Em 2004, escrevi um pequeno artigo intitulado Elogio da diferença, publicado em Zero Hora. Entre outras coisas, propus transferir a Capital do Rio Grande do Sul para Santa Rosa.

Estive (e continuo) convicto de que essa transferência contribuiria para desprovincianizar não só a Capital, mas o estado como um todo. Ijuí constituiria uma alternativa, mas - como escrevo no texto - esta cidade foi tão ecumênica que colocou uma igreja católica num lado da praça central e ...

 

... uma igreja protestante no outro lado. E neste quesito, perde pontos para Santa Rosa, pois aqui o poder temporal – os três poderes – se instalariam totalmente livres da presença do poder espiritual, pois não existe nenhuma igreja no entorno da praça central. A grande vantagem dessas duas cidades – e, obviamente, de uma série de outras – é que quando, na aula, anoto no quadro uma bibliografia da professora Szelbracikowski, meu aluno de Santa Rosa não pensa que aquilo significa “cobras e lagartos”, mas que é um sobrenome, o qual ele sabe pronunciar direitinho. Quando falo de luteranos, o mais “antenado” pergunta se estou falando dos da IELB ou da IECLB; o menos “antenado” quer saber se estou falando daqueles do Colégio da Paz ou do Concórdia. E quando falo de católicos ortodoxos, ele não fica imaginando uns seres verdes, magrinhos, cabeças enormes, com anteninhas, mas começa a levitar, pois lembra da adolescência, quando andava apaixonado pela belíssima Bianca Tkacz, e nos domingos ficava esperando na frente da igreja ortodoxa, só para vê-la. Se num texto sobre história da alimentação aparece a palavra "Borschtsch", ele não fica pensando, pejorativamente, "eh, comida de judeu!", mas começa a salivar, porque adorava quando suas avós, cristãs, o faziam, muito saboroso.

Pessoas nascidas e criadas em lugares ecumênicos (no sentido amplo da palavra) são iguais àquelas que se colocam nas costas de gigantes – enxergam mais longe. O jornalista Flávio Tavares nasceu numa cidade que, talvez, não seja tão ecumênica quanto Ijuí ou Santa Rosa (Lajeado-RS), mas formou-se nesse tipo de clima. Alguns anos atrás, descreveu seu primeiro envolvimento numa campanha político-eleitoral, naquele município. Foi pouco depois da Segunda Guerra, e autoridades, a quem alguns gostariam de edificar monumentos, haviam, durante anos, uivado que em Lajeado só existiam “alienígenas”, “quinta-colunas”, “traidores”. Mesmo assim, Tavares contou que fez campanha para e votou em um candidato que era um cidadão brasileiro de sobrenome alemão, contra um cidadão com sobrenome “autenticamente” brasileiro. Demonstrou coragem!

Agora, em Zero Hora de 8 de janeiro de 2012, escreveu uma emocionante crônica sobre a apresentação da Camerata de Ivoti, no Teatro São Pedro de Porto Alegre (a própria TVE deve ter captado que o público gostou, e reprisou o programa, no dia 7 de janeiro de 2012). O texto constitui uma poesia de louvor e admiração, não só à Camerata, mas ao povo de Ivoti. Contém observações de acuidade invejável. Tavares sabe que o fato de a moça negra cantar, a plenos pulmões, “... mit Worten oder mit Werken”, de saber pronunciar o nome do autor da música (Dietrich Buxtehude) e de, ao mesmo tempo, ostentar enormes brincos africanos não é sinal de barbárie, mas, muito antes, um símbolo de ecumenismo factível.

Claro, há coisas a melhorar - se nisseis e sanseis estão representados, na Camerata, numa proporção superior a sua participação no conjunto da população de Ivoti, a presença negra ainda está sub-representada. Mas a barbárie desenhada por criaturas - sob este aspecto, tétricas, sinistras - como o "Dr." Jair Krischke [confira], com certeza Flávio Tavares não consegue enxergar!

Que diferença, também, entre a opinião e a atitude de Flávio Tavares - que conhece Lajeado desde 1934 - e aquelas do atual [até 31/7/2012] Senhor Ministério Público Federal no município - que chegou alguns meses atrás! Este último, infelizmente, teve confirmadas suas previsões mais sombrias, provavelmente colhidas na sarjeta, quando, no primeiro dia de sua estada na cidade, ao passar pela Associação Rural, na Rua Bento Gonçalves, ouviu os "coloninhos" conversar em alemão. Sentiu o bafo da antibrasilidade! De imediato providenciou uma "bazuca antropológica" - e até hoje [até 31/7/2012] está caçando "neonazistas" na região [confira aqui e aqui]. 

Mas manifestações como a de Tavares sugerem que nem tudo está perdido! Aliás, teria uma curiosidade enorme em saber se o delegado Paulo Cesar Jardim leu a crônica; e, em caso, positivo, qual foi sua reação!

[Os arquivos da crônica estão abaixo] [8/1/2012]

Parte 1

Parte 2