Fake news estão na moda, em especial no Brasil. O STF está se preocupando com elas. Todo mundo sabe que é uma fake new – uma notícia falsa. Mas aquilo que pretendo defender, neste pequeno texto, é a necessidade de ampliar o conceito, pois uma notícia incompleta, postada como tal até por precaução, com boas intenções, pode tornar-se extremamente perigosa. Vou apresentar exemplos.
Quem conhece este site sabe que um tema bastante referido aqui é nazismo/neonazismo. E é deste tema que tratarei. Neste campo, interessa-me, sobretudo, a vinculação automática, pelo senso comum, deste assunto com “alemães” e “colônia alemã”, neste país. Inicio por dois exemplos.
Em abril de 2017, uma estagiária de Filosofia declarou-se nazista diante de alunos do Colégio Paula Soares, em Porto Alegre, no primeiro dia de sua atividade. Os fatos narrados, no entanto, indicavam, para qualquer pessoa que estivesse de posse de suas faculdades mentais, que a moça ou sofrera um surto repentino ou tinha problemas mentais/psicológicos. Mesmo assim, o jornal Zero Hora dedicou um terço de página, em sua edição impressa, para narrar o acontecido. Uma semana depois, autoridades policiais convocaram a imprensa para declarar que não se tratava de um “caso de polícia”, mas, sim, de um “caso clínico”. Mesmo que o jornal não tivesse relatado inverdades, em sua matéria de uma semana antes, a ausência de uma única letra sobre o desfecho, após o comunicado policial, por assim dizer sacramentou, de forma irresponsável, uma fake new.
O segundo exemplo. Em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, correu mundo uma notícia sobre a “moça da suástica”. Uma jovem apresentou-se à polícia de Porto Alegre ostentando uma suástica desenhada na barriga, declarando que ela fora feita com um canivete, por três indivíduas que a atacaram, quando saía de um ônibus. Mais uma vez, qualquer pessoa adulta que estivesse de posse de suas faculdades mentais deveria concluir pelo óbvio – que era mentira, já que as linhas do símbolo eram tão regulares que, de forma alguma, poderiam ter sido feitas em circunstâncias de luta corporal.
O delegado Paulo César Jardim, considerado o maior especialista em neonazismo, na área policial, em todo o Brasil, ironizou que a moça não ostentava uma suástica, mas sim um símbolo de “paz e amor” (estava desenhada errada, e, portanto, seria um sinal budista ou algo assim). A imprensa massacrou-o. Gente do calibre de Elio Gaspari enfureceu-se com a suposta irresponsabilidade do delegado. Uma semana depois, a perícia convocou a imprensa para comunicar que se tratava de uma armação. Não acompanhei o desenrolar do caso, depois deste momento, mas recentemente li que a moça fez um acordo com o MP-RS para prestar serviços à comunidade, como forma de penitência. Acompanhei todas as colunas de Elio Gasparai, nas semanas seguintes, mas não houve nenhuma única referência que reconhecesse seu erro. Com isto, também aqui a notícia original foi sacramentada como fake new.
Mesmo que nestes dois casos “alemães” e “colônia alemã” não estejam expressamente implicados (ainda que no primeiro se tenha informado que a moça teria dito, na ocasião, que em Carazinho todo mundo é nazista), chego a outro exemplo gaúcho, para tornar mais clara minha preocupação. Nos últimos anos, um policial tornou-se conhecido por sua campanha de combate ao “fascismo”. Muito provavelmente, isto o ajudou a eleger-se vereador por Porto Alegre, nas eleições de 2020. Um caso rumoroso que ele divulgou com muita ênfase aconteceu em Canoas, onde teria descoberto um rapaz que tentou vender uma medalha com a suástica. Pesquisando, encontra-se a informação de que o acusado teria herdado a medalha de um avô, tio-avô, algo assim. A conclusão óbvia – mesmo não expressamente verbalizada, nas notícias – que o senso comum deve ter derivado de uma afirmação destas é que este parente lutou pelo exército alemão, e, portanto, é um “alemão”, logo, o rapaz também deveria ser um “alemão”.
