Em 8 de junho de 2009, escrevi carta (comprovadamente entregue) à então Procuradora-Geral de Justiça do RS, alertando para a necessidade de o MP-RS ficar atento a manifestações e atos de discriminação por etnia e/ou procedência nacional, neste estado (a carta está publicada em meu livro O neonazismo no Rio Grande do Sul, p. 145-147). Até a presente data, não recebi resposta nem consegui registrar efeitos. Após essa data, publiquei várias notas neste site sobre novos aspectos do mesmo tema, a última intitulada “Viva a imprensa livre – e responsável!”, datada de 7 de maio de 2014. Tenho dito que não investiria mais tempo nem dinheiro em relação ao MP-RS, pois a sensação que tenho é de que ali reina total indiferentismo em relação a essa questão.
Mas há fatos novos, e como cidadão responsável não posso deixar de apontar para mais um deles. No dia 4 de abril de 2015, Zero Hora publicou, na página 21, dois artigos de pessoas externas ao jornal. Um é da deputada Regina Becker Fortunati, intitulado “A voz dos gaúchos e o clamor dos animais”, no qual defende um projeto de sua autoria que pretende revogar disposição legal anterior que estabelece “o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana”. Apesar de que – provavelmente pela limitação de espaço para este tipo de manifestações no jornal – não está dito, a expressão se refere especificamente a sacrifícios de animais em atos cúlticos.
O segundo artigo é de Norton F. Corrêa, doutor em Antropologia e autor do livro O batuque do Rio Grande do Sul, sob o título “O sacrifício de animais no batuque”, no qual esse sacrifício em atos cúlticos é defendido.
Diante dessas duas posições frontais – indicando que um conflito de ordem racial, étnico, cultural, religioso, num futuro próximo, não pode ser descartado –, o cidadão, obviamente, tem o direto de perguntar qual é a posição do MP-RS diante de tudo isso?
1) Tendo em vista o fato precedente de que ao menos um(a) integrante do MP-RS denunciou um(a) motorista por ter atropelado uma galinha, pode-se esperar um endosso da posição da deputada Regina Becker Fortunati, com pedido de repressão rígida a eventuais descumprimentos da determinação legal, caso ela venha a ser aprovada?
2) Inversamente, diante do precedente (não derivado de ação do MP-RS, mas de outras instâncias governamentais) que autorizou a ingestão de uma bebida cúltica que produz efeitos sobre a psique das pessoas (inclusive para crianças?), sob a alegação de garantir a liberdade religiosa, pode-se esperar que endossará a posição do antropólogo Norton F. Corrêa?
3) O MP-RS considera embasadas em pesquisas científicas e está de acordo com as declarações do antropólogo Norton F. Corrêa, no citado texto, de que o Rio Grande do Sul é tido como o estado mais racista do país, fato que se refletiria, entre outros, “na repressão ao batuque pela Igreja Católica, cuja cúpula e muitos padres são descendentes de alemães, tidos, no geral, como muito racistas. Outras ordens, de italianos, não ficam muito longe destes”? [Nessa circunstância, não é de todo desimportante chamar a atenção para o fato de que o sobrenome da deputada é Becker, provavelmente também descendente de alemães]. Caso essa declaração não estiver baseada em pesquisas claramente reconhecidas como científicas, o MP-RS não enxerga nela qualquer arranhão à legislação de combate a preconceitos derivados de etnia e/ou procedência nacional?
4) Ou o MP-RS não tem opinião formada a respeito de tudo isso, e vai aguardar o início de uma possível carnificina racial-étnico-cultural-religiosa, para pensar sobre o caso, ou deixar que o procurador casualmente de plantão decida? Esta última pergunta se justifica pelo fato de que, num passado não muito distante, o procurador Gilberto Thums declarou, publicamente, que sua posição em relação ao MST não era uma posição pessoal, mas a do MP-RS! Por que, portanto, o MP-RS não assume – e desencadeia medidas correspondentes junto a quem de direito – uma posição pública clara em relação ao tema da discriminação derivada de todas as seguintes características: raça, cor, etnia, procedência nacional, cultura, religião? Pois conflitos essencialmente sociais (como o da terra – MST) podem ser resolvidos, com relativo sucesso, através da eliminação das suas causas (reforma agrária, por exemplo), mas a História ensina que conflitos derivados de raça, religião, etnia, nacionalidade são praticamente inextinguíveis, uma vez desencadeados, de forma que é de todo recomendável que agentes de Estado que se sintam responsáveis em administrar uma convivência minimamente civilizada na sociedade adotem medidas para que não venham a eclodir! [6/4/2015]