Com este título publiquei, em 2004, um pequeno artigo, reproduzido neste site (ver aqui) e que gostaria de recomendar a Zdzislaw Malczewski, caso, dia desses, venha a fazer-me uma visita virtual. Infelizmente, só agora descobri seu comentário sobre o livro de Isabel Rosa Gritti em torno da Imigração e colonização polonesa no Rio Grande do Sul. A emergência do preconceito. O texto de Malczewski (datado de 2007) constitui uma acirrada crítica ao livro de Gritti, mas, sobretudo, uma dura investida contra minha pessoa como suposto divulgador de profundos preconceitos contra os poloneses. É um pouco estranho que um doutor em História possa ter feito uma leitura tão absolutamente errada daquilo que escrevi a título de apresentação ao trabalho de Isabel Gritti – evidentemente, esse erro também ocorre em relação ao livro em si, mas Isabel que se defenda sozinha, caso quiser! Não vou responder, porque qualquer leitor notará o equívoco absoluto. Mas gostaria de lembrar que um dia estava conversando com o Prof. Dr. Fernando Cláudio Zawislak – que Malczewski apresenta, merecidamente, como grande expoente da ciência brasileira – e constatamos que ele nasceu na mesma picada em que nasceu meu pai – a Linha Laranjeiras, hoje Ubiretama. Ele não conheceu meu pai, porque este era uns 20 anos mais velho que o professor. Tenho certeza de que, ao contrário daquilo que aconteceu com a feroz caçadora de “neonazistas” Adriana Abreu Magalhães Dias, Zdzislaw Malczewski se disporá a um diálogo, até porque não precisa explicar-me através de que meios obteve o número de meu telefone privado nem citar os nomes dos antropólogos que, supostamente, provam que eu estou completamente equivocado em meus estudos sobre a imigração e a colonização alemã. A caçadora de “neonazistas” desapareceu do mapa, e resolveu retirar todas as referências a minha pessoa de seu blog. O texto de Malczewski, em contrapartida, publico com muito prazer, aí embaixo, pelo simples fato de que contém uma grande quantidade de informações úteis sobre a imigração e a colonização polonesa. O original do texto está no site http://www.polonicus.com.br/pt/index.htm. Ali, precisa clicar em “Biblioteca”, quando aparecerá uma lista de textos – mas facilito as coisas aos interessados: basta clicar no “Leia mais” que segue.
No dia 6 de junho de 2011, recebi o seguinte mail de Zdzislaw Malczewski: “Ao Digníssimo Prof. Gertz: Agradeço seu texto. Li com muita atenção. Meu texto do livro da Profa. Gritti foi apenas uma resenha. Não pretendia atacar ninguém! Apenas apresentei a visão do problema do outro lado! Sucesso! Respeitosamente, Zdzislaw”.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO DE ISABEL ROSA GRITTI A RESPEITO DE PRECONCEITO EM RELAÇÃO À IMIGRAÇÃO POLONESA NO RIO GRANDE DO SUL
Zdzisław Malczewski SChr
(Redator da revista “Projeções”, autor de vários livros e numerosos artigos sobre a história da comunidade polônica no Brasil, doutor em História da Imigração Polonesa no Brasil pela Universidade Adam Miczkiewicz em Poznan, Polônia)
Nos dia 19-20 de outubro de 2001 tive a oportunidade de participar, em Erechim, de um seminário que foi promovido por ocasião do próximo 126º aniversário da imigração polonesa no Rio Grande do Sul. O evento foi organizado pela coletividade polônica de Erechim (sob o comando da enérgica sra. Wanda Krepinski Groch – cônsul honorária da Polônia na região do Alto Uruguai e Missões no Rio Grande do Sul) e pela Universidade Regional Integrada (URI). Entre os participantes – que apresentaram uma rica temática relacionada com a imigração polonesa –, encontrei Isabel Gritti, professora da universidade local, que apresentou um comunicado a respeito do tema “A formação dos primeiros núcleos de imigrantes poloneses”. Durante esse simpósio, foi mencionado em conversas particulares que ela estava escrevendo uma dissertação de doutorado a respeito dos preconceitos com que se defrontaram os imigrantes poloneses no Estado do Rio Grande do Sul. O tema desse projeto de pesquisa despertou em mim grande curiosidade, por duas razões. Primeiramente, porque durante dez anos exerci a atividade pastoral em duas regiões desse estado: em Erechim (Carlos Gomes) e Ijuí (Paróquia da Natividade de Nossa Senhora). Por outro lado, como alguém que pesquisa o destino da coletividade polonesa no Brasil, estava curioso por ver os resultados das pesquisas científicas de Isabel Gritti. Qual foi então a minha alegria quando fiquei sabendo que esse trabalho de pesquisa foi publicado! Infelizmente aqui em Curitiba eu não tinha possibilidade de adquirir a obra. Certo dia, ao examinar o sítio da editora polônica Ordycz & Ordakowski, de Porto Alegre, encontrei esse livro e pedi à editora que me fosse enviado a Curitiba. Em pouco tempo o livro se encontrava sobre a minha escrivaninha. A sua leitura envolveu-me inteiramente. Por isso gostaria de partilhar as minhas observações e reflexões a respeito do seu conteúdo.
Um olhar polonês para o conteúdo da dissertação
Primeiramente, é preciso expressar o reconhecimento à autora por haver abordado justamente essa temática, da imigração polonesa no Rio Grande do Sul. O trabalho em análise compõe-se de seis capítulos.
Visto que o livro se destina ao leitor brasileiro, o primeiro capítulo aborda a situação emigratória dos poloneses no século XIX, e, sobretudo, a situação da Polônia, que perdeu a sua liberdade e foi dividida entre os ocupantes: Rússia, Prússia e Áustria.
