se conseguiu colocar uma candidata-mulher ao cargo de vice-prefeita. Talvez por isso, uma reportagem jornalística do jornal Zero Hora, de 19 de julho de 2004, tenha dado destaque à situação com candidatas exclusivamente femininas em Ivoti. Ao contrário do espanto do repórter sobre esse ineditismo, a própria população de Ivoti não enxergou qualquer peculiaridade ou excepcionalidade no fato. Para a explicação das candidaturas exclusivamente femininas não foram invocados fatores femininos, e, muito menos, feministas, mas, sim, apenas fatores universais, como contexto partidário, administrações municipais, situação socioeconômica do município. Isso mostra que a escolha das candidatas se deu, de forma absolutamente natural, a partir de valores e circunstâncias profundamente internalizadas na população (poderia dizer que derivaram de uma “mentalidade” inconsciente e não de uma “ideologia” consciente).

Essa questão ainda precisa ser melhor estudada, para verificar se a presença – ou não – de mulheres em igual proporção também se dá em outros níveis, como o de deputadas estaduais, por exemplo.[14] Neste ponto, entram em jogo outros fatores, como a montagem das chapas dos partidos, coisa que, em geral, se dá num nível superior ao do município – e esse fator pode ter interferência na escolha ou não de mulheres. De qualquer forma, parece que a estrutura familiar, com as mulheres presentes no cotidiano do trabalho das famílias e na tomada de decisões em todos os campos de vida, provavelmente tem reflexos nessa presença feminina na política.

O segundo aspecto se refere ao suposto conservadorismo político da assim chamada “colônia”. Esse fato precisa, inicialmente, ser verificado de forma empírica. Ele parece ter alguma validade histórica para o período entre 1945 e 1964 – até 1937 não faz muito sentido falar de “esquerda” ou “direita” nos municípios interioranos do Rio Grande do Sul, pois, ali, essa clivagem não era significativa. Mas se a gente tomar os resultados eleitorais posteriores ao regime militar como indicador, vamos constatar que podemos citar um município típico de colonização alemã como tendencialmente mais “esquerdista” no estado (Cerro Largo) e outro tendencialmente mais “conservador” (Arroio do Padre). Admitindo-se, porém, que as populações sejam politicamente[15] mais conservadoras, não se pode derivar daí um quadro que seja menos democrático que em qualquer outro lugar em que a tendência eleitoral e a própria administração pública se considerem menos conservadores. De fato, temos, em geral, uma posição de centro, com ampla tolerância política e abertura para o pluralismo. Pessoalmente, tendo a atribuir essa tendência ao pluralismo e à tolerância como resultado da diversidade religiosa. Ao menos nas regiões de colonização alemã, existem, historicamente, no mínimo, duas confissões religiosas, na maioria das comunidades, e quem é obrigado a conviver com o oposicionista religioso de forma minimamente pacífica não terá razão para abandonar de todo essa prática na convivência com o opositor político.

O terceiro aspecto tem a ver diretamente com este último. Em vez de descrevê-lo de forma abstrata, vou apresentar um exemplo para tentar clareá-lo. No citado município de Arroio do Padre, desmembrado de Pelotas, Germano Rigotto obteve o maior percentual de votos nas eleições estaduais de 2002. Geraldo Alckmin obteve um percentual ainda maior nas eleições presidenciais de 2006, o maior de todo o Brasil, com manchetes a respeito em todos os grandes jornais do país. Ainda que nem todos os jornais o dissessem de forma explícita, alguns confessaram que consideravam esse município não só como o mais conservador de todo o território nacional, mas até o mais reacionário. Essa classificação do senso comum jornalístico apresenta, porém, um senão que, no mínimo, torna a questão um pouco mais complexa. Em maio de 2006 foi publicada uma pesquisa que abrangeu todos os municípios do país. Nela, foram construídos os seguintes índices: tomou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal atribuindo pontuação de acordo com o nível de observância desta lei. O município que gastava exatamente aquilo que arrecadava não levou pontos positivos nem negativos, aqueles que tiveram déficit receberam pontuação negativa de acordo com o grau de endividamento, e aqueles que tiveram superávit receberam pontos positivos de acordo com o nível desse superávit. Por outro lado, foram atribuídos pontos, positivos ou negativos, ao nível e à equidade do atendimento, pelas respectivas administrações municipais, nas três áreas básicas que competem ao governo municipal: educação nas primeiras quatro séries, saúde e infra-estrutura.