Na internet, encontra-se uma imagem dele. Mesmo que esteja com uma touca que encobre grande parte de seu rosto, alguns traços faciais são visíveis – e não denotam qualquer fenótipo “alemão”. Diante deste fato, fui olhando mais e mais matérias na internet. Nota-se que praticamente todas elas derivam de uma mesma fonte, oferecendo as mesmas informações. Mas, felizmente, lá pelo 15º site consultado, recebe-se a informação de uma autoridade policial de que, efetivamente, foi confirmado que um parente do rapaz lutou na Segunda Guerra Mundial – mas (...) na Força Expedicionária Brasileira. Isto muda, por completo, as desconfianças de que o suposto ou efetivo malfeitor seja um “alemão”. Sim, ex-pracinhas brasileiros colecionavam medalhas relacionadas à guerra, independente do lado de que elas viessem. Aqui, de forma clara, não houve intenção de produzir uma fake new, mas a ausência da informação sobre o exército em que o parente teria lutado transformou a notícia numa tal.
Estes três exemplos do Rio Grande do Sul mostram como o conceito de fake news deveria ser ampliado. A partir deste ponto, vou deslocar-me para Santa Catarina, pois o povo deste estado está sendo massacrado como nazista/neonazista. Aqui o problema das fake news “do bem” clama aos céus. São fake news “do bem”, pois, com certeza, as pessoas responsáveis por elas – caso inquiridas – as justificariam como parte de uma abnegada e heroica luta do bem contra o mal. Quem pode ser contra a denúncia de manifestações e atos nazistas/neonazistas?
Para que os leitores tenham uma ideia das dimensões da “marcação” sobre Santa Catarina e seus “alemães”, permitam-me relatar um episódio relativamente recente. Quando, em janeiro de 2020, o secretário de cultura Roberto Alvim parafraseou Goebbels, uma jornalista do Rio de Janeiro fez contato comigo para obter meu aval acadêmico de historiador para um artigo que estava escrevendo, para publicação. Segundo ela, defenderia a tese de que se um grupo de alemães canalhas não tivesse fundado, em 1928, um núcleo do partido nacional-socialista alemão em Timbó, Santa Catarina, nunca se teria tomado conhecimento, neste país, da existência do flagelo nazista, e, com absoluta certeza, Jair Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República, 90 anos depois. Não estou inventando – estou relatando um fato!
Como em qualquer lugar deste país, obviamente, há em Santa Catarina pessoas “exóticas”, mas autoridades policiais com reconhecida experiência no ramo, como o delegado Paulo César Jardim, têm afirmado que o número de manifestações e atos neonazistas no estado é menor que em outras unidades da federação brasileira. Em contrapartida, uma antropóloga, endeusada pela mídia como a maior conhecedora do assunto, escreveu, numa dissertação, defendida em 2007, na UNICAMP, que em SC se encontraria metade de todos os neonazistas do Brasil, isto é, 50% de 90.000, logo 45.000. À página 107 da dissertação de Adriana Abreu Magalhaes Dias, está a explicação para o fato: “Aluízio Batista de Amorim, jurista, em seu livro, Nazismo em Santa Catarina, oferece um levantamento de dados, que segundo ele emolduraram as condições históricas circunstanciais que favoreceram o aparecimento e o desenvolvimento do nazismo no estado. Em primeiro lugar, o autor aponta para o fato de que, após 1829, quando aconteceu a chegada do primeiro grupo de imigrantes de origem alemã em Santa Catarina, surgiram muitas iniciativas, particulares, de empreendimentos escolares, hospitalares e recreativos na região. Demarcados pelo uso da língua alemã, esses empreendimentos teriam fortalecido laços culturais e sociais, elemento que também baliza a imprensa local”.
Esta referência, dentro de um contexto em que se trata de neonazismo, não permite outra interpretação a não ser a de que nas décadas de 1930/40 Santa Catarina esteve tomado pelo nazismo, porque lá havia “alemães”, e que o atual neonazismo deve ser explicado pelo mesmo caminho.
