Finalmente, um posicionamento oficial: o MPF-RS não possui indícios ou provas de que “alemães”, “italianos” e “poloneses” sejam os responsáveis pelo “neonazismo” no estado!
Fico imaginando o caos e a ineficiência que se registrariam na operação “Lava Jato” se a cada novo fato, a cada nova “entrada”, os dados, as informações caíssem na mão de um procurador da República diferente, que não tivesse qualquer conhecimento do desenvolvimento do caso até então, vendo-se, por isso, obrigado a estudar aquilo que aconteceu desde, no mínimo, o “mensalão”, lá em 2005, para entender aquilo que está em jogo agora. O resultado seria um desastre. Infelizmente, tenho a impressão de que com meu caso referente ao “neonazismo” perante o MPF-RS, em curso desde 2012, está acontecendo exatamente isso.
Para mim, a situação é muito penosa, porque, ao redigir minhas “notas” neste site sobre o assunto, cada vez sou obrigado a historiar os fatos, para que os leitores consigam entender aquilo que está em jogo, de forma que, inclusive, várias delas possuem um início igual. Infelizmente, esta “nota” não escapa dessa maçante rotina. Mas, vamos lá, tento resumir a história, pois ainda não descobri nenhuma forma alternativa!
Em 2010, ocorreram pichações com suásticas em Teutônia. O então procurador da República na região (Lajeado) resolveu agir, e desencadeou uma “desneonazificação”, ação que não se restringiu a Teutônia, mas atingiu outras comunidades do vale do Taquari. Numa “nota” intitulada “O retorno ao retorno do ‘neonazismo’ a Teutônia”, fiz uma dura crítica a ela. Mesmo que essa ação tivesse sido suspensa, não recebi qualquer retorno do MPF-RS nem consegui detectar qualquer medida para tentar evitar que no futuro situações desse tipo se repetissem. Por esse motivo, enviei carta à então procuradora-chefe do MPF-RS, com data de 19 de junho de 2015, ao final da qual formulei quatro perguntas. Como cerca de 60 dias depois não tivesse recebido qualquer retorno, reiterei-a, e só então recebi um e-mail comunicando que em relação à primeira pergunta (que se referia à ação do então procurador em Lajeado) o caso fora remetido a instâncias superiores do MPF em Brasília. Em 26 de novembro de 2015, recebi da Corregedoria-Geral do MPF o texto de uma “decisão” que dizia que não havia como imputar erro funcional ao então procurador em Lajeado. Respondi a essa “decisão” em carta-aberta, datada 9 de dezembro de 2015, e publicada neste site em 17 de dezembro do mesmo ano, sob o título “Carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho”, onde tento “desconstruí-la”.
Somente com data de 4 de abril de 2016, recebi carta da procuradora-chefe do MPF-RS que sucedera àquela a quem fora enviada a carta com as quatro perguntas, em junho de 2015, encaminhando um “despacho” seu, datado de 28 de março de 2016, no qual – supostamente – responde às minhas quatro perguntas. Mas esse “despacho” pode ser classificado de “desastrado”, pois uma resposta efetiva o texto só apresenta em relação à primeira pergunta, comunicando aquilo que eu já sabia desde dezembro de 2015, no sentido de que a Corregedoria do MPF em Brasília não atribuía cometimento de erro funcional por parte do então procurador em Lajeado. Respostas sobre a segunda e a terceira perguntas simplesmente não existem no documento. E, finalmente, a “resposta” à quarta pergunta é um problema!
