Aquele que colocar no Google os termos “moça da suástica” virá aparecerem dezenas – talvez centenas – de entradas, datadas de 10 de outubro de 2018, noticiando que uma moça foi atacada em Porto Alegre e teve uma suástica desenhada em seu corpo, com canivete. A notícia se espalhou pelo planeta como um raio, pois todo mundo imaginou que havia acontecido mais um ataque criminoso desses supostos animais dos “alemãos” nazistas do Rio Grande do Sul.

Eu estava na frente do computador quando a imprensa local mancheteou o episódio. Trinta minutos depois, acessei os portais da Folha de São Paulo, de O Estado de São Paulo, de O Globo e do Jornal do Brasil, e em todos eles, lá estava a notícia, com a foto da suástica.

Posso imaginar que os poucos leitores deste site estejam estranhando que eu ainda não postara nada a respeito. Tomei essa decisão por motivos óbvios. Toda essa história está inserida na disputa eleitoral em curso, e eu, conscientemente, não quis mexer nessa abelheira. Este site e minha luta contra a insanidade da indústria do “neonazismo” surgiram durante o governo Lula, passaram pelos governos de Dilma e de Temer, sem que o governante ou o partido de plantão tivesse qualquer importância para minha luta contra a citada insanidade. E essa luta continuará, independente de um governo Bolsonaro ou Haddad. Assim, para não deixar contaminar essa minha batalha contra a insanidade pelo contexto eleitoral, eu só pretendia postar algo a respeito depois das eleições de 28 de outubro. Mas os acontecimentos se precipitaram, e eu me sinto não só no direito, mas na obrigação de fazer uma referência ao assunto.

Para aqueles leitores que não sabem que aconteceu ou têm apenas uma vaga ideia, apresento algumas informações básicas. Na data indicada, uma moça compareceu à polícia com uma suástica desenhada em seu corpo, que teria sido feita por três homens, após ela descer de um ônibus, na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Para quem está curtido com as fake news divulgadas pela imprensa de latrina sobre a existência de hordas intermináveis de “alemãos” “neonazistas” no Rio Grande do Sul, havia vários aspectos a serem considerados: a moça teria levado dois dias até decidir-se a procurar a polícia; a seguir, resolveu, porém, retirar a denúncia; os “ferimentos” divulgados pelo planeta afora mostravam uma suástica desenhada errada (“alemãos” nazistas não profanariam esse símbolo, para eles, sagrado); apesar de que o desenho teria sido feito com canivete, a pele estava apenas muito superficialmente marcada, sugerindo que se tratava de um instrumento totalmente sem fio; era pouco plausível que o desenho tivesse sido feito em condições de violência, pois as linhas eram muito regulares e a própria imagem muito simétrica para terem sido feitas sob condições de luta corporal.

Neste contexto, entrou em cena o delegado Paulo César Jardim, festejado em prosa e verso, desde aproximadamente 2003, como o maior caçador de “neonazistas” do país. Faço uma crítica à atuação dele no meu livrinho O neonazismo no Rio Grande do Sul. De fato, ele, ao longo desses anos, fez algumas declarações absurdas – vou citar apenas uma: entre suas explicações para a existência de “neonazismo” no Rio Grande do Sul, está a de que nazistas fugidos para a Argentina, ao final da guerra, estariam por trás de grupos criados aqui. O pequeno problema dessa afirmação está no fato de que um nazista contando 25 anos em 1945 teria, em 2003, 83 (oitenta e três!) anos, todos os demais seriam mais velhos ainda. O bom senso mínimo mediano diz que é absurdo tentar culpar esses anciãos pela organização de supostas células no RS. Acontece que a imprensa de latrina festejava afirmações desse tipo feitas pelo delegado Jardim com verdadeiros orgasmos, pois davam-lhe o respaldo de uma autoridade policial para clamar contra o perigo representado pelos supostos animais dos “alemãos” que estariam infiltrados – e teriam contaminado – o solo gaúcho. Que as publicações dessa imprensa de latrina são tão abomináveis quanto os próprios “neonazistas”, disso o baixíssimo clero jornalístico não se dava conta – e dá-lhe instigação ao ódio étnico-racial contra os “alemãos”!

Felizmente, há indícios de que o delegado Jardim aprendeu com seus erros, evoluiu, parou de fazer afirmações absurdas. Uma mostra foi dada por ele em 2017, quando a imprensa de latrina alardeou que uma estagiária fizera apologia do nazismo no Colégio Paula Soares, em Porto Alegre, o famoso caso da “estagiária nazista”, que comento neste site.