Nessa classificação, Arroio do Padre obteve o 14º melhor desempenho de todo o Brasil. Em tom ironicamente sério tenho dito que Arroio do Padre mostrou ser o 14º município mais socialista do Brasil. Faço essa afirmação a partir da constatação de que Arroio do Padre está a apenas 13 posições de distância do município brasileiro no qual se faz o maior bem possível, para o maior número possível, da forma mais eqüitativa possível, com os recursos disponíveis.[16] Considero que esta seja uma definição possível para socialismo. Mas, mesmo que não se admita essa definição como válida, a classificação de Arroio do Padre como município ultraconservador ou até reacionário em função de sua tendência eleitoral precisa ser nuançada depois do resultado da citada pesquisa.

Observações parecidas poderiam ser aplicadas à maioria dos demais municípios de colonização alemã, sobretudo os mais antigos, da região leste do estado. De forma paradigmática, quero dar apenas mais um exemplo: na mesma eleição estadual de 2002, o município de Santa Maria do Herval, situado entre as montanhas ao norte de Novo Hamburgo, foi classificado por jornalistas como aparentemente todo apático em relação ao evento eleitoral, mas, de fato, foi o município gaúcho com a menor abstenção eleitoral. Um ano depois, em 2003, a ONU atestou a essa mesma comuna a condição de município de melhor distribuição de renda do Brasil. Portanto, mais uma vez sua possível classificação subjetiva por parte de jornalistas e do senso comum como “fechado”, conservador, ou até reacionário, está em total desacordo com critérios objetivos, que o classificam entre os mais modernos do país.

Com esses exemplos quero mostrar que precisamos abrir novas perspectivas e novas metodologias para estudar a história política das regiões de colonização. Penso que muitos dos nossos historiadores que, tradicionalmente, têm se deixado levar pelas informações e pelas visões do senso comum erraram pela inobservância de uma regra básica de qualquer manual para candidatos a cientistas – no caso a cientistas sociais: a Ciência é necessária porque aparência e essência muitas vezes não coincidem. Também poderíamos dizer que, por mais respeito que nos mereça o senso comum, sempre devemos encará-lo com espírito crítico. Estou convicto de que no estudo sobre a história política das regiões de imigração e colonização essa regra, em geral, não foi observada. Cumpre começar a alterar esse quadro.

 



 

[1] Trabalho apresentado no “II Seminário de História Regional: imigração, colonização e movimentos sociais”, na Universidade de Passo Fundo, 13 e 14 de novembro de 2007. Como o encontro se destinava, principalmente, a jovens pesquisadores, o objetivo deste texto era, muito mais, familiarizá-los com uma perspectiva diferente de investigação, do que apresentar resultados de pesquisa inéditos.

[2] Mesmo um sociólogo tão importante quanto Emílio Willems se deixou seduzir pela idéia da “marginalidade”, da “não-assimilação” ou da “não-aculturação” (WILLEMS, Emilio. Assimilação e populações marginais no Brasil: estudo sociológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940).

[3] Tratei desses assuntos em GERTZ, René E. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987; O perigo alemão. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1991.

[4] Sobre a Revolução Federalista, cf., entre outros, GERTZ, René E. Antecedentes da Revolução Federalista nas regiões de colonização alemã. In: FLORES, Moacyr (org.). 1893-95: a Revolução dos Maragatos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993, p. 61-74; A revolução de 1893 nas regiões de colonização alemã. In: POSSAMAI, Zita (org.). Revolução Federalista de 1893. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1993, p. 43-50. Sobre o período posterior à Segunda Guerra, cf. GERTZ, René E. Os cidadãos teuto-gaúchos. In: FISCHER, Luís Augusto e GERTZ, René E. (coords.). Nós, os teuto-gaúchos. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1996, p. 177-182.