No capítulo segundo a autora apresenta a coletividade polonesa no Brasil. Logo de início, a autora comete um erro fundamental, quando escreve sobre o início da colonização polonesa no Rio Grande do Sul, que não se iniciou em 1889, como escreve Gritti, mas em 1875. A autora escreve que quando vieram os poloneses já havia no Rio Grande do Sul grandes grupos imigratórios: os alemães e os italianos. O fato histórico é o seguinte: a vinda dos poloneses a esse Estado ocorreu exatamente no mesmo ano que a dos italianos. Vale a pena viajar até São Marcos, onde no parque municipal encontra-se uma placa comemorativa instalada por ocasião do centenário da imigração polonesa no Rio Grande do Sul (1875-1975). O texto da placa, em língua portuguesa, reza: “Em 1890 estabeleceu-se aqui um grupo de poloneses, fundando a colônia São Marcos. Uma homenagem da população deste município por ocasião ‘da dupla colonização e imigração’, quando se comemora o centenário da imigração polonesa e italiana no Rio Grande do Sul. 1875-1975”.
O terceiro capítulo é dedicado aos preconceitos diante dos imigrantes poloneses e dos seus descendentes. Com o objetivo de fundamentar a sua tese, a autora baseia-se numa literatura por ela selecionada. Recorre, portanto, à literatura paranaense que apresenta, de forma seletiva, preconceitos registrados contra os nossos imigrantes e seus descendentes. Para a autora, a fonte básica nessa questão é evidentemente Octavio Ianni, com a sua controversa e não muito objetiva dissertação (A situação social do polonês. In: Raças e classes sociais no Brasil, Rio de Janeiro, 1972). Ianni, citado por Gritti, realizou as suas pesquisas nos anos cinqüenta do século passado. Ele apresentou os poloneses e seus descendentes como aqueles que substituíram no Brasil os negros. Daí a sua maliciosa observação em relação aos poloneses: “O negro no Paraná é o polonês”. Uma resposta a essa apresentação negativa dos poloneses no Paraná foi a ampla dissertação de Edwino Tempski Quem é o polonês?. É uma pena que a autora nada diga a esse respeito, porquanto em seu trabalho Tempski procura esclarecer as imprecisões que foram cometidas (conscientemente, com certa dose de preconceito ou talvez até com má intenção) por Ianni diante dos imigrantes poloneses. É uma pena que em suas pesquisas a autora não tenha querido perceber a imigração polonesa na antiga capital do país, no Rio de Janeiro. Teria encontrado ali belíssimas provas a respeito de como políticos, intelectuais, escritores e poetas desta bela e sensível nação brasileira se referiam à Polônia e à imigração polonesa. Exemplos: Rui Barbosa, Nilo Peçanha, Fernando de Mello Vianna, Carmen de Faro Lacerda, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Pedro Luís Pereira de Souza, Tobias Barreto, Castro Alves, José Veríssimo, Leôncio Correia, o conde Cândido Mendes de Almeida e muitos outros. Observe-se que no dia 24 de julho de 1929 foi criada no Rio de Janeiro a Sociedade Polono-Brasileira Tadeu Kosciuszko, cujo primeiro presidente foi o ministro Rodrigo Otávio, e o segundo vice-presidente, o prof. Aloísio de Castro. Entre os colaboradores dessa associação encontramos personalidades brasileiras como: José Mattoso Maia Forte, o senador Daniel de Carvalho, o general Ivo Soares. E mais um fato. No Rio de Janeiro era publicada a revista mensal Brasil-Polônia, cujo primeiro número apareceu no dia 15 de agosto de 1921. Seu primeiro redator foi Leôncio Correia, um conhecido poeta e intelectual brasileiro. Com o tempo, essa publicação, que era um órgão da Sociedade Polono-Brasileira Tadeu Kosciuszko, alcançou a tiragem de mil exemplares. O periódico, redigido em língua portuguesa, tinha um caráter informativo-propagandístico dos assuntos poloneses. Poderiam ser citados outros fatos, mas não é aqui o lugar para isso...
A seguir a autora cita o conhecido e apreciado historiador paranaense Ruy Christovam Wachowicz, que familiarizou o leitor brasileiro com a situação da Polônia ocupada e com a imigração polonesa no Brasil (O camponês polonês no Brasil – Raízes medievais da mentalidade emergente, Curitiba, 1974). Se olharmos, mesmo que superficialmente, para o Brasil-Colônia e a Polônia que se encontrava ocupada, chegaremos a uma conclusão simples. Os portugueses não estavam nada interessados com o desenvolvimento da colônia. As riquezas do Brasil eram exploradas e levadas a Portugal. A mesma coisa acontecia com a Prússia, a Rússia e a Áustria. Esses ocupantes não estavam nada preocupados com o desenvolvimento dos territórios poloneses ocupados. E a difícil situação agrária naquele período não era apenas um problema dos camponeses da Polônia. A mesma coisa acontecia nos países vizinhos. A transferência dos preconceitos prussianos diante dos poloneses ao território brasileiro era apenas um processo natural que se manifestava no continente europeu. De certa forma, essa tese é confirmada pela dissertação que a autora cita de Nedy M. Doustdar (Imigração polonesa: raízes históricas de um preconceito, Curitiba, 1990). Gritti cita também – de forma seletiva – certas observações de Krzysztof Smolana a respeito da gênese dos estereótipos latino-americanos (A gênese do estereótipo latino-americano. O caso brasileiro. In: Estudos latino-americanos, n. 5, Varsóvia, 1979).
No quarto capítulo, a autora apresenta um esboço geral da imigração no Rio Grande do Sul. De forma muito superficial, a autora menciona a pensão “Cristal” em Porto Alegre, na qual os imigrantes se detinham por certo tempo. Em três páginas, aborda apenas manifestações negativas dos imigrantes poloneses, porquanto dessa forma eles teriam sido percebidos pelos responsáveis pelo processo da colonização. Minha modesta pergunta: Os imigrantes poloneses não apresentariam nenhum traço positivo? Apenas traços negativos? É de estranhar... Mas isso porque a autora não se baseou em nenhum trabalho polonês que apresentasse os primórdios da vida dos nossos imigrantes, tais como: Dom Feliciano, Mariana Pimentel, Guarani das Missões, Ijuí, São Marcos, Erechim.