O conteúdo da minha quarta pergunta é cristalino: “O MPF possui indícios ou provas contra as populações sul-rio-grandenses, sobretudo, de origem alemã, mas também italiana e polonesa?” – o contexto, obviamente, deixava claro que a responsabilidade aqui se referia à existência de “neonazismo” (e seus correlatos: nazismo, racismo etc.). Ainda que o texto do “despacho” da procuradora-chefe não confirme expressis verbis a pergunta, qualquer pessoa minimamente informada e de posse de suas faculdades mentais não poderá deixar de entender aquilo que está escrito no despacho como uma resposta positiva, no mínimo subentendida. Veja-se o texto da procuradora-chefe: “No que pertine aos itens 3 e 4, proceda-se certidão acerca de eventuais expedientes acerca do tema do 'neonazismo', 'nazismo' e/ou 'racismo' no Estado do Rio Grande do Sul, fornecendo-se tais dados ao solicitante”. Data venia, data maxima venia, como em nenhum momento de minha carta eu solicitei “expedientes” acerca de “neonazismo”, ou de qualquer outra coisa, mas, sim, perguntei de forma cristaliníssima sobre a existência (ou não!) de “indícios ou provas”, de sã consciência, alguém se arrisca a afirmar que essa “resposta” constitui uma clara negativa à minha quarta pergunta? Ou ela, no mínimo (repito: no mínimo), não sugere que a procuradora-chefe estivesse querendo dizer: “manda para o ‘solicitante’ os atos praticados por essa gente”? Fiz um comentário crítico à correspondência da procuradora-chefe numa “nota” intitulada “I-m-p-r-e-s-s-i-o-n-a-n-t-e”.
Diante dessa situação, com respostas tão absolutamente insatisfatórias provenientes de ninguém menos que da procuradora-chefe do MPF-RS, encaminhei nova correspondência à Corregedoria do MPF em Brasília, com data de 13 de junho de 2016, tratando desse assunto. Como essa carta está transcrita na sua quase integralidade na resposta dada pelo Corregedor-Geral do MPF, Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, remeto a ela (basta clicar aqui). A resposta do Corregedor-Geral inicia no final da página 4, onde afirma que “não compete a esta Corregedoria responder aos questionamentos jurídicos formulados pelo interessado [René Gertz]”. Na página 5, diz que “os fatos, como noticiados, não revelam indícios do cometimento de falta funcional”. Mas no último parágrafo do texto escreve: “Diante do exposto, e considerando o teor do pedido formulado no item ‘3’ da petição, determino o encaminhamento desse expediente à Chefia da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul”.
Claro, eu não sou jurista, não estou familiarizado com o jargão jurídico em geral, e, muito menos, com o jargão do MPF, mas, não é de todo improvável que o Corregedor-Geral tenha pretendido dizer que o item “3” do meu texto envolve uma questão que não é absurda, e que, por isso, merecia uma resposta da Chefia do MPF-RS. E parece que esse foi também o entendimento do próprio MPF-RS, pois, com data de 22 de novembro de 2016, recebi um ofício assinado pelo Procurador da República Fabiano de Moraes, Procurador-Regional dos Direitos do Cidadão – RS (para acessá-lo, clicar aqui). O texto é curto, e como diviso nele três “partes”, marquei a primeira e a terceira em amarelo, deixando a segunda sem marcação.
A primeira parte do ofício deve ser festejada com euforia. Agora se tem uma declaração em papel com as Armas da República, timbre do MPF, assinada por um procurador da República dizendo que no Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul “não se tem ciência de indícios ou provas de que os responsáveis por eventuais manifestações ou atos de racismo, nazismo e 'neonazismo' ocorridos no Rio Grande do Sul até a presente data [22/11/2016] são necessariamente descendentes de alemães, italianos ou poloneses deste estado”. Essa afirmação também permite pressupor que no MPF-RS não vigora a convicção de que pessoas originárias de "colonização germânica" apresentam uma "tendência" ao "neonazismo", como afirmou, publicamente, o então procurador da República em Lajeado. Aleluia, Aleluia, Aleluia, os milhares de cidadãos deste estado classificados (por si mesmos, ou por outros!) em uma das três citadas categorias poderão andar agora de cabeça erguida pela rua, contando, inclusive, – espero – com uma ação incisiva e decisiva do próprio MPF-RS quando forem agredidos, difamados como “racistas”, “neonazistas” e outros qualificativos equivalentes pelo simples fato de serem classificados como “alemães”, “italianos”, “poloneses” – garantia com que já estão contemplados, com muito zelo, alguns outros grupos. Concretamente, espera-se que o MPF-RS, de agora em diante, frente a afirmações de agentes de Estado e/ou de pessoas físicas que responsabilizem os citados cidadãos pelas referidas maldades sejam convocados a apresentar provas - e se não as tiverem, aplique-se a lei!