Em entrevista à revista IHU-UNISINOS, com data de 22 de novembro de 2019, 12 anos após a conclusão da dissertação, esta mesma senhora destacou que o neonazismo cresceu de forma constante e assustadora, no Brasil, desde quando ela começou com suas pesquisas, lá na primeira década do século XXI, e que, no momento (2019), havia, em todo o país, entre 4.000 a 5.000 neonazistas. Insista-se – na dissertação de 2007, está escrito, duas vezes (páginas 35 e 106), que havia 90.000 no total, dos quais 45.000 em Santa Catarina. Pois, esta senhora, com uma lógica matemática tão cartesiana, continua “dando as cartas” para a difusão de fake news que atentam contra a dignidade do povo de Santa Catarina. Mais recentemente, inclusive, está "auxiliando" um grupo do MP-SC em relação ao tema. Hm!
Repita-se, em Santa Catarina – como em qualquer lugar do Brasil –, há pessoas “exóticas”. Neste sentido, não há como negar que o pai da atual vice-governadora nunca fez segredo de sua opinião sobre Hitler. Estranha-se e deve-se lamentar, mas o Estado Democrático de Direito – pelo qual estamos sobremaneira preocupados, neste momento – garante liberdade de consciência e de opinião.
Quanto a relatos de atos nazistas/neonazistas marcantes, com data e local, no estado, a imprensa insiste nos seguintes. Em primeiro lugar, disparado, estão as referências ao professor com uma suástica dentro da piscina de sua casa. Quando se vai verificar de quem se trata, fica-se sabendo que ele não é catarinense, não possui sobrenome alemão, e veio de São Paulo.
Em 2014, dois rapazes foram flagrados colando cartazes em Itajaí, um dos quais com uma imagem de Hitler; foram denunciados pelo MP-SC, mas foram absolvidos pelo Poder Judiciário, e o próprio MP-SC não recorreu da sentença, por ter chegado à conclusão de que, de fato, os atos não poderiam ter sido enquadrados como neonazistas. Não significa que se trate de pessoas sem mácula, mas, aparentemente, sob a perspectiva estritamente jurídica, por mais lamentáveis que fossem, não podiam ser enquadrados na legislação vigente – coisas que acontecem no Estado Democrático de Direito. Os dois se envolveram em novo episódio, em 2017, a ser relatado, a seguir. O fato sugere que há um grupo que – vira-e-mexe – aparece em diversos episódios, indicando que os mesmos indivíduos são os responsáveis por diferentes atos (como também aconteceu no Rio Grande do Sul, na primeira década deste século).
Em 2016, três homens considerados neonazistas atacaram uma banda punk, em São Bento do Sul; nas investigações, se constatou que dois deles eram do Paraná e um de São Paulo.
No segundo semestre de 2017, cartazes preconceituosos contra negros e praticantes de religiões africanas foram expostos em Blumenau; cinco pessoas acabaram presas, no contexto deste caso; segundo informações de imprensa, ele ainda estaria correndo na Justiça; infelizmente, as notícias encontradas só referem o nome de três dos cinco presos; sim, um seria o “alemão” Fabiano Antônio Schmitz, outros dois seriam Kaleb Rodrigo Frutuoso e Jhoseffer de Amaral Martins da Silva; o quarto homem não está identificado, nas fontes consultadas; da mesma forma, não é citado o nome de uma moça, também presa; dela, se informou que era namorada de um neonazista de São Paulo; só foi encontrada uma foto dos cinco, de costas, mas nenhum deles denota um fenótipo explicitamente “dolicocéfalo-loiro-caucásico”; além disso, o episódio apresenta algumas curiosidades, como um suposto ou efetivo vínculo com neonazistas paulistas e até ucranianos (não alemães!); além disso, informações sobre uma das vítimas, um advogado negro, indicam que não deve ser pessoa odiada pelos “alemães” de Blumenau, pois desfila no Oktoberfest fantasiado de “Fritz”. Os dois acusados pelos atos de Itajaí, em 2014, estiveram entre os presos.
Em janeiro de 2020, em São José, um sujeito pendurou uma camiseta com suástica numa janela; segundo informação corrente, tratava-se de um paulista, sem qualquer ascendência alemã, que havia sofrido um revés profissional, em seu estado, e viera para Santa Catarina “curar a ressaca”.
Em junho de 2021, uma pessoa foi filmada segurando uma bandeira com suástica, num apartamento de Florianópolis; a investigação indicou que se trata de pessoa pertencente a uma família conhecida, de sobrenome alemão; o próprio teria sido candidato a reitor da UFSC, anos atrás; acontece que a pessoa está aposentada, há muito tempo, por invalidez permanente, de origem psíquica (não física).