O quinto capítulo é dedicado à imigração e colonização polonesa no Rio Grande do Sul. Nessa parte da sua obra a autora aborda muito superficialmente: a administração dos núcleos de colonização, a imigração e colonização no estado do Rio Grande do Sul que se encontrava sob a influência do pensamento positivista. Na seção seguinte, que – ao menos para mim – traz o estranho título A Polônia na doutrina do positivismo, a autora cita as opiniões dos responsáveis pela colonização no Rio Grande do Sul. Não posso entender por que no título dessa seção se encontra a “Polônia”? Em oito páginas desse texto, através de citações e elucubrações próprias, a autora procura apresentar as manifestações da ideologia positivista e – evidentemente – aproveitar a ocasião para “desancar” os imigrantes poloneses. Naturalmente, era de se esperar, uma vez que em relação a esses imigrantes são citadas apenas opiniões negativas. Com certeza todo esse esforço intelectual da autora visava a lembrar no final a opinião de Augusto Comte, que afirmava que a Polônia, na hierarquia das nações, encontrava-se no nível mais baixo diante dos outros países emigratórios da Europa. Com base nessa opinião de Augusto Comte, a autora encerra o seu raciocínio com uma grande simplificação e chega à seguinte conclusão: “... os poloneses também são inferiores aos italiano, alemães, como bem o demonstra o mais destacado funcionário da Comissão de Terras, o engenheiro Montaury de Aguiar Leitão”.
Na seção seguinte, a autora comenta o relacionamento dos imigrantes poloneses com os outros grupos. Trata-se, naturalmente, de apresentar os imigrantes poloneses no contexto dos outros grupos imigratórios. De acordo com o princípio aceito, a autora cita opiniões negativas a respeito dos poloneses, expressas pelos responsáveis pela colonização do Rio Grande do Sul. Na minha opinião, a autora conclui essa seção com uma afirmação injusta diante dos imigrantes poloneses e dos seus descendentes: “A idéia da inferioridade do imigrante polonês estará presente nos seus descendentes no território do Rio Grande do Sul e se expressará de diversas formas”. Trabalhei em meio a comunidades polônicas em Carlos Gomes e Ijuí durante os primeiros dez anos da minha vida no Brasil (1979-1989) e não percebi manifestações desse sentimento de inferioridade entre pessoas de descendência polonesa. Encontrei pessoas de raízes polonesas, pessoas simples, mas também educadas e ocupantes de diversos cargos na vida social do Rio Grande do Sul. Não percebi na postura e nos pronunciamentos dessas pessoas o sentimento de inferioridade diante de pessoas de outra origem étnica. Fico muito curioso: Com base em que a autora tirou uma conclusão tão simplificada e apressada? Será que realizou algum tipo de pesquisa de campo a esse respeito? Ou possui algum tipo de provas concretamente documentadas que a autorizem a tirar tal conclusão?
O sexto capítulo do trabalho em análise traz o título “O preconceito anti-polonês – a manifestação no cotidiano”. A autora inicia essa parte do trabalho lembrando que até aquele momento da sua dissertação havia procurado mostrar o surgimento e as manifestações do preconceito diante dos imigrantes poloneses expresso na correspondência dos responsáveis pela administração da colonização. Por isso anuncia que na continuação do seu trabalho apresentará ainda mais documentos, provenientes da Secretaria das Obras Públicas. Um polonês que conheça mesmo que superficialmente a história do seu país fica muito espantado com a simplificação que faz a autora na frase em que afirma: “Ao falarmos da Polônia, falamos de opressão, uma vez que a história da Polônia e dos poloneses até o final da Primeira Guerra Mundial é uma história de dominação. A dominação não se dá apenas no plano econômico e político, mas também e conseqüentemente no cultural. Assim, os imigrantes poloneses que chegaram ao Brasil chegaram com o estigma da dominação”. Se a autora tivesse assinalado que tinha em mente o tempo das partilhas e a ocupação da Polônia pela Rússia, Prússia e Áustria, poderíamos concordar com isso. Caso contrário, com base nessa simplificação, o leitor brasileiro que desconheça a história da Polônia chegará à conclusão de que toda a história desse país foi um tempo de ocupação. Mas não foi essa a realidade. Na história da Polônia houve um período de grande desenvolvimento, de esplendor. Basta citar a fundação da Universidade de Cracóvia, em 1364, uma das primeiras universidades da Europa. Os séculos XV e XVI também assinalaram uma época de celebridade e glória da Polônia. Poderiam ainda ser citados outros períodos de esplendor da Polônia. É uma pena que a autora não tenha lido o livro publicado em língua portuguesa em 2001 pelo Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Varsóvia e intitulado Polônia e polono-brasileiros, onde poderia ter-se familiarizado com a história da Polônia, exposta pelo prof. Jan Kieniewicz. Esse livro se encontra acessível em muitos núcleos polônicos brasileiros. Se isso tivesse acontecido, com certeza não teria havido a simplificação de que falei acima. A parte subsequente do capítulo desse trabalho propriamente não introduz nada de novo na temática apresentada já no próprio título da obra.
Surpreendente é também a simplificação da questão abordada na seção intitulada “Manifestação do preconceito na literatura”. O fato de os poloneses constituírem uma minoria numérica diante dos grupos bem mais numerosos dos imigrantes italianos e alemães no Rio Grande do Sul não pode ser considerado como uma manifestação de preconceito, conforme a idéia que a autora quer impingir ao leitor. A seguir, a afirmação de que os poloneses e seus descendentes deixaram poucos trabalhos a respeito da presença polonesa no Brasil e no Rio Grande do Sul parece-me levemente exagerada. Na minha modesta opinião, a autora não se deu ao trabalho de fazer a esse respeito uma pesquisa mais ampla e exata. Se temos em mente a literatura que trata da história da colonização polonesa no Brasil e no Rio do Grande do Sul, não nos podemos restringir apenas a edições em língua portuguesa. Afinal, já nos primórdios da sua vida de imigrantes os poloneses descreviam a difícil situação com que se defrontaram neste país ou neste estado. Não podemos esquecer dos viajantes, dos pesquisadores que vinham da Polônia a fim de conhecer de perto a realidade dos nossos colonos. Frutos dessas viagens são livros que foram publicados na Polônia, mas que facilmente podem ser encontrado também aqui no Brasil. Não acredito muito que um historiador sério teria a coragem, em suas pesquisas científicas, de recorrer apenas a romances, que afinal não são fontes históricas. Muitas vezes o autor de um romance, em razão de sua fértil imaginação, apresenta mais ficção do que acontecimentos factográficos. Dessa tática, infelizmente, utiliza-se a autora quando apela à literatura de ficção, e ainda não necessariamente relacionada com os poloneses. Pergunto, então, qual é a relação entre os judeus que praticavam o comércio de escravas brancas (procedimento que a autora menciona em seu trabalho) com o suado e sangrento trabalho dos colonos poloneses na derrubada das matas brasileiras, no cultivo dos campos, na construção de casas, estradas, igrejas ou escolas? A citação de um longo trecho do romance de Marinho Kern é simplesmente despropositada. Com certeza convém apenas à autora e às premissas por ela aceitas.