Infelizmente, porém, a euforia desencadeada pela primeira parte do ofício não se mantém no restante do texto. Pulo para a parte final. Ali o procurador Fabiano de Moraes escreve: “[não vislumbro atribuição do Ministério Público Federal para] reexaminar as aludidas declarações de membro do Ministério Público Federal a jornal local” – concretamente, trata-se aqui das declarações do então procurador da República em Lajeado a um jornal daquela cidade, por ocasião das pichações com suásticas em Teutônia e do desencadeamento da “desneonazificação” na região.
Em relação a essa parte, é necessário considerar o seguinte. Em minha carta à então procuradora-chefe Fabíola Dörr Caloy, datada de 19 de junho de 2015, a primeira das quatro perguntas, ao final do texto, diz o seguinte: “O MPF tomou alguma providência em relação aos atos e às manifestações do então procurador da República em Lajeado e da técnica pericial em Antropologia, no episódio das pichações com suásticas em Teutônia? Caso positivo, para quando se pode esperar uma manifestação sobre os resultados? Caso negativo, por que não foram tomadas providências?”. Atente-se para o fato de que esta carta foi escrita um ano e cinco meses antes do ofício do procurador Fabiano de Moraes. Ainda que aquilo que eu tivesse em mente ao formular esse texto fosse aquilo que na posterior carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho classifiquei de “reflexão”, no sentido de que o MPF-RS fizesse uma discussão sobre aquilo que ocorreu no vale do Taquari, para tentar aprender com a incontestável escorregada ali acontecida, admito que os termos do meu texto permitam a interpretação de que eu estivesse pedindo um reexame com objetivos recriminatórios.
Mas desde a carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, datada de 9 de dezembro de 2015, essa alternativa está definitivamente descartada, pois esse longuíssimo texto não contém qualquer pedido de “reexame”, pelo contrário, se o procurador Fabiano de Moraes tivesse tido tempo de lê-lo com atenção teria visto que ele abre mão, de forma explícita, de qualquer tentativa nesse sentido, e termina com o seguinte parágrafo: “Não sou um sanguinário que estivesse insistindo na imprescritibilidade desses atos, mas espero, sinceramente, que o MPF ainda venha a refletir sobre aquilo que aconteceu em Lajeado/Teutônia, e lance, num futuro próximo, uma diretriz – com ampla divulgação na sociedade – informando que, de agora em diante, também serão instaurados procedimentos, e, se for o caso, inquéritos civis públicos, quando houver indícios de agressão a qualquer pessoa ou a qualquer coletividade em relação a um ou mais dos itens previstos no Art. 20 da citada lei [7.716/89, e seus desdobramentos posteriores] (raça, cor, etnia, religião, procedência nacional)”.
Mesmo que eu tenha criticado a “decisão” do Subprocurador-Geral, em minha carta-aberta, há indícios de que ele tenha entendido minha boa intenção de ter feito as considerações constantes no texto no intuito de sugerir que elas poderiam/deveriam ser levadas em conta em situações idênticas ou semelhantes no futuro, mas não requeriam nenhuma réplica (pelo fato de eu não ter esperado resposta, inclusive, dei ao texto o “formato” de carta-aberta, ainda que tenha tido o cuidado de só publicá-la uma semana depois que o original havia sido entregue ao Subprocurador-Geral, para o caso de ele pretender contestá-la). É plausível que, por esse motivo, ele não tenha respondido, enquanto respondeu em menos de uma semana à minha carta de 19 de junho de 2016, que é a origem do imbróglio de que estamos tratando aqui, denotando que não havia demanda por uma resposta no primeiro caso, enquanto, aparentemente, considerou pertinente minha nova demanda, tendo respondido em tempo recorde!
Também em meu referido comentário sobre o “despacho” da procuradora-chefe do MPF-RS, de 28 de março de 2016, publicado neste site sob o título “I-m-p-r-e-s-s-i-o-n-a-n-t-e”, postado em 11 de abril de 2016, escrevi: “Sobre a primeira pergunta, o ‘despacho’ da procuradora-chefe informa que o caso ‘foi encaminhado à Corregedoria do MPF em Brasília’, de onde já recebi resposta, em relação à qual me manifestei na citada ‘Carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho’. Portanto, não há ressalva quanto à ação do MPF-RS e ao ‘despacho’ da procuradora-chefe naquilo que tange à resposta à minha primeira pergunta”. Aqui fica cristalino que o caso do então procurador em Lajeado estava DEFINITIVAMENTE colocado ad acta. Mais recentemente, li que ele está fazendo doutorado em uma universidade espanhola, e eu não seria louco em persistir em atribular sua vida – sou um ser humano como ele!
