Na edição de 14 de abril de 2017, tanto Correio do Povo quanto Zero Hora repercutiram uma matéria originalmente apresentada por Sul21, segundo a qual uma estagiária do curso de Filosofia da PUCRS teria feito apologia do nazismo, no primeiro dia de sua atividade no Colégio Estadual Paula Soares, em Porto Alegre. Se nossa imprensa de meia canela tivesse anunciado que a estagiária chegou à sala de aula e disse aos alunos que durante seu estágio trataria de apenas um filósofo, de Martin Heidegger, o qual, em sua opinião, foi o único do século XX que teve uma coerência absoluta entre pensamento e ação, eu diria que uma eventual suspeita em relação às intenções da moça poderia ser entendida. [Nada contra nem a favor de Heidegger, estou fazendo apenas um exercício de lógica; depois de ter lido uma página e meia de um texto dele, no original (!), desisti, por não ter entendido nada].
Mas diante dos acontecimentos descritos nas matérias, qualquer jornalista com ao menos um neurônio em funcionamento deveria ter concluído pela obviedade uivante de que se estava diante de uma situação de absoluta anormalidade [http://www.sul21.com.br/jornal/escola-registra-ocorrencia-contra-universitaria-por-apologia-ao-nazismo-durante-estagio/]. Se é verdade que o nome da pessoa não foi citado, a curiosidade popular foi instigada. Certamente, ela e a família foram identificadas, e sofreram bullying. Será que a imprensa de meia canela deste país já ouviu falar que um dos cinco pilares da nossa ordem constitucional é a dignidade da pessoa humana (Art. 1º da nossa Constituição)?
Dia desses, depois que eu havia infartado, disse aos meus alunos que esse é o destino inevitável de qualquer weberiano. Aqui estamos mais uma vez diante de um caso que leva qualquer democrata ao infarto. Por um lado, nós defendemos, como pilar inabalável de uma sociedade democrática, aberta, a total liberdade de imprensa – entrei em pânico, algum tempo atrás, quando, num primeiro momento, nossa ministra Rosa Weber (STF) titubeou em dar um basta no caso das pressões de juízes do Paraná contra jornalistas que haviam publicado os valores recebidos pelos magistrados dos cofres públicos. Por outro lado, no entanto, a produção de excrementos por parte da imprensa é cotidiana!
No caso em pauta, ainda fica claro que alguns jornalistas simplesmente não querem aprender com eventuais erros que lhes são apontados. A matéria de Zero Hora está assinada. E o jornalista que a assina é cossignatário de uma matéria sobre “neonazismo” no caderno DOC, do mesmo jornal, de 14/15 de janeiro de 2017, na qual foram cometidas algumas derrapadas equivalentes, em relação a um tema semelhante (para ver, clicar aqui). Os três jornalistas desta matéria foram por mim alertados – e reagiram, comunicando o recebimento de minhas ponderações. Mas essa nova derrapada mostra que o efeito foi ZERO! Posso até imaginar que o rapaz que assinou a matéria do dia 14 de abril a tenha escrito pensando em mostrar a esse besta do professor René Gertz que manifestações e ataques nazistas/"neonazistas" são cotidianos, neste estado. Ele possui uma folha de "serviços" prestados à causa: esteve presente, como "depoente", na tristissimamente "memorável" sessão pública da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, montada pela deputada Maria do Rosário Nunes para caçar "neonazistas" no Rio Grande do Sul, realizada na Assembleia Legislativa gaúcha, em 13 de julho de 2009! Objetivamente, "quebrou a cara" duas vezes, num intervalo de poucas semanas; subjetivamente, porém, deve achar-se o tal, e, certamente, continuará escrevendo as mesmas bobagens sobre o tema que escreveu até agora.
Que fazer? Estamos diante de uma das brutais antinomias para as quais a obra de Max Weber nos alerta: como democratas, somos obrigados a não fazer nenhuma concessão a qualquer tentativa de restringir a liberdade de imprensa. Esta, no entanto, utiliza essa sua liberdade para produzir os excrementos amplamente divulgados! Só nos resta infartar!