[5] A esse respeito, cf. GERTZ, René E. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos 1920. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002 (sobretudo o capítulo III, p. 51-88).

[6] Sobre a realidade de um passado mais remoto, cf. TRAMONTINI, Marcos Justo. A organização social dos imigrantes: a colônia de São Leopoldo na fase pioneira, 1824-1850. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 2000. Para um período menos remoto, cf. KRAUSE, Silvana. Migrantes do tempo: vida econômica, política e religiosa de uma comunidade de imigrantes alemães na República Velha. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002.

[7] Isso não significa que aspectos circunstanciais e parciais da política não possam ser explicados através de variáveis étnico-culturais – trata-se de destacar o erro fatal em que incorrem todos aqueles historiadores e cientistas políticos que procuram explicar tudo exclusivamente através dessas variáveis.

[8] Por essa razão, penso que minha perspectiva pode ser aplicada a qualquer projeto de imigração e colonização aqui no estado.

[9] KOTHE, Flávio R. Teuto-gaúchos: a irredutível diferença. In: FISCHER e GERTZ, op. cit., p. 206.

[10] RADÜNZ, Roberto. A terra da liberdade: luteranismo gaúcho do século XIX. Caxias do Sul/Santa Cruz do Sul: Educs/Edunisc, 2008.

[11] TEICHMANN, Eliseu. Imigração e Igreja: as comunidades-livres no contexto da estruturação do luteranismo no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: EST, 1996 (dissertação de mestrado), p. 62.

[12] Os principais textos em que trato desse assunto são: GERTZ, René E. A Alemanha e os teuto-brasileiros. In: NEVES, Clarissa Eckert Baeta e SOBOTTKA, Emil Albert (orgs.). Sociologia, pesquisa e cooperação – Achim Schrader: homenagem a um cientista social. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2003, p. 115-128; Os gaúchos de descendência alemã e a vida política brasileira. In: CUNHA, Jorge Luiz da (org.). Cultura alemã – 180 anos. Porto Alegre: Nova Prova, 2004, p. 77-85; Elogio da diferença. Zero Hora/Cultura, Porto Alegre, 24 de julho de 2004, p. 10-11; Como é possível continuar escrevendo História Política? Anos 90, Porto Alegre: UFRGS, vol. 13, n. 23/24, 2006, em especial p. 121-128; Por uma história política da colonização alemã. In: ELY, Nilza Huyer (org.). Arroio do Sal: marcas do tempo. Porto Alegre: Edições EST, 2007, p. 59-74; Imigração e história. In: GIRON, Loraine Slomp e RADÜNZ, Roberto (orgs.). Imigração e cultura. Caxias do Sul: EDUCS, 2007, p. 73-86.

[13] E ainda há casos em que mulheres de sobrenome não-alemão governam municípios típicos de colonização alemã – caso de Lajeado, neste momento (2007). [Observação acrescentada em 2/12/2009: em virtude de reeleição, a situação continua inalterada em Lajeado; e em Santa Cruz do Sul também há uma prefeita de sobrenome não-alemão].

[14] Das primeiras seis mulheres que assumiram cadeiras na Assembléia Legislativa entre 1950 e 1990, apenas uma possuía entre seus vários sobrenomes um que pode ser de origem alemã: Maria Else Íris Potthoff Correa Lopes; ela assumiu uma cadeira em caráter temporário, como suplente, em 1964 (KROEFF, Maria Bernadete Moreira. A trajetória política das mulheres gaúchas nas eleições de 1950 a 1990. Porto Alegre: PUCRS, 2001 [dissertação de mestrado]).

[15] No senso comum, muitas vezes, se admite uma maior liberalidade moral, nessas regiões.

[16] O município que obteve a melhor classificação na pesquisa foi São José do Hortêncio, no vale do rio Caí, também típico de colonização alemã.