A seção seguinte trata das manifestações de preconceito em relação a matrimônios contraídos. Com respeito, admiro o grande esforço que a autora empreendeu. Ela realizou uma rica pesquisa nos livros de matrimônios contraídos nas paróquias de São Feliciano, Getúlio Vargas, Carlos Gomes, Barão de Cotegipe, Áurea, Mariana Pimentel e Guarani das Missões. Quantos cálculos percentuais realizou? Eu me pergunto apenas uma coisa: Por que nessas pesquisas a autora recorreu apenas aos primórdios da imigração nessas regiões, mas não concluiu as suas buscas no período atual? Deteve-se nos anos sessenta do século passado (1950, 1954, 1959, 1960). Certamente porque isso lhe convinha para o tema previamente delineado. Eis que nessa seção a autora enfatiza que os imigrantes poloneses contraíam laços matrimoniais dentro do seu próprio grupo étnico. Pergunto: Com quem teriam de contrair casamento se em toda a extensão dessas regiões só haviam sido estabelecidos poloneses? Além disso, no início da vida de imigrantes, nem sempre as pessoas conhecem a língua local! É uma pena que autora não se tenha dado ao trabalho de realizar um diagrama semelhante entre os imigrantes italianos ou alemães. Será que esses dois grupos étnicos – no início da sua vida de imigrantes – tiveram outro tipo de comportamento nessa área? Ouso apresentar a minha dúvida a respeito dessa questão. Um conhecido sociólogo polonês, o prof. dr. Tadeusz Paleczny, da Universidade Jaguiellônica de Cracóvia, afirma que as transformações ou o status dos núcleos poloneses no interior em nada se diferenciam daqueles dos outros grupos étnicos no Brasil. Com base em S. A. Hartman, esse autor observa que “já nos anos sessenta foi percebida a regra de que algumas nacionalidades assimilam-se mais facilmente, ao passo que outras demonstram maior resistência. Os alemães e os japoneses são os menos suscetíveis às influências assimilativas. Por exemplo, 68,3 por cento dos casais alemães falam consigo na língua pátria, e com os filhos 46,2 por cento. Os japoneses, respectivamente 66,6 por cento e 48,8 por cento. Os portugueses, italianos e poloneses assimilam-se mais facilmente. Dessa forma, apenas 39,2 dos casais poloneses falam entre si em polonês, e com os filhos 24,5”. Neste ponto eu gostaria de recorrer à minha experiência pastoral em Carlos Gomes e Ijuí. Quantos foram os matrimônios polono-italianos, polono-alemães ou polono-negros que celebrei! Já não vou falar dos polono-poloneses... O que eu mesmo observei era uma manifestação natural, histórica de miscigenação étnica. Nos primórdios da vida colonizadora – aliás não apenas no Rio Grande do Sul –, não imagino que possa ter sido diferente. Aliás, não apenas entre os poloneses. E no que diz respeito ao antagonismo, que a autora menciona, e que seria observado entre os alemães e os poloneses, essa farpa histórica originária da Europa ficou profundamente ancorada na essência desses dois grupos étnicos. Por que os poloneses teriam de esquecer os quase 130 anos de opressão, de perseguição, de prisões, de germanização, de russificação com que se defrontaram em seu próprio território, que esteve sob a ocupação prussiana ou russa? Será que é tão fácil esquecer tais coisas? E o desprezo demonstrado pela outra parte em relação aos poloneses já é uma outra questão, a respeito da qual não me pronunciarei.
Na última seção desse capítulo, a autora aborda a questão do preconceito que se teria manifestado nos processos judiciais. A temática da seção é uma continuidade da tese adotada: Os poloneses e os seus descendentes no Rio Grande do Sul eram tratados com preconceito. A autora escolheu alguns processos judiciais que se travaram em razão de desavenças ou brigas que ocorreram no interior. Em geral, tratava-se da ofensa de pessoas de descendência polonesa, chamadas pejorativamente de “polacos”. Quando a autora cita os pronunciamentos de alguns representantes da justiça no sentido de que “os poloneses e os seus descendentes são ignorantes, mentirosos, encrenqueiros e bêbados”, ela o faz apenas para confirmar a sua tese. Se, como informa a autora, o chefe de polícia de Gaurama expressou essa opinião negativa a respeito de pessoas de descendência polonesa, então – conhecendo pessoalmente aquela região – pergunto: Quem, nesse caso, contribuiu para o desenvolvimento e o progresso do município de Gaurama? Uma porcentagem significativa dos habitantes do município é de origem polonesa, e se todos eles – segundo o chefe de polícia – eram tão primitivos e limitados, não teriam sido capazes de fazer qualquer coisa de bom e positivo. A autora deveria ter-se dado ao trabalho de “descobrir” a origem étnica daquele que se pronunciou dessa forma tão generalizante a respeito dos poloneses. Conhecendo a origem da pessoa que expressou publicamente tal opinião a respeito dos poloneses, teríamos apenas uma confirmação das animosidades existentes entre os representantes de alguns grupos étnicos diante dos poloneses. Do ponto de vista ético, pessoas que exercem funções públicas não devem expressar oficialmente as suas avaliações negativas particulares a respeito de cidadãos da mesma nação. Importa aqui enfatizar que, no contexto analisado dos preconceitos contra os poloneses e seus descendentes, a autora menciona também os preconceitos da parte de italianos ou alemães diante de pessoas de outra raça ou nacionalidade. Como daí resulta, não era apenas diante dos poloneses que surgiam preconceitos ou até demonstrações de desprezo. O que se deve lamentar é que a autora tenha tratado de forma muito seletiva os documentos de origem policial e judicial. Seria preciso, por exemplo, reunir todos os documentos processuais de determinado tribunal de justiça e verificar qual era a porcentagem de sentenças condenatórias de pessoas de descendência polonesa em relação aos outros grupos étnicos. Da mesma forma que no caso dos casamentos, as tabelas elaboradas pela autora parecem ser dispensáveis, porque em nada contribuíram para as pesquisas que no caso seriam recomendáveis. Se a autora tivesse demonstrado que, para 100 sentenças condenatórias, p. ex. 70% diziam respeito a pessoas de descendência polonesa, e o restante se distribuiria entre os demais grupos étnicos, isso nos faria refletir um pouco a respeito da postura dos imigrantes poloneses e dos seus descendentes diante das leis que estabeleciam a forma de convivência social em determinada coletividade. Essa seção constitui, para mim, mais uma prova da superficialidade das pesquisas realizadas e uma manifestação do preconceito da autora contra o grupo étnico polonês no Rio Grande do Sul.