Finalmente, desde maio de 2021, circulam rumores sobre uma fábrica de material nazista em Timbó; um aprofundamento no assunto mostra que a pessoa acusada como responsável não possui nenhum indício de sobrenome alemão; quando, recentemente, a polícia quis prendê-lo, constatou que estava em viagem a Portugal (não à Alemanha!); como seu nome é constituído de quatro elementos – não muito comuns –, coloquei-os nas buscas de internet, e constatei que o “escavador” informa que existe um registro judicial envolvendo-o em Minas Gerais; claro, pode tratar-se de um homônimo – mas existe também a possibilidade de que seja um mineiro que veio brincar de neonazista em Santa Catarina (como o professor com a suástica na piscina). Um suposto ou efetivo comprador gaúcho de produtos desta fábrica (um capacete) está identificado como Israel Soares.
Karl Popper foi um judeu austríaco que teve de fugir, por razões étnico-religiosas, de seu país. Preocupado em garantir a existência de “sociedades abertas”, propôs, entre muitas outras coisas, que em vez de tentar achar apenas confirmações para aparentes verdades, seria bom também procurar por possíveis refutações. Em outras palavras, uma verdade aparentemente inabalável pode ser colocada em xeque, quando se apresentam fatos, dados que a desconfirmam – ainda que haja outros fatos e dados que apontem para uma confirmação. Com isto, a suposta verdade absoluta, no mínimo, fica parcialmente abalada (e convém não insistir demais em sua consistência).
Pergunto se os citados fatos e dados sobre supostos ou efetivos atos neonazistas em Santa Catarina não colocam em dúvida a verdade aparentemente inabalável de que a presença de “alemães” é a responsável? Popper estava tão preocupado com o Estado Democrático de Direito quanto nós, neste momento. Disto, decorre nova pergunta: os dados apresentados não sugerem que se deveria aplicar, no mínimo, o princípio do in dubio pro reo, a favor dos “alemães” catarinenses, pois imagino que ele vigore também no Direito brasileiro?
As notícias sobre atos neonazistas em Santa Catarina que ignoram ou, eventualmente, até ocultam, de forma proposital, fatos como os narrados, são as tais de fake news “do bem”, de que falei. Tenho reiterado, ad nauseam, minha frustração em não ter estudado Direito. Mas, mesmo como leigo, pergunto se pessoas responsáveis por este tipo de fake news não são enquadráveis no Art. 20 da Lei 7.716/89 (“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de [...] procedência nacional”), com todas as consequências (como imprescritibilidade)?
Há indícios de que até Adriana Abreu Magalhães Dias se tenha dado conta do problema. Sua dissertação de mestrado, de 2007, não deixa dúvidas quanto à atribuição de culpa aos “alemães” (conforme mostrado). Já em declaração à Folha de São Paulo, com data de 29 de outubro de 2020, ela afirmou: “Afinal, nem todo neonazista é de origem alemã”. Ahá! Mais recentemente, em entrevista à Voz da Resistência, com data de 18 de junho de 2021, disse: “O mais importante não é o fato de ter uma ascendência alemã forte”, para explicar a presença neonazista em Santa Catarina.
Talvez a idolatrada caçadora de neonazistas se tenha dado conta de que suas afirmações poderiam voltar-se contra ela mesma, e mudou de tom, de ênfase. Só que não conseguiu desvencilhar-se de todo do Art. 20 da Lei 7.716/89 (“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de [...] religião”), quando – na mesma matéria da Folha – se lê: “soma-se a isso a presença em regiões isoladas do estado de vertentes ultraconservadoras do pensamento luterano”. Sim, se o ser “alemão” não constituiria mais uma explicação suficiente, vamos, então, culpar também o ser “luterano” (que não deixa de ser uma coisa “tipicamente alemã”)! ATENÇÃO: penitencio-me por ter atribuído esta afirmação a Adriana Dias - de fato, ela foi feita por outra pessoa citada na mesma matéria. Na verdade, a "injustiça" contra Adriana Dias não é fatal, pois ela mesma tem estabelecido vínculos entre a população rural de SC e o neonazismo - como muitos integrantes desta população rural são luteranos, o erro não tem grandes consequências.