Infelizmente, pode estar acontecendo algo pior: diante de um antecedente efetivamente registrado em 2010, em Lajeado/Teutônia, quando um procurador da República, só por ter ouvido meninas de um noticioso televisivo dizerem que numa rodovia que passa por lá haviam sido desenhadas suásticas, desencadeou uma "desneonazificação" em todo o vale do rio Taquari, durante quase dois anos (para ver, clicar aqui), imagine-se que pode vir a acontecer agora, quando a moça teria dito que lá em Carazinho absolutamente todo mundo é nazista! Só falta que um procurador da República tenha aberto um inquérito civil público, baseado num “laudo antropológico”, para pleitear o internamento, num campo de reeducação, não só da população de Carazinho, mas de todo o Planalto Médio! Existe coração que aguenta tudo isso?
Em contrapartida, em 10 de novembro de 2016, chamei a atenção da procuradora-chefe do MPF-RS que a estapafúrdia Comissão Externa da Câmara dos Deputados requerida, em 2009, pela deputada Maria do Rosário Nunes para caçar "neonazistas" no RS não havia encontrado nada contra os "alemãos", mas não teve coragem de confessar seu erro, e consequente fracasso (para ver, clicar aqui). Como essa comissão tivesse gastado rios de dinheiro - na demente sessão pública de 13 de julho de 2009, na Assembleia Legislativa gaúcha, por exemplo, teve até cronometrista (mesmo que ele não tenha sido trazido de Brasília, com todos os gastos decorrentes, com certeza, não trabalhou de graça). Essa gastança certamente não fica a dever nada (ao menos em termos de gravidade) às falcatruas investigadas pela Lava Jato. Se os colegas de Curitiba até repatriaram dinheiro do exterior, pergunto que fez o MPF-RS para reaver o dinheiro público gasto no desastrado empreendimento que denominaram de CEXNEONA? Só falta, agora, ainda gastar um "grana preta" na construção de campos de internamento para as várias centenas de milhares de habitantes do Planalto Médio - só porque a "estagiária nazista" teria dito que por lá todo mundo é nazista!
P. S.: às 12h10min de hoje (19/4/2017), o Correio do Povo publicou, em sua página na internet, uma nota sobre a manifestação policial feita pela manhã, que declarou o caso como encerrado, por razões óbvias. A pergunta que fica é se a direção do jornal sabe quantos dos potenciais milhares de leitores que, no dia 14 de abril, registraram em sua memória que aconteceu mais uma manifestação nazista por parte de uma “alemoa” (mesmo que as pessoas não saibam o nome dela) apagaram essa “informação” do seu cérebro? Além disso, lamentavelmente, não noticiou nada na edição impressa de 20/4/2017. Quanto a Zero Hora e a Sul21 online, não encontrei nenhuma referência, até o horário em que foi postada esta nota (18h15min) [atenção: retifico-me em relação a Sul21, pois com data de 20 de abril, sem indicação de horário, este órgão de imprensa publicou uma breve informação sobre o encerramento do caso pela polícia; mantenho o restante do texto, por não costumar retirar textos publicados - eles representam o momento histórico em que foram redigidos -, e também porque continua imperdoável a mancada homérica em ter colocado essa notícia absurda no mundo]. Em ZH impressa do dia 20 de abril, com certeza, não foi publicada nenhuma matéria específica sobre o encerramento do caso, pela polícia - lembrando que a matéria da "denúncia" do dia 14 ocupou mais de 30% de uma página. Essa é a nossa imprensa de latrina. Erra feio, mas nem pensa em reconhecer seus erros. Sintomático é que os responsáveis últimos por esses órgãos jornalísticos se caracterizam por posições político-partidárias que vão do PP ao PT, e do ponto de vista religioso se confessam a igrejas tão diferentes quanto a de Jesus, de Moisés e de Marx. Aparentemente, aquilo que os une é o imaginário insano de que, no Rio Grande do Sul, por abrigar esses supostos animais dos "alemãos", nazismo/"neonazismo" constituem uma pandemia endêmica. E eles, quais messias do bem, se sentem autorizados a combater esse suposto mal, mesmo recorrendo a práticas jornalísticas repugnantes. [19/4/2017]