Na conclusão, a autora realiza a síntese da sua dissertação. As conclusões que tira, no que diz respeito ao preconceito contra os poloneses e seus descendentes no Rio Grande do Sul, são baseadas em idéias positivistas velhas e ultrapassadas e em opiniões de funcionários da administração responsável pela colonização. No texto de Isabel Rosa Gritti manifesta-se fortemente o espírito da ideologia positivista, que acompanhou a sua obra, até o seu final. A atual antropologia teria muito trabalho para consertar muitos conceitos, afirmações e conclusões presentes na dissertação e que constituem uma herança intelectual de Augusto Comte.
Os preconceitos ou até o desprezo diante dos imigrantes poloneses no Rio Grande do Sul constituem uma realidade que ocorre não apenas diante desse grupo imigratório/étnico. Na monografia de Gritti falta a comparação do preconceito diante dos poloneses com os outros grupos imigratórios. Então a obra da autora seria muito mais completa. A leitura da obra dá a impressão de que o preconceito foi um fenômeno que existiu e continua a ocorrer apenas diante dos poloneses e seus descendentes. E, no entanto, assim não foi e não é. Existia um preconceito concreto, e até uma aversão da parte dos luso-brasileiros diante dos imigrantes. Essa aversão era demonstrada tanto a alemães como a italianos. A literatura brasileira a respeito desse tema é muito abundante. Aos interessados nessa questão, recomendo, por exemplo, o artigo de Paulo César Possamai “O processo de construção da identidade ítalo-sul-riograndense (1875-1918)”, in: História Unisinos, volume 11 – número 1, p. 49-57.
Convém assinalar que na rica bibliografia da obra analisada encontra-se apenas uma obra em língua polonesa: Emigracja polska w Brazylii. 100 lat osadnictwa, [Varsóvia] 1971. É de se lamentar que a autora não tenha baseado o seu estudo igualmente em publicações polonesas que tratam dos primórdios da colonização no Rio Grande do Sul. A literatura polonesa que analisa a temática da imigração polonesa no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul, é muito rica. A falta de apoio nessa literatura fez da dissertação de Gritti uma obra unilateral, incompleta. O leitor que conhece a literatura polonesa sobre esse tema não se sente plenamente satisfeito. Falta alguma coisa... a saber, mostrar esse outro lado, isto é, a realidade do imigrante polonês. É de se lamentar o fato de a autora não ter recorrido à publicação da comunidade polônica representada pela Superintendência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná, que publicou os Anais da comunidade brasileiro-polonesa, porquanto, como escreve o prof. Mariano Kawka, “os Anais tinham como objetivo básico oferecer aos estudiosos da imigração polonesa no Brasil textos e documentos originalmente escritos em polonês e traduzidos para o português, além de trabalhos originais de autoria de pesquisadores da problemática da imigração polonesa no Brasil”.
Merece atenção especial o cientista polonês Józef Siemiradzki, professor da Universidade de Lvov, que esteve no Brasil três vezes, a saber, nos anos 1881, 1891/92 e 1895. Ele realizou pesquisas geológicas, mas também da imigração polonesa. Um fruto da sua estada no país são as dissertações dedicadas à problemática da colonização polonesa. No ano 1891, fizeram companhia ao prof. Siemiradzki os engenheiros Witold Lazniewski e Antoni Hempel. Durante o período de um ano e meio que permaneceram no Brasil, eles visitaram os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estudando a geologia dessa região do país. Como fruto de suas viagens e pesquisas, em 1893 o engenheiro Antoni Hempel publicou em Lvov a sua obra Polacy w Brazylii (Os poloneses no Brasil). Na mencionada obra, Hempel observa: “Os imigrantes poloneses no Rio Grande do Sul encontram-se numa situação idêntica à daqueles que se estabeleceram em outros estados. Durante seis meses residem em barracas, são explorados pelos comerciantes e sofrem em razão da mesma desordem administrativa”.
Digna de ser apresentada neste lugar é também a obra do dr. Stanislaw Kobukowski Wspomnienia z podrózy po Brazylii, Argentynie, Paragwaju, Patagonii i Ziemi Ognistej (Recordações de uma viagem ao Brasil, Argentina, Paraguai, Patagônia e Terra do Fogo), Lvov, 1898. Nesse livro, que conta 192 páginas, 42 páginas são dedicadas à estada do autor no Rio Grande do Sul, onde visitou os núcleos da imigração polonesa.