Pelos indícios óbvios que apontavam para a necessidade de cuidados em aceitar – de forma cega – que a suástica desenhada na moça tivesse realmente sido feita por “alemãos” nazistas, o delegado Jardim fez uma declaração que inverteu a expectativa da imprensa de latrina – não se sabe se foi ironia ou alguma outra coisa, mas ele teve a ousadia de dizer que ali não havia uma suástica nazista, mas budista (ou algo assim), um símbolo de “paz e amor”. Pode-se discutir se os termos utilizados foram os mais adequados, mas o alerta de que não se estava na presença de uma suástica desenhada por “alemãos” nazistas era absolutamente pertinente.

A reação da imprensa de latrina foi avassaladora, o delegado foi condenado ao último degrau do inferno de Dante. Interessante foi que, desta vez, não só o baixíssimo clero jornalístico uivou, gente do porte de um Elio Gaspari juntou-se ao coro da insensatez! Sua coluna no Correio do Povo do dia 13/14 de outubro de 2018 leva o título “O delegado viu paz e amor na suástica”, e a conclusão do seu texto diz: “quando aparece uma pessoa com uma suástica na barriga e um delegado como o doutor Jardim diz o que ele disse, algo de muito ruim está acontecendo”. Sim, de fato, enquanto a imprensa de latrina não mudar sua ética, e parar de ser irresponsável, “algo de muito ruim está acontecendo”.

O epílogo da história: hoje de manhã, dia 24 de outubro, a Rádio Gaúcha noticiou com destaque que o resultado da perícia oficial sobre o caso constatou aquilo que um bom conhecedor – como o delegado Jardim – estava obrigado a suspeitar, desde o início. Foi tudo armação! Ironicamente, a matéria da rádio foi apresentada por um repórter chamado Cid Martins, que em abril de 2017 ajudou a espalhar pelo mundo a notícia falsa de que uma estagiária havia feito apologia do nazismo no Colégio Paula Soares. Investiu, para divulgar essa fake new pelo planeta, entre outros espaços jornalísticos, um terço (!) de uma página de Zero Hora (14/4/2017). A notícia do delegado Jardim, do dia 19 de abril de 2017, declarando que encerrara o caso por tratar-se de um problema “clínico”, e não “policial”, não mereceu nenhuma palavra (nenhuma palavra!), na edição do jornal de 20 de abril de 2017.

Coisas da imprensa de latrina! [24/10/2018]

P. S.: Hoje, sábado, 27/10/2018, li com muita expectativa a coluna de Elio Gaspari, para ver se teria a humildade de reconhecer que errou. Na sua coluna publicada nesta data no Correio do Povo, não há nenhuma referência ao tema. No sábado passado, 20/10/2018, o colunista local de O Sul Lenio Streck também criticou o delegado Jardim. Gaspari não publica e-mail para contato, Streck sim. Mandei-lhe um e-mail de imediato, apontando para os indícios de se tratar de uma fake new, e quando saiu a notícia da polícia sobre a conclusão de fraude (24/10/2018), mandei-lhe outro e-mail, informando sobre o desdobramento do episódio, desafiando-o a pronunciar-se. O texto integral de sua coluna em O Sul de hoje está anexo [clicar aqui]. A não ser que a mensagem seja tão sutil, tão subliminar que meu QI seja insuficiente para entendê-la, não vi qualquer menção ao caso. Se a referência àqueles que só enxergam as sombras porque formados pela UNIZAP pretenda atingir a mim, informo que meu trabalho sobre o tema em relação ao qual estou palpitando foi apresentado na e aprovado pela Universidade Livre de Berlim, que costuma estar pelo 50º lugar nos rankings das universidades do planeta, e professores mais jovens da mesma continuam a reconhecer-me como pioneiro no tema, sem que qualquer um deles tenha refutado minhas conclusões, ainda que possam ter feito algumas correções pontuais. De uma pessoa que já foi professor de EPB, isto é, de "educação moral e cívica" (!) para universitários, é professor num curso de pós-graduação em Direito, e conselheiro do companheiro Gilmar Mendes, eu tinha motivo para esperar um ato de humildade, reconhecendo ter sido intempestivo contra o delegado Jardim. Registro esses fatos, porque, além do medo de que a imprensa de latrina esteja em plena expansão, preocupo-me como pesquisador-historiador - a imprensa sempre foi uma importante fonte para os historiadores, mas repleta de fake news sem correção ou retificação, como está, torna-se totalmente contraproducente para a pesquisa histórica, para o estabelecimento da verdade histórica (aliás, a verdade foi o tema da coluna de Streck em 20/10/2018). [27/10/2018]