Por tudo isso, considerei despropositado, e absolutamente desnecessário, o fato de o procurador Fabiano de Moraes ter escrito em um ofício datado de 22 de novembro de 2016: “não vislumbro atribuição do Ministério Público Federal para [...] reexaminar as aludidas declarações de membro do Ministério Público Federal a jornal local”. Como mostrei, essa possibilidade estava definitivamente excluída em minhas manifestações há aproximadamente um ano – se o procurador tivesse tido tempo de ler de forma criteriosa toda a documentação teria verificado esse fato, e me pouparia dessa “estocada”.
Falta a terceira parte do ofício (que no texto está no meio - e não marcada em amarelo). Ela diz o seguinte: “Ressalvo, contudo, que não vislumbro atribuição do Ministério Público Federal para examinar as declarações públicas acerca do tema que constam do seu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul”. Como mostrei em minha análise do “despacho” da procuradora-chefe, ela, aparentemente, não teve consciência de que eu fizera “denúncias” contra dois tipos de pessoas por manifestações que, em tese, considero preconceituosas: por um lado, o então procurador da República em Lajeado, e, por outro lado, agentes de Estado e pessoas físicas “comuns” (sem qualquer vínculo com o MPF). No caso do ofício do procurador Fabiano de Moraes, essa distinção, aparentemente, foi feita, de forma que esta parte do texto se refere efetivamente ao segundo tipo de pessoas por mim “denunciadas”. Como o caso do então procurador em Lajeado está liquidado, vamos ao caso de pessoas que nada têm a ver com o MPF, pois são elas que, de fato, foram visadas no item “3” de minha demanda à Corregedoria. Acontece que nessa minha demanda de 13 de junho de 2016 eu não apenas perguntei se o MPF-RS tomaria alguma medida em relação às manifestações, mas também escrevi: “Se o MPF-RS considerar as referidas manifestações como normais, não preconceituosas, sinto-me no direito de receber uma explicação para essa avaliação” (início da página 4). Parto do pressuposto de que o Corregedor-Geral, ao transcrever essa passagem do item ‘3’ e encaminhá-la ao MPF-RS tenha esperado que esse aspecto fosse incluído numa eventual resposta a mim. No entanto, como visto, o procurador Fabiano de Moraes não se deu ao trabalho de fornecer qualquer explicação – simplesmente afirmou que o MPF-RS não tem nada a ver com isso (“não vislumbro atribuição do Ministério Público Federal para examinar as declarações públicas acerca do tema que constam do seu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul”).
Diante da situação, convido os leitores (e o próprio procurador) a raciocinar comigo. Na página 104 de meu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul, faço uma “denúncia” contra uma pessoa física em função de suas declarações públicas. Como está muito claramente expresso no meu citado parágrafo final da carta-aberta ao Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, eu pleiteio a “anistia” a todos aqueles que fizeram declarações eventualmente preconceituosas, até agora – mas insisto numa medida do MPF-RS no sentido de que daqui para frente esse tipo de manifestação receba atenção do mesmo, com a possibilidade de enquadramento dos “manifestantes” na legislação pertinente. Apesar de lamentar as declarações da pessoa ali citada, e de continuar a criticá-la por essa e outras declarações, ela obviamente deve estar incluída na “anistia” proposta. Por isso, se refiro aqui o exemplo dela, o faço exclusivamente no intuito de ilustrar, de apresentar um caso paradigmático, para avaliar a pertinência da afirmação do procurador Fabiano de Moraes de que o MPF-RS não tem nada a ver com isso.
Vamos ao caso. Em março de 2008, foi publicada num órgão de imprensa uma entrevista com uma conhecida personalidade gaúcha a quem se fez a seguinte pergunta: “O crescimento da violência, como a atuação de grupos neonazistas como os skinheads, estaria ligada à colonização alemã no Rio Grande do Sul?”. A resposta dessa personalidade foi a seguinte: “O relatório do governo norte-americano a respeito da situação das vítimas no mundo destaca esse episódio. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e parte do Paraná, temos uma situação bem particular. Trata-se de uma região de forte colonização alemã e que, em termos ideológicos, ficou parada no tempo. Ainda hoje, atuam inspirados na Alemanha nazista e apoiam o projeto de Hitler” [Fonte: IHUon-line, São Leopoldo: UNISINOS, Edição 252, 31/3/2008, p. 9 - para ler, clicar aqui].