Um outro viajante e escritor foi Apoloniusz Zarychta. Em 1926, publicou em Varsóvia o livro Wśród polskich conquistadorów (plemię zdobywców). Wrażenia i przygody z podróży po południowej Brazylii (Entre os conquistadores poloneses. Impressões e aventuras de uma viagem pelo Brasil meridional). Em sua obra, baseada em observações pessoais, apresenta as grandes lutas dos imigrantes poloneses, cujas “ferramentas” principais eram as mãos, a obstinação camponesa e a laboriosidade. O autor considera a disposição para o trabalho o traço dominante da índole dos camponeses poloneses no Brasil. Além da mencionada disposição para o trabalho, menciona igualmente: “a honestidade, a laboriosidade (...), a coragem, a obstinação, a perseverança, o respeito ao próprio trabalho e o profundo sentimento da justeza do seu esforço”.
Algumas observações finais
A autora merece o reconhecimento por ter abordado esse difícil, complexo e delicado tema. O seu trabalho e esforço intelectual seriam mais completos se tivesse recorrido também à bibliografia polonesa. Então teríamos um trabalho que apresenta o preconceito, mas não como um fenômeno exclusivo diante dos imigrantes poloneses e seus descendentes no Rio Grande do Sul.
De uma atenta leitura do texto de apresentação do trabalho de Isabel Rosa Gritti, do prof. René E. Gertz – orientador desse trabalho científico –, pode-se perceber que nas entrelinhas do texto do professor podem ser percebidos muitos preconceitos diante dos imigrantes poloneses, dos seus descendentes e da Polônia, que ele define como “um país considerado marginal”. Reconhecido por quem? Situado à margem de quê?
Um outro índice do seu preconceito é a afirmação de que as imigrações alemã e italiana produziram muitas fontes a respeito da sua história, ao passo que – como escreve o professor – “a marginalidade dos polono-gaúchos parece ter produzido relativamente poucos vestígios escritos”. Parece que em geral nos vangloriamos dos próprios empreendimentos e sucessos e não queremos perceber o trabalho dos outros. Já que o prof. Gertz menciona os jornais, almanaques e brochuras publicados pelos italianos e alemães, por que se recusa a perceber que também os imigrantes poloneses tiveram as suas publicações? Naturalmente, a maior parte delas era editada, a partir de 1892 (Gazeta polska w Brazylii – Jornal polonês no Brasil), em Curitiba. Nos jornais em língua polonesa (cujos títulos não vou citar, porque isso não entra no mérito da questão aqui discutida), publicados em Curitiba e que atingiam os núcleos de imigração polonesa em muitas regiões meridionais do Brasil, publicavam os seus artigos também os imigrantes poloneses do Rio Grande do Sul. Nesses artigos, eles descreviam também as suas experiências de imigrantes. Curitiba foi e continua sendo o centro da colônia polonesa no Brasil. Mas isso não significa que no Rio Grande do Sul os nossos imigrantes tenham permanecido de braços cruzados e não tenham deixado nenhum vestígio escrito, como lhes quer impingir o prof. Gertz. Eis alguns exemplos disso: a Sociedade Águia Branca de Rio Grande publicava a partir de 1905 o Naprzód (Avante); nos anos 1909-1910 Adam Zgraja publicava em Ijuí o Kolonista (O colono); nos anos 1914-1915, também em Ijuí, o pe. Antônio Cuber publicava o Kolonista polski (O colono polonês); nos anos 1916-1917, em Guarani das Missões, era publicado o Tygodnik zwiazkowy (Semanário das associações); nos anos 1927-1929 era publicado em Porto Alegre o Echo polskie (Eco polonês); nos anos 1929-1930, igualmente em Porto Alegre, os poloneses publicavam o Sportowiec (O desportista); nos anos 1930-1933, ainda em Porto Alegre, saía o jornal quinzenal Odrodzenie (Renascimento); nos anos 1930-1933, também na capital do Rio Grande do Sul, era editada a publicação Polonia (Comunidade polônica); era também publicado o Biuletyn informacyjny (Boletim informativo), como órgão da federação das associações polonesas no Rio Grande do Sul; nos anos 1939-1940 era publicado em Porto Alegre o Boletim informativo das atividades do Comitê Brasileiro de Socorro às Vítimas de Guerra na Polônia; em 1950, na mesma cidade, saía a publicação mensal Polônia; em 1958 a paróquia polonesa em Porto Alegre publicava o Pobudka (Estímulo); a partir de 1965, o grupo de folclore polonês em Porto Alegre publicava o Jopol informa; em 1967, em Camaquã, era publicado o Biuletyn polski (Boletim polonês); a partir de 1969 era publicado em Porto Alegre o boletim Polônia; em 1946 e 1958 foram publicados os dois cadernos Dom Feliciano. Além das publicações mencionadas, os poloneses editaram no Rio Grande do Sul os almanaques: Kolonista – Kalendarz polski (O colono – Almanaque polonês), publicado em 1910 em Ijuí; Kolonista – Kalendarz polski w Brazylii (O colono – Almanaque polonês no Brasil), também publicado em Ijuí em 1911. São alguns exemplos...
Na continuação do texto o prof. Gertz expressa o espanto por que os poloneses do Rio Grande do Sul não se preocuparam em elaborar a sua história. Segundo ele, isso foi feito por uma autora de sobrenome italiano. Aqui expresso o meu espanto: será que a ciência faz algum tipo de restrições, no sentido de que as questões relacionadas com alguma nação ou algum grupo étnico sejam reservadas apenas a pessoas que tenham as mesmas raízes? Se assim fosse, por exemplo, o prof. dr. Marcin Kula, da Universidade de Varsóvia, não teria escrito uma história do Brasil: Historia Brazylii, Wroclaw-Warszawa-Kraków-Gdansk-Lodz, 1987, p. 412; o prof. dr. Tadeusz Paleczny, da Universidade Jagiellônica de Cracóvia, não teria publicado uma obra dedicada a questões sociais brasileiras: Rasa, etniczność i religia w brazylijskim procesie narodotwórczym (Rasa, etnicidade e religião no processo formativo da nação brasileira), Cracóvia, 2004, p 243; ou o prof. dr. Andrzej Dembicz, da Universidade de Varsóvia, não teria ousado escrever e publicar uma rica obra dedicada à América: Filozofia poznawania Ameryki (A filosofia do conhecimento da América), Varsóvia, 2006, p. 457. Acrescento mais um exemplo. O historiador inglês Norman Davies escreveu uma história da Polônia: Boże igrzysko (Espetáculo divino), Cracóvia, 2001, p. 1183. É interessante que os ingleses não seguiram o exemplo do prof. Gertz e não censuraram os poloneses porque um inglês decidiu escrever a história da Polônia. Além do que, essa importante obra de Norman Davies foi traduzida para o polonês e publicada na Polônia.
