Em 2015 ou 2016, recebi um e-mail de uma pessoa que dizia ter lido meus textos sobre “neonazismo”, afirmando que o problema estava no fato de eu não ter reconhecido o caráter mítico (místico?) do mesmo. Como me considero a personificação da racionalidade, simplesmente descartei a mensagem, sem preocupar-me em guardar o nome do remetente. Já neste ano de 2017, descobri uma dissertação de mestrado cuja leitura me fez relembrar aquele e-mail descartado, sem resposta, levando-me a desconfiar que o autor possa ser o remetente.

 

 

Concretamente, trata-se de Éderson da Rosa Pereira, com a dissertação Grupos neonazistas no Rio Grande do Sul: da realidade virtual à ficção histórica, defendida em 2016, na Universidade de Santo Amaro (UNISA). Depois de ter enfrentado algumas dúvidas sobre a identidade do autor, espero ter, agora, algumas informações básicas sobre ele. Trata-se de um afrodescendente, graduado em Filosofia, aparentemente pertencente ao clero da Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo que em seu Currículo Lattes não conste um curso regular de Teologia – em todo caso, há indícios de possuir vínculos com a Igreja. O fato de haver referências a trabalhos seus sobre Kant – o filósofo da Aufklärung, do “Esclarecimento” (“Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”) –, cujos textos aparentemente leu no original, aumentou meu interesse por seu trabalho.

De fato, para quem – como eu – foi vítima dos impropérios destemperados, das inomináveis agressões verbais da mestre em Antropologia Adriana Abreu Magalhães Dias, a dissertação de Éderson Pereira é um exemplo de respeito pessoal e acadêmico, de ponderação. Meu nome aparece umas 40 vezes no texto. Inclusive minha “diferença” com Adriana Dias está registrada: “As afirmações de Adriana Dias sobre o número de neonazistas existentes no Brasil, e que eles estão vinculados ao separatismo do sul, sem, contudo, demonstrar provas concretas, são dois motivos para que seus escritos não sejam uma das referências bibliográficas relevantes neste trabalho, embora importantes para a academia. Esses e outros apontamentos ao trabalho da autora foram, primeiramente, assinalados por René Gertz” (p. 124).

Apesar disso, não é fácil confrontar-se com o texto. Abstraindo de alguns problemas estruturais, e outros, o autor insiste na importância do mito como elemento fundamental constitutivo do nazismo histórico, para concluir que o “neonazismo” é uma “metástase” do mesmo (p. 92). E tudo isso desemboca num possível curto circuito mental de que um mito, uma vez instalado numa sociedade – como teria acontecido com a sociedade alemã –, dificilmente pode ser eliminado. Por isso, para o autor, mesmo tendo reconhecido meus argumentos contra a tese que impera absoluta no senso comum de que os “alemães”, isto é, os cidadãos brasileiros de sobrenome alemão, sejam os responsáveis pelo “neonazismo”, acaba – de alguma forma – aderindo a esse senso comum. Cito um trecho da conclusão: "Os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil, em particular no estado do RS, constituíram-se em representantes eficazes do nazismo na América; num primeiro momento, talvez, por não estarem suficientemente esclarecidos a respeito dos perigos que advinham do nazismo, mas com preocupações maiores de exaltar o ‘germanismo’. Assim como o nazismo se aproveitou do expressivo número de imigrantes alemães para se expandir no Brasil, o neonazismo contemporâneo faz-se presente em regiões povoadas por descendentes de europeus, para difundir suas ideias. É o que está acontecendo atualmente no estado do RS, mobilizando o poder público para conter a violência que o preconceito racial pode gerar” (p. 146). Se a frase por mim sublinhada, ao citar "descendentes de europeus", se refere a "descendentes de alemães", a dissertação não apresenta QUALQUER prova nesse sentido (se abstrairmos da ÚNICA exceção, o caso de Teutônia, exaustivamente esclarecido neste site).

Posso estar dando uma interpretação errada, mas, até prova em contrário, com essa afirmação, todas as minhas informações, todos os meus argumentos de que os números de Adriana Dias sobre “neonazistas” no RS são exagerados, mas, sobretudo, que não há indícios, e muito menos provas, de que os “alemães” gaúchos sejam os responsáveis (situação, inclusive, formalmente reconhecida pelo MPF-RS), simplesmente são reduzidos a falsos. Em minha opinião, tudo isso deriva da importância atribuída, pelo autor, ao mito – que, no presente caso, se teria instalado entre os brasileiros de sobrenome alemão do Rio Grande do Sul, nos anos 1930, e se tornado inextirpável para todo sempre. Obviamente, também isso é um mito, que povoa a mente do senso comum! 

Ao contrário do autor da dissertação, que, aparentemente, é um bom conhecedor de Kant, meu conhecimento a respeito do filósofo de Königsberg é muito limitado, mas aprendi, nas aulas de Filosofia, que um dos aspectos de seu pensamento é o destaque que dá às limitações de nosso cérebro em pensar fora das categorias de tempo e de espaço. Mitos, pelo contrário, estão fora dessas categorias, e, por isso, pertencem ao mundo da “metafísica”. Como – nesta perspectiva – me considero um kantiano, convido o autor a dialogarmos. Faço essa proposta de público, pois, até agora, meus esforços para localizar seu endereço foram em vão. [1/8/2017]