Admitamos que essa personalidade possua provas contundentes dessa afirmação. Neste caso, como o procurador Fabiano de Moraes pode afirmar que o MPF-RS não tem nada a ver com isso? Estou estupefato com essa afirmação. Como se atestou ao então procurador em Lajeado que ele não cometeu nenhuma ilegalidade funcional ao desencadear uma “desneonazificação” no vale do Taquari só porque soube, pela imprensa, que os “alemães” locais teriam pichado suásticas e escrito frases racistas ao longo de uma rodovia da região (e isso, mesmo que fosse verdade, sem cometer qualquer violência!), aqui se afirma, categoricamente, que esses mesmos “alemães” são, de fato, responsáveis por violências – mas isso, simplesmente, não interessaria ao MPF-RS? Antigamente, se teria dito que aqui estamos, até prova em contrário, diante de uma evidente contradictio in adiecto.
A impressão que tenho é a de que, depois de quatro anos de polêmica, ainda não se entendeu que eu não critiquei a ação do então procurador da República em Lajeado por tentar combater o “neonazismo” – muitissíssimo pelo contrário! Resumidamente, eu critiquei a ação: a) porque o então procurador a desencadeou depois que dois delegados de polícia, com conhecimento de causa, haviam destacado, em público, de forma enfática, que as pichações em Teutônia não haviam sido feitas por pessoas da localidade, e que não havia “neonazistas” no município; b) porque, mesmo assim, o então procurador recorreu a uma técnica pericial em Antropologia e acatou um “laudo” da mesma no qual estava escrito que ele deveria tomar medidas não só em relação aos supostos ou efetivos três ou quatro meninos “neonazistas” do lugar (de que a imprensa falou), mas que “o conjunto da sociedade” estava “fragilizado” (expressão que não permite outra interpretação que não a de que toda a população é “neonazista”); c) porque desencadeou sua “desneonazificação” não só em Teutônia, mas em todo o vale do Taquari, quando não havia qualquer notícia sobre pichações fora de Teutônia, e a única “maldade” que essa população apresentava é ter – talvez predominantemente – um sobrenome alemão, como a de Teutônia; d) porque convocou para Porto Alegre uma assembleia de representantes de “etnias” que ele, aparentemente, considerava impolutas para consultá-los sobre que fazer com aquilo que ele, aparentemente, considerava a “etnia”-animal predominante no vale do Taquari. Repito: estes foram os argumentos da minha crítica – e não o fato de tentar combater o “neonazismo” em si. Um eventual combate ao “neonazismo” deve ser feito com critério, ainda mais por um agente de Estado do nível de um procurador da República. Constitui atitude primária, do mais rasteiro senso comum, pressupor que a pichação de suásticas seja, necessariamente, obra de “neonazistas” – mostrei na “nota” “É Fantásticoooo!” que a disparadíssimo maior onda de pichações com suásticas, da Segunda Guerra Mundial até hoje, não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil, teve como autores militantes da Juventude do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário!
Voltemos à entrevista da pessoa que afirmou que os milhares de “alemães” do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e parte do Paraná são nazistas/”neonazistas”, e meditemos, agora, sobre a possibilidade de que ela não possua provas de suas afirmações (abstraindo do fato de que alertei na minha petição à Corregedoria sobre a necessidade de cuidados para ver que seriam “provas”, e quem avaliaria sua consistência). Neste caso, o MPF-RS também não teria absolutamente nada a ver com o caso? Reafirmo: estou estupefato com a afirmação do procurador! E, por essa razão, requeiro, publicamente, reconsideração desta parte específica de seu ofício, ainda mais que, como já foi dito, na minha petição à Corregedoria está claramente escrito: “Se o MPF-RS considerar as referidas manifestações como normais, não preconceituosas, sinto-me no direito de receber uma explicação para essa avaliação”. Parto do pressuposto de que o Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, ao remeter o expediente ao MPF-RS, também esperava que essa questão fosse esclarecida.