Permito-me agora mencionar pelo menos algumas obras que tratam do tema da imigração polonesa no Rio Grande do Sul escritas por poloneses ou seus descendentes e publicadas antes ainda da dissertação aqui analisada de Isabel Rosa Gritti: João Ladislau Wonsowski, Nos peraus do rio das Antas, Caxias do Sul – Porto Alegre, 1976; Renato Tubino Lempek, Do Francisco ao Rafael. 100 anos de imigração polonesa 1898-1998, [Rio Grande], 1998; Grzegorz Kozienski SChr, Salvando do esquecimento. Atividades da Sociedade Águia Branca na Linha Evaristo Teixeira – Dom Feliciano – RS, Curitiba, 2001. Não menciono muitas outras obras que surgiram após a publicação do livro de Isabel Rosa Gritti.
Além disso, o prof. Gertz expressa o seu preconceito quando afirma: “Naturalmente, quase todos os poloneses e descendentes deixaram marcas nos registros oficiais de nascimento, de casamento e de óbito”. Pessoalmente admiro a fertilidade intelectual do prof. Gertz. O seu “curriculum vitae” é muito rico. Seria de se esperar de um tão conhecido intelectual rio-grandense uma abertura maior ao “outro”, da mesma forma que um pouco mais de objetividade. Com certeza o seu grupo étnico, muito mais numeroso que o grupo imigratório polonês no território do Rio Grande do Sul, realizou muitas coisas e possui a seu crédito muitas iniciativas e sucessos. Isso não pode ser negado nem apagado da história do estado do Rio Grande do Sul. No entanto esse fato não autoriza o intelectual, pesquisador da estatura do prof. Gertz, a não querer perceber a variada contribuição do grupo imigratório polonês para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
Nas modestas pesquisas que estou realizando com referência ao grupo imigratório polonês no Brasil, os descendentes dos meus compatriotas residentes no Rio Grande do Sul permanecem para mim ainda uma coletividade pouco conhecida. Mesmo assim, permito-me mencionar algumas personalidades polonesas que, além dos “registros oficiais de nascimento, de casamento e de óbito”, deixaram algo mais para o Rio Grande do Sul.
Em 1852, entre os soldados alemães que lutavam no exército brasileiro (15º Batalhão), encontramos também poloneses: o tenente Niewiadomski, Carlos Noack e Barnatski. Na 6ª Companhia encontramos sobrenomes poloneses como: Parkowski, Capitão Eduardo Stepanowski. Igualmente na campanha Farroupilha lutou o polonês Gudowski. No 28º Batalhão de fuzileiros encontravam-se: Murtki, Storek, Renek, Parkowski, Chendasiewicz.
Será que o nome do engenheiro e capitão-de-fragata Floriano Zurowski nada significa? Em 1850, ele veio à Argentina, onde três anos depois tornou-se comandante da marinha. Em 1854, estabeleceu-se justamente no Rio Grande do Sul. Naturalizou-se em 1857. É considerado o primeiro polonês a obter o título de cidadão brasileiro. Trabalhou na regularização do rio Arroio dos Ratos. Dedicou-se também à medição de terras destinadas à colonização e foi diretor de colonização em Santo Ângelo e Santa Cruz.
Da Revolução Federalista (1893-1894) participou o “batalhão polonês”, sob o comando de Antônio Zdzislaw Bodziak, de São Mateus do Sul, Paraná. No mencionado batalhão, lutaram 300 imigrantes poloneses. Eles participaram de lutas também no território do Rio Grande do Sul, em Passo Fundo e Cruz Alta. Muitos poloneses perderam a vida nas escaramuças que ali ocorreram.
Ou veja-se na cidade de Itaqui o “Teatro Przewodowski”, construído pela coletividade daquela cidade para homenagear o capitão da marinha de guerra Estanislau Przewodowski pelo seu heroísmo na defesa da honra da armada brasileira. Estanislau era filho de um imigrante polonês, o conde engenheiro André Przewodowski – que granjeou grandes méritos, especialmente em Salvador, na Bahia.
Será que o nome do professor Ceslau Mariano Biezanko – que lecionou na Escola Superior de Agronomia (mais tarde transformada em Universidade Federal Agrícola) em Pelotas também nada significa? Vale a pena perguntar: Quem lançou os fundamentos da riqueza de hoje do Rio Grande do Sul que é o cultivo da soja em larga escala? Já em 1932, justamente o polonês Biezanko contribuiu para a introdução do cultivo da soja no estado, tendo realizado o seu trabalho pioneiro juntamente com imigrantes poloneses em Guarani das Missões. Além de muitas distinções e diplomas, recebidos de diversos países, foi honrado com a condecoração máxima do Brasil, a “Ordem do Cruzeiro do Sul”.
E o nome de Edmundo Gardolinski não diz nada? Este engenheiro polônico foi encarregado de construir, nos arredores de Porto Alegre (Passo de Areia) os prédios de apartamentos da Cidade Industrial, financiados pelo IAPI. Em 10 anos, surgiu uma verdadeira cidade para famílias de trabalhadores (1945-55). No Rio Grande do Sul, foi também engenheiro das Obras Públicas do governo do Estado. Além disso, entregou-se com afeição à pesquisa da imigração polonesa no Rio Grande do Sul. Passou a pesquisar os arquivos governamentais, particulares e a visitar as próprias colônias, recolhendo fontes e tirando fotografias. Acervo pessoal de Edmindo Gardolinski a familia doou à UFRGS.