Além disso, o conteúdo da própria afirmação é de uma lamentável irresponsabilidade, pois qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de causa sabe que os neonazistas não são coloninhos dos recantos mais interioranos, e, sim, urbanos. Mas, para o senso comum, a lógica é perfeita, e, de repente, um camponês desengonçado, modesto, ruivo, luterano, acaba trucidado por um caçador de neonazistas. A própria Adriana Dias, em sua explicação sobre o neonazismo em Santa Catarina, afirmou que o estado “é bastante rural, com muitas cidades pequenas, que têm tendência de serem homogêneas, com uma só etnia”. Só não explicou se alhos tem a ver com bugalhos. Mas, pelo contexto, o leitor, obviamente, imaginará que sim.
Lembro que existe um processo transitado em julgado (com confirmação pelo STF), condenando o Estado brasileiro a pagar indenização a uma família cujo pai foi preso e torturado, durante a Segunda Guerra Mundial, levando-o ao suicídio. Na sentença, está muito claro que o homem, por chamar-se Antônio Kliemann, foi vítima de racismo. Portanto, há jurisprudência muito consistente no sentido de que agredir alguém por ser “alemão” constitui crime de racismo.
Pergunto também se a senhora Adriana Dias não se expôs quando sugeriu que a população de Santa Catarina deveria ter sido desnazificada? Será errado pressupor que esta afirmação esteja, no mínimo de forma implícita, insinuando que a população do estado catarinense está animalizada – e precisaria deste corretivo?
Curiosa é sua sugestão de que o estado precisa ser enegrecido (“não vai haver nenhuma forma de Santa Catarina resolver essa questão sem o Estado enegrecer” – vide link abaixo). Gostaria muito de saber que isto significa, de forma concreta.
Tenho plena consciência de que minhas considerações sobre o tema, neste site, não têm qualquer efeito sobre o senso comum. Mas sou um cientista social responsável, e tento fazer aquilo que é possível, isto é, alertar autoridades para os problemas. Quando publiquei meu livrinho O neonazismo no Rio Grande do Sul, em 2012, o enviei ao então governador Tarso Genro, dizendo-lhe, em bilhete anexo, que sabia que ele, provavelmente, não teria tempo de lê-lo, mas que fizesse chegar seu conteúdo ao chefe de polícia do estado e ao comandante da Brigada Militar (BM). Mesmo não tendo registrado no bilhete, imaginei um guri besta qualquer pichar uma suástica em Lichtenthal, e a polícia civil ou a BM indo para lá com fuzil e metralhadora para massacrar o simpático povo deste lugar.
Eu tinha motivos para a preocupação. Em 2010, um guri besta qualquer pichou suásticas em Teutônia (RS), o procurador da República em Lajeado, imbuído do mais rasteiro senso comum de que populações originárias de “colonização germânica” possuem uma “tendência” ao neonazismo, desencadeou uma desnazificação em todo o vale do rio Taquari, durante dois anos. Ele foi assessorado por uma técnica pericial em Antropologia com doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a qual lhe atestou que em Teutônia “o conjunto dos concidadãos” do município estava “fragilizado” pelo neonazismo, ou seja, ali ninguém escapava. Isto está impresso em papel timbrado do MPF-RS, com assinatura final, e rubrica em todas as páginas! O caso representou um atentado brutal à dignidade de cerca de 350.000 cidadãos brasileiros residentes no “Vale”. Aqui, um “guardião” do Estado Democrático de Direito atentou contra um dos pilares da nossa Constituição, a dignidade (Art. 1º). Quando coletividades – como populações originárias de “colonização germânica”, “luteranos”, “o povo de Santa Catarina”, o “conjunto dos concidadãos” de Teutônia – começam a ser agredidas, convém soar o alarme, pois a barbárie vem vindo. Mesmo quando isto acontece sob a justificativa de que se trata de intenções absolutamente nobres.
Fico imaginando que pode vir a acontecer em Santa Catarina, onde o MP-SC passou a ter o "auxílio" de uma doutora em Antropologia pela UNICAMP que declarou em público (entre aspas): "Enquanto não houver um governo que efetivamente discuta essas questões e faça um processo de desnazificação, não vejo saída". P-R-E-O-C-U-P-A-N-T-E! [8/9/2021]