Eu até admito que, neste caso, talvez a situação seja mais complicada que na hipótese anterior (em que se supõe que o autor da afirmação teria provas), e que meu desconhecimento sobre filigranas jurídicas impeça uma compreensão adequada. Chamou minha atenção o fato de que a “decisão” 73/2015 – HCF, do Corregedor-Geral, de 26 de dezembro de 2015, inicie com a seguinte afirmação: “Ausência de alusão ofensiva ou discriminatória a grupo específico, em virtude de sua ascendência, em declarações feitas por membro do MPF a jornal local”. Permitam-me conjeturar: o Subprocurador-Geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho terá pretendido dizer que o então procurador da República em Lajeado, ao emitir, publicamente, opinião de que suspeitava do conjunto da população da região por ser originária de “colonização germânica” (palavras suas) não praticou ofensa ou discriminação? Que não existe ofensa ou discriminação contra coletividades, apenas contra indivíduos nominados, isto é, que estas só teriam ocorrido caso ele tivesse dito que suspeitava serem “neonazistas” os cidadãos João Becker, Carlos Schneider, Pedro Schmidt por causa de sua origem na “colonização germânica”? É isso? Como não sou jurista, pode ser que seja isso. Mas foi justamente por essa dúvida atroz que requeri uma explicação – que o procurador Fabiano de Morais, infelizmente, não forneceu.
Siga-se, mais uma vez, meu raciocínio. Aprendi com um desembargador do Rio Grande do Sul que “Direito é bom senso codificado”. E nesse espírito, fui – já várias vezes – ao texto da Lei 7.716/89 e seu desdobramento na Lei 9.459/97. O Art. 1º diz: “Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”; e no Art. 20 lê-se: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Minha dúvida é se isso significa que somente no caso de que eu possa provar que um indivíduo praticou discriminação ou preconceito depois de ter lido num jornal ou visto no rádio, na televisão, uma manifestação de uma personalidade afirmando que os milhares de “alemães” do RS, de SC e de parte do PR são nazistas/”neonazistas” o autor dessa afirmação possa ser enquadrado na citada lei (caso não consiga apresentar provas da veracidade de suas afirmações)? É isso? É por causa dessa dúvida que eu tinha muita expectativa no ofício do procurador Fabiano de Moraes.
Além disso, não posso deixar de apresentar uma pergunta bem concreta (já formulada em outros contextos, mas nunca respondida): se na afirmação da personalidade em pauta ela estivesse fazendo a acusação que, de fato, faz aos “alemães”, de forma igual ou simétrica, aos negros ou aos judeus do RS, de SC e do PR, o MPF-RS também não faria absolutamente nada, diria que não tem nada a ver com isso? Seria a glória se o procurador Fabiano de Moraes respondesse – não de forma subtendida – com um claro “sim” ou “não”, explicando logo o motivo por que o MPF-RS agiria, caso a resposta fosse nessa direção.
Por fim, volto ao MPF-RS, ao seu funcionamento e a seu relacionamento com o público, com os cidadãos, que, afinal, o sustentam materialmente, financiando, inclusive, salários muito razoáveis aos seus integrantes. O “incidente” em pauta referente ao caso Lajeado/Teutônia com certeza poderia ter sido resolvido sem qualquer estresse, se tivesse havido disposição ao diálogo. Lá no início de 2012, fiz duas ofertas para conversar ao então procurador-chefe do MPF-RS, Antônio Carlos Welter – em ambos os casos, não tive qualquer retorno. Mesmo que, formalmente, não tivesse podido interferir na ação do então procurador em Lajeado, uma administração efetiva não se faz exclusivamente com a aplicação pura de formalidades. Em uma conversa de, no máximo, 15 minutos, eu poderia tê-lo convencido dos equívocos que lá estavam acontecendo, e ele poderia ter feito um contato informal com o colega – com quem, pelo tom dos e-mails trocados, se dava bem –, para sugerir que reavaliasse sua ação no vale do Taquari. Mas não, meus conhecimentos adquiridos em 40 anos de estudos e de pesquisas sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul foram solenemente ignorados. E deu naquilo que deu – o então procurador em Lajeado poderia ter sido poupado do estresse que esse episódio certamente lhe causou! Uma pequena redução no salto das tamancas não faria mal! [30/11/2016]