Peço que um dia visite as catedrais católicas em Passo Fundo e Erechim, bem como a igreja paroquial em Dom Feliciano, para admirar as obras artísticas do imigrante polonês Arystarch Kaszkurewicz. Seria bom viajar ao interior desse belo estado e visitar também as antigas colônias polonesas. Podem ser encontrados ali santuários imponentes pelas proporções e pela beleza arquitetônica, construídos justamente por imigrantes poloneses, que os edificaram com seu próprio esforço, seu suor e sua perseverança, como expressão da sua profunda fé.
Uma outra personalidade (nascida em Ijuí) foi o bispo Dom Walmor Battú Wichrowski (falecido a 31 de outubro de 2001 em Porto Alegre). Ele concluiu muitos cursos na área da arte e da música eclesiástica, da medicina e do cinema na Europa, nos Estados Unidos e na América Central. Além das múltiplas funções eclesiásticas que exerceu, participou do Concílio Vaticano II (1962-1965), foi membro da Sociedade Internacional de Geografia nos EUA e da Associação dos Jornalistas do Rio Grande do Sul.
Um outro religioso, nascido na Polônia e que atuou também no Rio Grande do Sul, foi o pe. Antônio Rymar. Ele trabalhou em paróquias onde se haviam estabelecido imigrantes poloneses: Mariana Pimentel, Dom Feliciano, Guarani das Missões. Desde 1919 até o momento da sua morte (1923), exerceu atividade pastoral na paróquia de São Gabriel, na diocese de Uruguaiana. Nos momentos livres dedicava-a à construção de modelos de aparelhos voadores. Manteve correspondência com Santos Dumont. Pelos seus trabalhos científicos, foi homenageado pelo governo francês com a cruz do mérito.
Um outro religioso de quem não se pode esquecer é o frei Alberto Stawinski, capuchinho e autêntico gaúcho, filho de imigrantes poloneses, nascido em São Marcos. Sua biografia é muito rica. A sua atividade de jornalista e escritor, da mesma forma. Como provincial dos capuchinhos, deu início à publicação do Correio Riograndense. Dirigiu o Instituto Histórico os Frades Capuchinhos em Caxias do Sul e foi também juiz do Tribunal Eclesiástico em Porto Alegre. Dentre a sua rica produção literária, gostaria de citar apenas o Dicionário vêneto-riograndense-português. Há anos tenho encontrado no Rio Grande do Sul muitos capuchinhos de descendência italiana que não se importavam por ter o frei Alberto, de descendência polonesa, publicado esse dicionário. O bispo Dom Paulo Moretto, de Caxias do Sul, no sepultamento do frei Alberto deu um belo testemunho a seu respeito: “O frei Alberto foi capaz de amar e compreender as pessoas da sua origem, mas foi capaz de amar com o mesmo afeto a nossa colônia italiana”.
Dentre os atuais polono-gaúchos, mencionarei apenas alguns que trabalham com grande dedicação à sua pátria brasileira. Um deles é o deputado estadual Iradir Pietroski, que em 2005 exerceu a função de presidente da Assembléia Legislativa. Foi escolhido novamente para o cargo de deputado estadual (2007-2010). Um outro deputado de origem polonesa foi Sérgio Luiz Stasinski (2003-2006). Em 2003, apresentou um projeto na Assembléia Legislativa para que o dia 3 de maio fosse instituído como “Dia da comunidade polonesa no Rio Grande do Sul”. Esse projeto foi aprovado pela Assembléia (Lei n. 11.949/03). Além desses dois políticos, disponho de uma lista de cerca de 400 pessoas de origem polonesa que se envolveram na vida política do Rio Grande do Sul (deputados, prefeitos, vice-prefeitos, vereadores).
O prof. dr. Fernando Cláudio Zawislak é professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele é um especialista em física atômica conhecido na arena internacional. É membro da Academia Brasileira de Ciência e possui muitas e importantes distinções. Mencionemos ainda o dr. Wilson Carlos Rodycz, que no dia 14 de maio de 1998 assumiu a função de desembargador em Porto Alegre.
Será possível deixar de mencionar a pessoa de origem polonesa mais conhecida em Porto Alegre, Letícia Wierzchowski, que com a publicação dos seus livros engrandece a etnia polonesa no Rio Grande do Sul? Afinal um dos seus romances tornou-se há pouco tempo tema de uma novela de sucesso na televisão brasileira!
Percebe-se que o número das pessoas de descendência polonesa, a diversidade das profissões exercidas, as posições por elas ocupadas na sociedade rio-grandense são muito significativos. Os contatos pessoais com muitas dessas pessoas autorizam-me a tirar tal conclusão.
Convidaria ainda a um passeio pelas cidades, pelas vilas do estado do Rio Grande do Sul e observar atentamente os nomes das ruas. O observador atento perceberá um grande número de ruas dedicadas a poloneses e, sobretudo, a pessoas de descendência polonesa. Posso fornecer tal lista de ruas não apenas do Rio Grande do Sul. Em minha coleção possuo um registro de mais de 1.700 nomes de ruas de diversas cidades ou vilas deste maravilhoso país que é o Brasil.
Os fatos e as pessoas por mim acima mencionados, da mesma forma que os nomes poloneses visíveis nas denominações de ruas em cidades e vilas constituem um testemunho suficiente para o fato de que, além dos “registros oficiais de nascimento, de casamento e de óbito”, os imigrantes poloneses e seus descendentes deixaram muitos e mitos vestígios visíveis no Rio Grande do Sul. Por isso o professor Gertz, embora tanto se tenha inflamado no seu preconceito contra os poloneses, não tem nenhuma razão nessa sua injusta observação crítica.
O professor René E. Gertz tem razão quando afirma que Isabel Rosa Gritti deu início às pesquisas científicas no que diz respeito à história de um grupo étnico visível pela sua presença percentual no estado do Rio Grande do Sul. Estou profundamente convencido de que realmente o seu livro contribuirá para as pesquisas – não apenas históricas –, no entanto mais argutas e objetivas em relação à presença e à contribuição polonesa para o desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul.
Através da sua publicação, Isabel Rosa Gritti lançou um desafio. Isso é certo. Quem sabe, talvez alguém dos representantes da coletividade polônica no Brasil aceitará esse desafio e completará as lacunas que aparecem na polêmica obra em cuja análise nos detivemos.
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